Em 2011, o Parque Indígena do Xingu está fazendo 50 anos. Algo profundo mudou na minha percepção de mundo enquanto conhecia o parque e sua história durante a produção do filme “Xingu”.
Sem dúvida, é um dos maiores patrimônios do Brasil -e nós, brasileiros, não temos a menor ideia do que ele representa e do que está protegido ali. Criado em 1961, é a primeira reserva de grandes proporções no Brasil.
Abriga povos de cultura riquíssima e filosofia milenar, que vivem em equilíbrio, preservando seu modo de vida, sua dignidade, sua cultura e vasta sabedoria, assimilando só o que vale a pena do “mundo de fora”, sempre em sintonia com a natureza exuberante. Um verdadeiro santuário social, ambiental e histórico no coração do Brasil.
Mas não estamos falando só de preservação do passado e da natureza. O que está sendo protegido ali é o futuro. Não o futuro visto com os óculos velhos, sujos e antiquados que enxergam o progresso da mesma maneira como enxergavam nossos bisavós na Revolução Industrial, mas o futuro do século 21.
Esse talvez seja o maior patrimônio do Brasil hoje. Mais valioso que todo o petróleo, soja, carne, ferro que tiramos do nosso solo, ou todo automóvel, motocicleta, geladeira que fabricamos.
O que está protegido ali é um novo paradigma de como o ser humano pode e deve viver. Não estou dizendo que precisamos morar em ocas, dormir em redes, tomar banho no rio e andar nus. Falo de algo mais profundo.
Algo novo para nós, ditos civilizados, que nascemos e fomos criados como os donos do planeta. Arrogantes e prepotentes, nos transformamos no maior agente destruidor do nosso próprio habitat.
Um exército furioso de destruição. Um vírus que se multiplica e ataca, transformando e destruindo tudo o que encontra em seu caminho na presunção de que estamos construindo um mundo melhor, mais seguro, mais confortável, mais rentável. No Xingu, progresso tem outro significado.
No Xingu, homens e mulheres não vivem como donos do mundo, não foram criados com essa arrogância. Vivem como parte da cadeia de vida do planeta, e essa cadeia é interligada e interdependente. O “progresso” e o bem-estar dos homens está ligado ao equilíbrio dessa cadeia. Para os índios, homem e natureza evoluem juntos.
Golpe baixo.
Mas a megausina de Belo Monte quer represar o rio Xingu. O rio que é a alma e a base da vida das comunidades indígenas da região.
Um golpe baixo, em nome do progresso. Progresso com os velhos parâmetros dos séculos 19 e 20, que tem levado o mundo ao colapso social e ambiental.
É isso que queremos?
Se nossos dirigentes e a sociedade como um todo se interessassem em entender a filosofia, a cultura e a inteligência dos povos indígenas, abortariam qualquer projeto que os ameaçasse. E poderíamos inaugurar novo paradigma de progresso.
O progresso do equilíbrio. Seríamos a vanguarda mundial do século 21. Essa é a demanda. Essa é nossa chance. Sejamos corajosos, ousados, visionários. Como foram os que lutaram pela criação do Parque do Xingu há 50 anos.
(Folha de S.Paulo, EcoDebate, 07/02/2011)
CARLOS IMPÉRIO HAMBURGER, 48, é diretor de cinema e televisão. Atualmente finaliza o filme “Xingu”, sobre a criação do Parque Indígena do Xingu.