Excelentíssima Senhora Dilma Rousseff
Presidente da República Federativa do Brasil
Brasília, 08 de fevereiro de 2011
Senhora Presidente,
Em primeiro lugar, parabenizamos Vossa Excelência pela sua eleição como a primeira mulher presidente do Brasil, um fato de enorme importância histórica. Ao mesmo tempo, nós, movimentos de povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, agricultores familiares e de outras populações que habitam ao longo dos rios amazônicos, integrantes da Aliança em Defesa dos Rios Amazônicos, em conjunto com outras entidades parceiras da sociedade civil, vimos denunciar a existência de graves equívocos nos processos de planejamento e construção de grandes hidrelétricas na Amazônia, assim como apresentar propostas de encaminhamento para superar os problemas identificados.
Em janeiro de 2011, a Comissão Especial “Atingidos por Barragens” do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), lançou um importante relatório que concluiu, após análise de diversos estudos de caso, inclusive da Hidrelétrica de Tucurui, que “o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente graves violações de Direitos Humanos, cujas conseqüências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual.”
Senhora Presidenta, nossas experiências recentes com o planejamento e a construção de mega-hidrelétricas na Amazônia – como a usina do Estreito no rio Tocantins, as usinas de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, o Complexo Belo Monte no rio Xingu e as hidreletricas propostas para os rios Tapajós, Jamanxim e Teles Pires – respaldam plenamente esta e outras conclusões da Comissão Especial “Atingidos por Barragens” do CDDPH. Nesse sentido, registramos as seguintes constatações:
1. Sem desconsiderar as relevantes contribuições da hidroeletricidade para a matriz energética brasileira, é motivo de grande espanto e preocupação a verdadeira corrida para construir uma quantidade enorme e sem precedentes de novas hidreletricas na Amazônia nos próximos anos: em torno de 70 grandes barragens (UHEs) e 177 PCHs, inclusive 11 grandes hidrelétricas somente na bacia do Tapajós/Teles Pires, segundo dados do PNE e do PDE. O peso descomunal nesses planos para a construção de novas hidreletricas na região amazônica reflete, entre outras causas, o fato de que o planejamento do setor elétrico é realizado sem participação democrática – como demonstra a falta de nomeação de representantes da sociedade civil e da universidade brasileira no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), contrariado o Decreto no. 5.793 de 29 de maio de 2006. Alem disso, reflete a proximidade, ou como dizem alguns “relações promíscuas”, entre o setor elétrico do governo (MME/EPE/Eletrobrás) comandado atualmente pelo grupo Sarney, e grandes empreiteiras como Odebrecht, Camargo Correia, Andrade Gutierrez, que, vale lembrar, se classificam entre os primeiros lugares do “ranking” de grandes doadores para campanhas eleitorais, inclusive as dos PT e do PMDB. O resultado desse quadro político-institucional é que decisões no planejamento do setor elétrico são tipicamente orientados mais por uma lógica privada do que critérios de eficiência econômica, justiça social e sustentabilidade ambiental, ou seja, interesses públicos estratégicos, consagrados no arcabouço legal a partir da Constituição Federal de 1988.
2. Senhora Presidente, os processos recentes de planejamento e construção de grandes hidrelétrica na Amazônia (Estreito, Santo Antônio, Jirau, Belo Monte, Tapajós/Teles Pires, etc.) comandados pelo grupo Eletrobrás e grandes empreiteiras, tem se caracterizado como um verdadeiro rolo compressor em cima das populações locais e de seus territórios, violando sistematicamente direitos humanos, individuais e coletivos, e a legislação ambiental. Uma das características desse rolo compressor é a predominância de uma lógica privada entre a Eletrobras e seus sócios privados de sempre buscar a minimização de custos financeiros relacionados à mitigação e compensação dos impactos sociais e ambientais de seus empreendimentos.
