A ideia de programar uma manifestação popular contra a UHE Belo Monte, no rio Xingu, nasceu em discussões sobre o tema no Twitter e ganhou forma a partir de 27/2, quando foi agendada para 4/2.
Desde o início foi programada para ser realizada nas agências/postos do BNDES, com o claro objetivo de ‘passar a mensagem’ de que se a obra era inaceitável, o financiamento público também era. Ao longo da semana, a programação da manifestação publica do movimento popular (no jargão do Twitter #BeloMonteNAO #PareBeloMonte) foi se espalhando.
O movimento, desde o seu primeiro momento, foi popular e espontâneo, sem uma coordenação centralizada, sem um comando, no sentido clássico, de movimento organizado a partir de alguma organização da sociedade civil. E de fato, ao longo da semana, recebeu, na melhor hipótese, um tímido e constrangido apoio das grandes Ong’s ambientais e até mesmo das organizações que tradicionalmente coordenavam a resistência à mais esta obra do desenvolvimentismo a qualquer custo. Na maioria dos casos, este tímido e constrangido apoio só se manifestou no dia anterior às manifestações.
No dia 4/2, pelo menos no Rio de Janeiro, o BNDES levou a sério as manifestações, amanhecendo com seus acessos fechados e com segurança reforçada.
Mas, em termos práticos e reais, a manifestação talvez tenha mobilizado pouco mais de 100 militantes nas capitais, sendo quase 50 no Rio de Janeiro.
No Rio de Janeiro, a capacidade de organização e articulação do Greenpeace mais uma vez se confirmou, com a participação de uns 20 ativistas. O PV e outras organizações também participaram com uns outros 10 ativistas. Os demais eram militantes de si mesmos. Em Fortaleza, com uns 20 participantes, boa parte da articulação deve ser creditada ao PSOL. Em São Paulo, eram exatamente 9 manifestantes, do início ao fim. Em outras capitais, as participações foram ainda menores e isoladas.
As manifestações efetivamente aconteceram, mas todos os participantes terminaram com um gosto amargo na boca.
O que deu errado? Por que a participação foi tão pequena? Poderia ter sido diferente?
A primeira conclusão evidente é que a participação foi consequência do formato da organização – popular e espontâneo. Ou se preferirem, o número de participantes foi proporcional ao apoio tímido e constrangido das grandes Ong’s.
Em termos pirotécnicos e midiáticos foram, evidentemente, um fiasco. Mas, em termos de cidadania ativa, foram um sucesso, se considerarmos que os manifestantes eram, essencialmente, militantes de si mesmos, ativistas de suas próprias consciências.
A segunda conclusão é que a confiança no ciberativismo é equivocada e se mostrou mais do que insuficiente. Erraram as organizações que praticamente só se dedicaram a divulgar e incentivar a participação popular nas petições contra Belo Monte. A revolução ao alcance de um clique de mouse mostrou-se cômoda e paralisante, porque a todos parecia suficiente.
A terceira conclusão nada mais é do que a confirmação de uma fato histórico: as organizações sociais e os movimentos populares não sabem se articular, não conseguem somar forças e, muito menos, coordenar agendas e ações. Cada um cuidando de seu nicho e ninguém trabalhando pelo todo. E, acima de tudo,não suportam demandas espontâneas, que não estejam sob seu estrito controle e coordenação.
Todos nós, na medida de nossas possibilidades , fizemos o que estava ao nosso alcance. Não foi pouco diante dos limites e dificuldades.
Mas ficam algumas lições sobre as quais devemos refletir. A primeira é sobre o mitológico protagonismo das grandes Ong’s. É real? É o que precisamos? Até que ponto isto tornou-se uma espécie de messianismo, que acomoda nossas consciências?
A segunda é a associação de manifestações aos efeitos pirotécnicos e midiáticos. Por que uma manifestação de ‘sucesso’ precisa de uma organização rígida, com rigoroso planejamento e execução quase militar. Tudo para o máximo efeito midiático e, se possível, ótimas imagens. É o que precisamos? É eficaz? Tem resultados reais?
Precisamos também discutir a ‘especialização’ socioambiental das Ong’s, que só atuam em determinados segmentos e não somam forças com outras Ong’s e ao ativismo de consciência. Na feliz expressão do companheiro Paulo Piramba, por que desmatamento na floresta dos outros é refresco?
Este modelo de atuação já havia mostrado sua incapacidade de articulação na transposição do rio São Francisco, nas usinas no Rio Madeira, nas usinas no rio Uruguai e por aí vai. É completamente sem sentido porque a crise socioambiental afeta a todos e, em especial, é uma ameaça ao nosso futuro comum.
Pode até ser ótimo para vender bonés, camisetas, canecas, canetas, mochilas e indulgências, mas, de fato, não atende ao interesse comum.
Pessoalmente acho que ficam duas questões ainda pendentes de reflexão: se não compreendermos melhor o que fazer e como fazer para que nossa cidadania seja realmente ativa enfrentaremos imensos danos socioambientais e, desde já, precisamos ensaiar quais serão nossas desculpas para as gerações que virão, porque eles ‘herdarão’ as consequências da nossas ações e omissões atuais.
Nossos compromissos, independentemente de qualquer forma de organização pela qual militamos, deve ser pessoal. Cada um de nós, ao seu modo, deve ser um ativista e militante de sua própria consciência e a ela responder pelas ações e omissões.
Por fim, acho que o sentimento que nos move foi generosamente descrito por Beatriz Pires Gomes, em seu perfil no Facebook:
Seres humanos fantásticos, que doam parte do seu tempo para defesa das florestas, comunidades indígenas e ribeirinhas, sempre olvidadas e desfavorecidas. Um dia essa história muda. E será EM BREVE!
Henrique, o mundo está mudando, para melhor! A humanidade sempre precisou de pessoas a frente de seu tempo, para evoluir. Sou eu quem agradece esse verdadeiro ato de desprendimento e comprometimento com o social. Que venham mais seres humanos… fantásticos como vocês!
Chegará um dia em que todos serão muito gratos pelos que lutaram pelo desenvolvimento com sustentabilidade e inclusão social e econômica. Não tem mais volta. Não há como manter a mesma mentalidade dos séculos passados. Com o decorrer do tempo…
(Por Henrique Cortez, EcoDebate, 07/02/2011)