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fórum social mundial propriedade rural conflito fundiário
2011-02-10 | Tatianaf

A julgar pelos temas de muitas das mesas de debate ocorridas até agora no Fórum Social Mundial deste ano, que começou no dia 6 e acaba no dia 11, percebe-se que uma das principais preocupações de movimentos sociais e sociedade civil de todo o mundo é o fenômeno conhecido como “apropriação de terras”: a compra ou a toma de vastos territórios de países do Terceiro Mundo por governos estrangeiros e, principalmente, corporações transnacionais, que vem ocorrendo massivamente nos últimos anos.

As diversas mesas que trataram do assunto denunciaram a estratégia desses atores e seus objetivos principais: especulação, produção de commodities agrícolas, biomassa, entre outros. E, para atingir tal meta, as corporações e governos lançam mão de diversas formas de atuação. Uma delas é a incidência no debate sobre as mudanças climáticas.

Aparentemente, o fracasso das negociações para o corte das emissões de gás carbônico é, sob o ponto de vista corporativo, o melhor cenário, pois, assim, vem à tona o plano B: novas tecnologias que supostamente mitigam as alterações no clima do planeta. Dessa forma, o padrão de consumo e desenvolvimento das potências ocidentais poderia permanecer intocado.

Com o objetivo de alertar sobre a ameaça que esse discurso representa no contexto da Cúpula Rio +20, prevista para 2012 no Rio de Janeiro, a organização ETC Group realizou nesta quarta-feira (9) o debate “Rio + 20: a apropriação da Terra?”. Nas exposições dos debatedores, ficou clara a preocupação de que, por meio das novas tecnologias, poucas corporações passem a controlar toda a vida no planeta. O primeiro processo relacionado a elas, a apropriação massiva das terras, já começou.

O primeiro palestrante, Pat Mooney, diretor-executivo do ETC , iniciou sua fala afirmando que o desejo por trás de tal retórica é, principalmente, dois: centralizar a tomada de decisões sobre a mudança climática e vender tecnologias “verdes” para solucionar os problemas. “Eles dizem: é verde! É bom! Mas o que eles propõem não é verde”. Segundo ele, entre tais “soluções” tecnológicas, despontam três tipos: a nanotecnologia, a biologia sintética e a geoengenharia. A nanotecnologia, que tem como princípio básico a construção de materiais a partir dos átomos, recebeu, no ano passado, de acordo com Mooney, 15 bilhões de dólares em recursos de governos e empresas. “Propõe-se reciclar e reduzir nossos dejetos enquanto aumenta-se o nível de renda e consumo”.
 
Biologia sintética
Já a biologia sintética procura produzir qualquer material a partir da biomassa. “Eles costumam dizer: qualquer coisa que o dinossauro [petróleo] pode fazer, as plantas também podem”. Mooney explicou que esse é um nível bem acima da chamada biotecnologia. “Biotecnologia é pegar um gene de uma espécie e introduzir em outra. Isso é muito primário. O que eles estão dizendo agora, com a biologia sintética, é que eles podem construir seu próprio DNA a partir de um carbono vivo”. Por carbono vivo, entende-se biomassa.

Dessa forma, a porta estaria aberta para o controle total sobre a produção agrícola do planeta. “O capitalista diz: ‘você não percebe que só 23,8% da biomassa anual do mundo é commodity?’ Isso significa que os outros 76,2% ainda podem ser apropriados”. Segundo o especialista, inúmeras empresas petrolíferas e o Departamento de Energia dos Estados Unidos estão investindo pesadamente nessa tecnologia.

Por último, de acordo com Mooney, há algo ainda mais “assustador”: a geoengenharia, ou seja, a manipulação de elementos do clima para combater o aquecimento. Entre as modalidades, exemplificou, está a de introduzir nanopartículas sobre a superfície dos oceanos para que se criem certos tipos de plânctons que absorvam o excesso de gás carbônico no planeta. “O que estão dizendo é: não se preocupem com o clima. Nós não precisamos mudar nosso estilo de vida. Criaremos novas tecnologias para solucionar os problemas”.
 
Modo de vida estadunidense
Já Naomi Klein, escritora e ativista canadense, deu início a sua exposição com um alerta: “a privatização da Terra não é ficção científica. Está acontecendo”. Segundo ela, depois do fracasso da Cúpula do Clima de Copenhague, realizada em dezembro de 2009, tal processo se acelerou, e o “plano B” foi posto em prática. Naomi lembrou que durante a ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, o então presidente estadunidense George Bush (1989-1993), presente no evento, deu uma entrevista na qual afirmou que seu país queria se envolver nas discussões, mas que gostaria de deixar algo claro: o modo de vida estadunidense não estava em negociação. “Nestes últimos 20 anos, não apenas esse modo de vida não se alterou, como houve sua globalização”.

De acordo com a ativista, a ideia de que se possa interferir com sucesso no clima do planeta é considerar que seu ecossistema é muito simples. “Não podemos simplesmente desligar a temperatura. Claro que não temos esse tipo de controle. O que sabemos é que temos que reduzir drasticamente as emissões”.

Para Naomi, as novas tecnologias permitem que se privatizem novas fronteiras, que não são mais físicas.
A canadense aproveitou também para criticar alguns grupos ambientais que, segundo ela, são “parte do problema”. “O símbolo do movimento ambiental moderno é a Terra vista do espaço. Essa visão de astronauta é ruim. Sob essa perspectiva, a ideia da solução por meio da tecnologia começa a fazer sentido, enquanto na superfície, as pessoas sofrem na pele os efeitos da alteração climática. Minha esperança é a de que na Rio + 20 tais grupos voltem do espaço”.

O último a falar foi o ativista do Mali, Mamadou Goïta, diretor-executivo da organização IRPAD África (Instituto de Pesquisa e Promoção de Alternativas em Desenvolvimento). Na sua fala, ele priorizou a discussão sobre a África no contexto da mudança climática e das novas tecnologias que são vendidas como soluções. “A África tem muito o que ensinar ao mundo em relação ao enfrentamento dessa situação”, disse. Ele explicou que em todo o continente existem exemplos de novas técnicas e instrumentos utilizados pelos agricultores para lidar com os efeitos da alteração do clima, como novos materiais e a produção de novas espécies de sementes. “O ponto-chave é a diversidade. Produzimos sementes para ser compartilhada: não é o lucro sendo maximizado, mas os riscos sendo minimizados”, afirmou.

(Por Igor Ojeda, Brasil de Fato, IHU-Unisinos, 10/02/2011)


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