3. Assim, uma das falhas crônicas no planejamento de hidrelétricas é a sub-estimação de impactos sociais e ambientais nos estudos de inventário de bacia, de viabilidade e de impacto ambiental, elaborados pelo grupo Eletrobrás e seus parceiros do setor privado. Isso acontece de várias formas, destacando-se:
a) adoção de conceitos de “atingidos” que desconsideram as relações específicas de populações tradicionais com as florestas, várzeas, igapós e rios da Amazônia que envolvem a agricultura, o extrativismo, a pesca artesanal e outras atividades produtivas, assim como o transporte fluvial e outros elementos que fazem parte do universo que garante a sustentação social, econômica e cultural das comunidades. No extremo, chega-se a tornar “invisíveis” grupos inteiros da população (extrativistas, pescadores, barqueiros, garimpeiros, etc.) negando a existência de impactos negativos e riscos associados, inclusive violações de direitos, como forma de reduzir custos. Essa prática é especialmente repugnante no caso de grupos indígenas em isolamento voluntário que vivem nas áreas de avanço desenfreado de hidreletricas como Jirau e Belo Monte.
b) sub-dimensionamento de problemas associados à chegada de milhares de migrantes na busca de empregos nos canteiros de obras, como o agravamento da violência urbana, trafico de drogas e uso de entorpecentes, prostituição infantil e a sobrecarga de serviços públicos em vilarejos e cidades, a exemplo do atual estado de calamidade da saúde pública e do sistema penitenciário em Porto Velho. Conforme demonstrado em casos como Tucurui, um importante impacto ambiental das hidrelétricas, relacionado ao fluxo migratório é o aumento do desmatamento – antes, durante e depois da fase das obras.
c) redução artificial das áreas geográficas impactadas pelas hidrelétricas nos estudos de impacto ambiental (EIA). Para possibilitar isso, desconsidera-se a dinâmica ambiental e social dos territórios (como os peixes migratórios e sua importância para a base econômica e de subsistência das populações ribeirinhas). Alem disso, deixa-se de lado a legislação ambiental, como a Resolução 01/86 do CONAMA, que requer a análise de impactos em nível de bacia hidrográfica, o que simplesmente não aconteceu em casos como as hidreletricas do Madeira e Belo Monte. Essa pratica é facilitada pelo uso indevido nos EIAs de conceitos como “área de influência direta – AID”, “área diretamente afetada – ADA” e “área de influência indireta – AII” que vêm de estudos do setor elétrico e que não fazem parte da legislação ambiental.
d) sub-estimação e negação de impactos sociais e ambientais, e riscos associados, desconsiderando informações científicas, a exemplo das conseqüências do barramento do Rio Xingu no sitio Pimental com o desvio de até 80% do fluxo do rio para um reservatório artificial a partir de um canal de derivação. Nesse caso, o EIA menosprezou os impactos socioambientais num trecho de cerca de 100 km da Volta Grande do Xingu que ficaria quase sem água, peixe e meios de transporte, com elevada probabilidade de provocar a remoção forçada da população indígena das TIs Paquiçamba e Arara, vetada pela Constituição Federal. Outros impactos ambientais tipicamente sub-dimensionados ou mesmo ignorados no planejamento de hidrelétricas incluem, entre outros, ameaças à biodiversidade e emissões de metano, um poderoso gás de efeito estufa que é pelo menos 23 vezes mais potente que o CO2 [1]
e) falta de abordagem nos EIAs de impactos cumulativos com outros empreendimentos, tais como outras hidrelétricas na mesma bacia hidrográfica, linhas de transmissão, hidrovias, rodovias e a expansão associada de fronteiras de produção de commodities agropecuários, florestais e minerais, desconsiderando a Resolução 01/86 do CONAMA.
f) mudanças nos projetos de engenharia e localização de projetos, a exemplo das hidrelétricas do Madeira e Belo Monte, no intuito de baratear custos de construção para os empreendedores, apos a concessão da Licença Prévia e leilão, sem a realização de estudos complementares sobre impactos e riscos socioambientais decorrentes, inclusive em termos de segurança das barragens e reservatórios.
4. Uma outra característica alarmante do planejamento de hidrelétricas na Amazônia tem sido a falta de transparência, de acesso a informação, e de participação informada das populações locais e a ausência de dialogo entre o governo e a sociedade civil. Destacam-se, nesse sentido, as audiências públicas nos processos de licenciamento ambiental de grandes hidrelétricas, que tem demonstrado os seguintes problemas crônicos, em descumprimento da legislação vigente:
a) autorização pelo IBAMA de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) incompletos e distorcidos da realidade como base para a realização de audiências públicas;
b) falta de divulgação adequada dos EIA/RIMA em linguagem acessível, com copias disponibilizadas nas comunidades, em tempo hábil para análise e discussão antes da realização das audiências publicas;
c) um número insuficiente de audiências realizadas em locais nos quais uma parte significativa da população mais ameaçada pelos empreendimentos não tem oportunidade de participar;
d) utilização de um forte aparato policial repressivo nas audiências que acaba inibindo a participação efetiva da sociedade local.
e) resultados das audiências públicas desconsideradas na tomada de decisões sobre a viabilidade ambiental de hidrelétricas, tornando-as apenas ritos burocráticos para legitimar decisões já tomadas sobre empreendimentos mal-planejados.
No que se refere à ausência de dialogo sobre a construção de novas hidrelétricas na Amazônia, existe uma ampla documentação das inúmeras ocasiões em que denúncias, apelos, demandas e preocupações dos povos indígenas e dos movimentos sociais têm sido simplesmente ignorados pelo governo, enquanto convites procedentes de organizações da sociedade civil, de instituições acadêmicas e do Ministério Público para participar em debates públicos são recusados. Alem disso, análises e recomendações de renomados especialistas, que poderiam subsidiar de forma muito significativa os debates sobre o planejamento e licenciamento ambiental de hidrelétricas, são menosprezadas e desconsideradas. [2]
5. Senhora Presidente, um dos exemplos mais graves da falta de transparência e diálogo entre governo e sociedade no planejamento de hidrelétricas refere-se ao descumprimento do artigo 231 da Constituição Federal e da Resolução 169 da OIT, que asseguram aos povos indígenas o direito à consulta e ao consentimento livre, prévio e esclarecido sobre grandes empreendimentos que afetam seus territórios e suas vidas. Ao invés de cumprir com esses preceitos legais, os proponentes de hidrelétricas têm buscado formas de burlá-los. Veja, por exemplo, o caso de Belo Monte, onde já se tentou argumentar que não se aplicaria o inciso 3º do artigo 31 da Constituição Federal, como se o desvio de 80% da água do rio Xingu da Volta Grande, onde localizam-se as TIs Paquiçamba e Arara da Volta Grande, não fosse uma forma de aproveitamento dos recursos hídricos das terras indígenas!
6. Enquanto as populações locais ficam sem acesso a informações confiáveis sobre os potenciais impactos e riscos das grandes hidrelétricas, e sem canais efetivos de consulta e dialogo com o governo, a propaganda oficial do governo nos meios de comunicação dissemina informações distorcidas e enganosas sobre os empreendimentos, caracterizando-se como uma espécie de panacéia para os problemas de desenvolvimento regional, como se, num passe de mágica, os empreendedores fossem capazes de zerar um déficit histórico de políticas públicas na Amazônia.
7. Quando os problemas citados acima na fase de planejamento de hidrelétricas têm sido detectados, a resposta típica do governo não tem sido de corrigir erros, mas intensificar pressões políticas sobre órgãos como a Funai e o Ibama para acelerar a concessão de licenças ambientais. A politicização de processos de licenciamento ambiental tem se caracterizado pela desconsideração de pareceres de equipes técnicas do Ibama e da Funai por seus presidentes, que cometem equívocos na concessão de Licenças Prévias para empreendimentos sem viabilidade ambiental[3], e Licenças de Instalação (inclusive “parciais”, algo inexistente na legislação ambiental brasileira) sem o devido cumprimento de condicionantes da LI.
Nesse sentido, repudiamos veementemente a concessão de uma Licença de Instalação “parcial” para as instalações iniciais do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte em 26/01/11, sem o devido cumprimento de condicionantes da Licença Prévia, por sua vez concedida sob forte pressão política, contrariando pareceres da equipe técnica do Ibama e de outros especialistas. A concessão da LI parcial para Belo Monte foi respaldada em outro ato grave: o envio de um oficio do Presidente da Funai para o IBAMA em 20 de janeiro, dando aval para a concessão de um LI parcial, sem a devida apresentação de qualquer avaliação do órgão sobre o cumprimento das condicionantes da LP, enquanto foi ignorado um parecer da equipe técnica da Funai (Informação no. 22/CGGAM de 14/01/11) com fortes argumentos contra a concessão da LI parcial.
8. Conforme demonstrado no caso de Belo Monte, há graves deficiências nos procedimentos de aprovação da viabilidade econômica de grandes hidrelétricas.[4] Em primeiro lugar, existe o problema já mencionado da sub-estimação dos custos de mitigação e compensação de impactos socioambientais e seus riscos. Na realidade, muitas hidrelétricas nunca seriam consideradas economicamente viáveis se fossem considerados seus verdadeiros custos socioambientais, que são sistematicamente ‘externalizados’. No caso de Belo Monte, têm persistido enormes incertezas sobre os custos de construção do empreendimento (que subiram de 20 para 25 bilhões de reais desde o leilão), que nunca foram resolvidos pelo Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE). Outro problema grave, referente à viabilidade econômica de Belo Monte, é a sua reduzida capacidade de geração de energia (media de 4.420 MW ) em relação a capacidade instalada de 11.233 MW (ou seja, 39%) como reflexo da elevada sazonalidade do rio Xingu, que tende a se agravar no atual cenário de mudanças climáticas. Apesar da identificação de uma série de falhas por sua equipe técnica, com indícios de que o Complexo Belo Monte seria um péssimo negocio para o país, os conselheiros do Tribunal de Contas da União – TCU resolveram aprovar “politicamente” os estudos de viabilidade (EVTE) e impacto ambiental (EIA) do empreendimento, com ressalvas a necessidade de correções em futuros projetos.
Vale lembrar que os fortes indícios da inviabilidade econômica de Belo Monte levaram ao afastamento de grandes investidores privados, na época do leilão. Em resposta, ao invés de rever as contas de Belo Monte e reconsiderar a sua viabilidade econômica, o governo lançou um pacote inédito de incentivos creditícios e fiscais, bancados pelo contribuinte brasileiro, que mesmo assim não conseguiram atrair a grande maioria dos investidores privados. No final das contas, foi criada uma situação bastante confortável para grandes empreiteiras, contratadas sem licitação pública e sem correr riscos como investidores, enquanto os riscos financeiros (inclusive de um mega-empréstimo do BNDES) são repassados para o contribuinte brasileiro e os fundos de pensão como a Petros, Funcef, e Previ.
9. A fase de implantação de grandes hidrelétricas na Amazônia tem sido acompanhada por outros graves problemas recorrentes, em parte relacionados àqueles descritos da fase de planejamento, destacando-se:
a) procedimentos de indenização e reassentamento de atingidos que ignoram as especificidades dos meios de vida das populações amazônicas, conduzidos por empreendedores de forma individualizada e em desconsideração às organizações representativas das populações locais, contribuindo para a desestruturação social, econômica e cultural de famílias e comunidades;
b) vinculação de condicionantes ambientais a programas que compõem um “Plano Básico Ambiental – PBA”, alem do “Plano de Compensação Ambiental – PCA” que se caracterizam pela falta de transparência e participação na sua elaboração e execução, por conteúdos genéricos e sem perfil operacional, e por graves problemas de inadequação para mitigar impactos e riscos sub-dimensionados nas fases do EIA e LP;
c) falta de correlação entre o cronograma de implementação de condicionantes socioambientais e o cronograma da obra (Por exemplo, as primeiras medidas de reconhecimento e proteção de grupos indígenas isolados nas proximidades da UHE Jirau do Rio Madeira só foram tomadas após a hidrelétrica chegar num estágio avançado de construção);
d) falta de monitoramento efetivo de impactos socioambientais dos empreendimentos, e de fiscalização rigorosa do cumprimento de condicionantes das licenças ambientais por parte do IBAMA, que carece de estrutura institucional adequada nos estados.
10. Senhora Presidente, as diversas ilegalidades constatadas nos processos de licenciamento e implantação de grandes hidrelétricas na Amazônia têm provocado o ajuizamento de Ações Civis Públicas por parte do Ministério Público, em cumprimento de sua função de defesa do Estado de Direito e do interesse público. Somente no caso de Belo Monte, já são dez ações ajuizadas pelo Ministério Público Federal no Estado do Pará! Ao invés de reconhecer erros cometidos e buscar corrigi-los, o governo federal, representado pela Advocacia Geral da União (AGU), tem pressionando presidentes do Tribunal Regional Federal (TRF1) a aplicar indevidamente o instrumento de “suspensão de segurança”, com argumentos infundados sobre a iminência de um apagão no setor elétrico, para justificar a derrubada de liminares a favor de ações movidas pelo Ministério Público. O resultado dessa prática tem sido a sanção de violações dos direitos individuais e coletivos de populações ameaçadas por grandes hidreletricas na Amazônia.
11. Como se isso não fosse suficiente, a AGU tem adotado práticas de intimidação de procuradores da República e juizes federais que têm questionado violações de direitos humanos e outras ilegalidades na construção de hidrelétricas, justamente por terem cumprido com seus papeis constitucionais. De forma semelhante, representantes do governo, como o Ministro Edison Lobão, têm adotado práticas de intimidação e até “demonização” de povos indígenas, movimentos sociais e outras entidades sociais que se opõem ao atual rolo compressor de implantação mega-barragens ilegais e destrutivas na Amazônia, lembrando os tempos sombrios da ditadura militar. [5]
Senhora Presidenta, o governo tem afirmado que a construção de uma quantidade sem precedentes de hidreletricas na Amazônia vai garantir uma fonte de energia limpa e barata para que o país continue crescendo em ritmo acelerado, evitando o apagão do setor elétrico e atendendo as necessidades dos consumidores brasileiros, sobretudo dos mais pobres que têm aumentado o seu poder aquisitivo nos últimos anos. Sobre essas afirmações, gostaríamos de dizer o seguinte:
* as grandes hidrelétricas na Amazônia, a exemplo de Belo Monte, não são uma fonte de energia “limpa”. Pelo contrario, trazem em seu rastro a expulsão de populações indígenas, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, pescadores e agricultores familiares de suas casas, malocas, roças, florestas e rios; significam a desestruturação de famílias e comunidades, com rios mortos e florestas devastadas; trazem para nossas cidades o aumento da violência, da prostituição, do trafico de drogas, do desemprego, da fome e da miséria; e para completar, são acompanhadas por intimidações e até ameaças de morte contra defensoras e defensores dos direitos humanos, além da criminalização de movimentos sociais. Como esses projetos de morte podem ser chamados de “limpos”?
* o preço da energia das grandes hidrelétricas na Amazônia não considera seus verdadeiros custos em termos de impactos sociais e ambientais, inclusive violações de direitos humanos, que nunca são contabilizados; além disso, reflete generosos subsídios de crédito e incentivos fiscais que beneficiam a indústria das barragens, que são pagos pelo contribuinte;
* grande parte da energia de novas hidrelétricas previstas na Amazônia seria destinada a grandes indústrias eletro-intensivas que exportam alumínio e minério de ferro com baixo valor agregado, gerando pouquíssimos empregos na região, e não para atender as populações mais pobres, como afirma o discurso oficial do governo.
* A obsessão do governo em construir uma enorme quantidade de hidrelétricas na Amazônia prejudica o aproveitamento de oportunidades para colocar em prática uma política energética e estratégias de desenvolvimento voltados para os desafios do século 21, pautadas na eficiência energética, diversificação da matriz energética, inovação tecnológica e ampliação de escala de fontes verdadeiramente limpas, como eólica e solar.
Conclusões e propostas de encaminhamento
Senhora Presidente, as experiências relatadas nesta carta, referendadas nas conclusões da Comissão Especial “Atingidos por Barragens” do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), revelam um quadro extremamente grave, incompatível com compromissos assumidos em seu discurso de posse, que requer soluções efetivas, urgentes e duradouras. Nesse sentido, apresentamos para a apreciação de Vossa Excelência as seguintes propostas de encaminhamento:
1. Democratizar o planejamento energético, tornando-o transparente e participativo, com a efetivação de espaços de debate e dialogo entre governo e sociedade na tomada de decisões, facilitando a participação de movimentos sociais, ONGs e comunidade acadêmica. Um passo nessa direção deve ser a nomeação dos representantes da sociedade civil e da universidade brasileira no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), conforme o Decreto no. 5.793 de 29 de maio de 2006, em consulta com suas redes representativas;
2. Garantir a adoção de uma perspectiva ampla de planejamento da matriz elétrica, implantando metodologias de avaliação de impactos que captem e internalizem os custos socioambientais hoje externalizados, com parâmetros de análise do custo-benefício social, econômica e ambiental que permitam a identificação de alternativas com maior benefício social e econômico e menor custo social e ambiental. Assim, as orientações estratégicas de uma política energética brasileira no século 21 devem incluir, entre outras:
a) prioridade para maximizar a eficiência energética nos sistemas de geração (inclusive no aumento da potência de hidrelétricas), transmissão e consumo (industrial, comercial, residencial); Vale lembrar que só o desperdício de energia nos sistemas de transmissão no Brasil, de cerca de 20 gigawatts, é equivalente a cinco usinas de Belo Monte!
b) apoio ao desenvolvimento tecnológico e ampliação de escala de fontes alternativas renováveis: solar, eólica e biomassa;
c) garantia do pleno respeito dos direitos humanos, inclusive os direitos de povos indígenas e outras populações tradicionais a seus territórios, e o reconhecimento da dinâmica dos sistemas ecológicos, no planejamento dos empreendimentos;
d) plena articulação da política energética, inclusive o Plano Nacional de Energia (PNE) com outras políticas públicas estratégicas, referentes à gestão de bacias hidrográficas, áreas protegidas, desenvolvimento territorial, conservação da biodiversidade, mudanças climáticas e direitos das populações tradicionais.
3. Implementar, em regime de urgência, as recomendações da Comissão Especial “Atingidos por Barragens” do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) nas seguintes direções de ação, tanto na Amazônia como em outras regiões do pais:
a) Imediata suspensão de situações, processos e ações, de responsabilidade direta ou indireta de agentes públicos ou privados, que configurem violação de direitos humanos;
b) Reparação e compensação de violações de direitos humanos constatadas, de modo a resgatar, ainda que progressivamente, a dívida social e ambiental acumulada ao longo das últimas décadas;
c) Prevenção de novas violações no futuro, através de políticas, programas e instrumentos legais que assegurem o pleno gozo dos direitos por parte das populações, grupos sociais, comunidades, famílias e indivíduos atingidos por barragens.
4. Garantir o pleno respeito aos direitos humanos e à legislação ambiental nos processos de planejamento e licenciamento de planejamento de hidrelétricas, inclusive o direito das populações indígenas à consulta livre, previa e informada, conforme o artigo 231 da Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT;
5. Cancelar definitivamente o Complexo Belo Monte, considerando a comprovada inviabilidade social, ambiental e econômica do empreendimento, com a imediata suspensão das licenças ambientais (LP, LI parcial) concedidas ilegalmente pelo Presidente IBAMA, com o aval infundado do Presidente da Funai, num contexto de forte pressão política. Estas medidas precisam ser tomadas com a máxima urgência, considerando os riscos de uma situação social explosiva com o inicio iminente das obras, e outras conseqüências ecológicas, sociais, culturais e econômicas nefastas e irreversíveis.
Caso o governo insista em continuar atropelando as leis para enfiar Belo Monte goela abaixo dos povos indígenas, agricultores, ribeirinhos e demais outros grupos sociais do campo e da cidade,[6] reafirmamos que vamos continuar enfrentando este projeto de morte com todas as nossas forças. Temos a lei do nosso lado, e cresce de maneira vertiginosa o apoio de milhares de brasileiros e cidadãos conscientes do mundo todo à nossa causa. E responsabilizamos desde já o Governo Brasileiro por qualquer gota de sangue que venha a ser derramada nesta luta.
6. Revisar conceitos, metodologias, e instrumentos de orientação do planejamento de novas barragens (UHEs, PCHs), com vistas à superação das deficiências identificadas nesta carta, com atenção especial para conceitos de atingidos, ferramentas de análise de impactos socioambientais, análise comparativa de alternativas, transparência e participação social.
7. Viabilizar, de forma transparente e participativa, a definição e implementação pelo BNDES e outros bancos públicos de um conjunto de orientações estratégicas para investimentos no setor elétrico, associado a uma nova política de salvaguardas socioambientais pautada no pleno respeito à legislação sobre direitos humanos e o meio ambiente.
8. Orientar a AGU a cessar imediatamente práticas que visem unicamente acelerar o licenciamento de grandes hidrelétricas, garantindo o pleno reconhecimento da legislação brasileira e dos acordos internacionais sobre os direitos humanos e a proteção do meio ambiente, e das atribuições legais do Ministério Público Federal e do judiciário (varas federais, TRF1).
9. Determinar ao grupo Eletrobras que, na sua atuação institucional, inclusive como membro de consórcios e Sociedades de Propósito Específico (SPE), não permita, em qualquer hipótese, práticas de intimidação e coerção de lideranças e outros membros de comunidades e movimentos sociais, no intuito de conseguir o aval para empreendimentos hidroelétricos.
10. Viabilizar sistemas independentes de monitoramento de impactos sociais e ambientais das hidrelétricas e de outras grandes obras de infra-estrutura, custeados pelos empreendedores, que dêem às populações locais condições de fiscalizar, com autonomia, o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelos empreendedores nas diferentes fases do licenciamento das obras (LP, LI, LO);
11. Promover medidas necessárias de fortalecimento da capacidade institucional do Ibama, inclusive seus escritórios regionais, para cumprir com suas obrigações legais de fiscalizar efetivamente as condicionantes de licenças ambientais de hidrelétricas e outros grandes empreendimentos;
12. Garantir o apoio efetivo para iniciativas participativas de desenvolvimento local e regional na Amazônia, voltadas para assegurar a qualidade de vida dos povos indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores, quilombolas e outros grupos do campo e da cidade, com geração de emprego e renda, respeitando a diversidade cultural e ambiental.
Senhora Presidente, agradecemos a atenção e ficamos no aguardo de um retorno de Vossa Excelência com a brevidade possível, para que possamos avançar juntos na discussão e implementação das propostas de encaminhamento aqui apresentadas, inclusive aquelas que se referem a assuntos de urgência máxima.
Cordialmente,
Aliança dos Rios da Amazônia
Movimento Xingu Vivo para Sempre – MXVPS
Aliança Tapajós Vivo
Movimento Teles Pires Vivo
Campanha Viva o Rio Madeira Vivo
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB (a confirmar)
Contatos:
Antônia Melo Silva
Coordenadora, Movimento Xingu Vivo para Sempre – MXVPS
Correio eletrônico:
Tel: (93) 3515-2927. 9135-1505
Enoy Njoura Sena
Aliança Tapajós Vivo
Correio eletrônico: enoysena@yahoo.com.br
Tel: (93) 9122-6398
Nilfo Wandscheer
Presidente, STR Lucas do Rio Verde
Movimento Tapajós Livre
Correio eletrônico: nilfo@gmail.com
Tel: (65) 9995-7668
Jorge Gustavo Neves Pedrosa
Instituto Madeira Vivo
Correio eletrônico: imvivo2008@gmail.com
Tel: (69) 8423-7671
http://www.riomadeiravivo.org/
Marcos Apurinã – Coordenador
Sonia Guajajara – Vice –Coordenadora
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
Correio eletrônico:
Tel: (92) 3621-7501
Comunidades e entidades parceiras e de apoio que endossam esta carta:
Aldeia Paquiçamba
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Associação dos Povos Indígenas Juruna do Xingu km 17 – APIJUX KM 17
Associação do Povo Indígena Arara do Maia – ARIAM
Associação Indígena Tembé de Santa Maria do Para – AITESAMPA
Associação dos Agricultores da Volta Grande do Xingu
Associação dos Agricultores Ribeirinhos do Arroz Cru
Associação dos Agricultores Ribeirinhos do PDS Itatá
Associação dos Agricultores Familiares do Canoé e Cutião
Associação dos Pequenos Agricultores da Gleba Paquiçamba
Associação dos Pequenos Produtores, Extrativistas e Pescadores da Região do Arroz Cru
Associação dos Produtores Orgânicos da Volta Grande do Xingu
Associação Radio Comunitária de Altamira
Associação Brasileira de Ongs – Regional Amazônia (ABONG/Regional Amazônia) Associação AARPI
Colônia de Pescadores de Porto de Moz Z-64
Comissão de Justiça e Paz – CJP
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Comité de Desenvolvimento Sustentável de Porto Moz
Comitê em Defesa da Vida das Crianças Altamirenses
Comitê Independente por Justiça Ambiental/RJ
Comitê Metropolitano Xingu Vivo (CMXV) – Belém – PA
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Elo, Ligação e Organização
Fórum da Amazônia Oriental – Rede FAOR
Frente em Defesa da Amazônia, Santarém
Fundação Tocaia, Altamira, Pará
Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte, UFMT
Instituto Indígena Maiwu de Estudos e Pesquisa de MT
Instituto Socioambiental – ISA
Instituto Humanitas de Belém, Pará
Instituto de Transformance: Cultura e Educação
Instituto Amazônia Solidária e Sustentável-IAMAS
Instituto Caracol
International Rivers
Jornal A Verdade
Moradores da Comunidade Belo Monte
Movimento de Mulheres Campo e Cidade – PA
Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade
Movimento de Mulheres Trabalhadores de Placas
Movimento Negro Altamira e Região
Movimento das Mulheres Campo e Cidade – Transamazônica e Xingu
Movimento Luta de Classes – MLC
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)
MPA/Via Campesina
Paraense de Apoio às Comunidades Carentes – APACC
Partido Comunista Revolucionário – PCR
PJR/Via Campesina
Prelazia do Xingu
Rádio Rural de Santarém, Pa.
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Rede Brasileira de Arteducadores
SOCALIFRA
Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos (SDDH)
SOS Vida
Sindicato de Trabalhadores e Trabaalhadoras Rurais de Porto de Moz
Sindicato dos Trabalhadores da Limpeza Urbana do Pará – Sindilimp/PA
SINTEPP Regional
Terra de Direitos
União da Juventude Organizada do Xingu – UJOX
União da Juventude Rebelião – UJR
União dos Estudantes Secundaristas de Belém – UESB
[1] Sobre as emissões de gases de efeito estufa por barragens hidrelétricas e suas implicações para o alcance das metas de redução de emissões da Política Nacional de Mudanças Climáticas, veja a extensa literatura científica produzida sobre o tema pelo Dr. Philip Fearnside do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, disponível em: http://philip.inpa.gov.br/ veja também: http://www.conservation.org.br/publicacoes/index.php?t=5
[2] Veja o caso do relatório “Painel de Especialistas: Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte” que foi desconsiderado pelo IBAMA na fase de análise do EIA de Belo Monte, apesar de sua apresentação formal ao órgão licenciador – disponível em: http://www.xinguvivo.org.br/wp-content/uploads/2010/10/Belo_Monte_Painel_especialistas_EIA.pdf
[3] Nesses casos, existe um processo de transformação de condicionantes que deveriam ter um caráter de mitigação e compensação de impactos devidamente estudados, em medidas genéricas de monitoramento e acompanhamento.
[4] Veja: ‘Mega-projeto, Mega-riscos: Análise de Riscos para Investidores no Complexo Hidrelétrico Belo Monte’, Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e International Rivers,, janeiro de 2011, disponível em: http://www.amazonia.org.br/arquivos/374461.pdf
[6] Veja: “Carta Aberta: Belo Monte e a Palavra do Presidente”, http://www.xinguvivo.org.br/2010/10/11/belo-monte-e-a-palavra-do-presidente/
(Blog Telma Monteiro, EcoDebate, 08/02/2011)