Em pleno auge, a indústria turística mexicana que se estende ao longo da Riviera Maia e de Cancún contamina o maior sistema de grutas submarinas do mundo e causa impacto no arrecife coralino localizado nas proximidades, afirma um novo estudo. Produtos farmacêuticos, resíduos de cocaína, xampu, creme dental, pesticidas e lixo químico que deslizam das estradas foram encontrados no imenso emaranhado de rios e aquíferos subterrâneos do sul da cidade turística de Cancún, localizada na costa caribenha do Estado de Quintana Roo.
“Há poucas dúvidas quanto aos poluentes que encontramos terem origem nas atividades humanas ao longo da região costeira”, disse Chris Metcalfe, pesquisador do Instituto para a Água, o Meio Ambiente e a Saúde, da Universidade das Nações Unidas. A revista britânica Environmental Pollution publica hoje o estudo deste instituto chamado “Contaminants in the coastal karst aquifer system along the Caribbean coast of the Yucatan Peninsula” (Contaminantes no sistema aquífero das cavernas submarinas ao longo da costa caribenha da península de Yucatán).
Latrinas, fossas sépticas, vazamentos nos encanamentos do esgoto e campos de golfe são as fontes mais prováveis dos produtos que prejudicam as águas subterrâneas, disse Chris ao Terramérica. Estas correntes transportam boa parte desses resíduos para a zona costeira e a barreira de coral mesoamericana, a segunda maior do mundo. A contaminação terrestre é apenas um dos impactos sobre os arrecifes costeiros, acrescentou. A pesca acima dos limites estabelecidos, doenças e a mudança climática também contribuíram para a perda de até 50% dos corais desde 1990.
“Sem se dedicar seriamente a impedir a contaminação da água subterrânea, o desenvolvimento turístico matará a galinha dos ovos de ouro”, ressaltou Chris. É possível que isso já esteja ocorrendo. Alguns mergulhadores observaram uma redução nos arrecifes da região, disse ao Terramérica o especialista David Placencia, coordenador do Programa de Monitoramento de Arrecifes do Centro Ecológico Akumal (CEA), uma organização não governamental desta localidade, que fica cem quilômetros ao sul de Cancún. Os mergulhadores entendem que os arrecifes não vão se regenerar, acrescentou.
Pesquisas do CEA concluíram que uma espécie construtora de arrecifes, a Montastraea annularis, diminuiu drasticamente. Há 12 anos, representava 45% dos arrecifes localizados em torno de Akumal, mas no ano passado caiu para menos de 9%, afirma. Os nutrientes e contaminantes derivados do esgoto promoveram o crescimento de algas que asfixiam os corais, explicou David. Na área não há tratamento de esgoto, que vai diretamente para os lençois freáticos. “Definitivamente, houve uma grande mudança nos arrecifes daqui”, acrescentou.
O Estado de Quintana Roo é único porque não possui cursos fluviais na superfície, já que a região é formada por pedra calcária muito porosa. Sob a mesma corre a maior rede mundial de rios deste tipo, além de aquíferos e poços naturais chamados cenotes. Boa parte desta água doce flui pela costa para o Mar do Caribe. É provável que todos estes problemas piorem caso se concretize o prognóstico de excepcional aumento da população mundial, segundo o estudo de Chris e seus colegas.
Quando foi criado o Estado de Quintana Roo, na década de 1970, a região era pura selva e mangues costeiros, com algumas pequenas aldeias maias. Na época, a cidade de Cancún estava desabitada, e agora nela residem cerca de 700 mil pessoas, chegam entre dois e três milhões de visitantes por ano, e o desenvolvimento turístico da região já se estende por 130 quilômetros para o Sul, até Tulum. O estudo de Chris colheu amostras de água subterrânea em cinco pontos entre Playa del Carmen e Tulum, longe dos maiores empreendimentos turísticos.
“Os níveis de contaminantes encontrados estão abaixo do nível que constitui perigo para a saúde humana”, explicou. Um dos motivos para isso é o grande volume e o rápido fluxo das águas subterrâneas. Entretanto, como a maior parte da água vai para a região costeira e arrecifes, estas baixas concentrações de contaminantes se acumulam nessa área, explicou o pesquisador. Ao buscar resíduos de cafeína, metabolitos de nicotina e ingredientes de produtos de higiene pessoal, o estudo demonstra que os dejetos de origem humana penetram no fornecimento hídrico subterrâneo da região.
Um local de testes próximo de um pequeno campo de golfe continha pesticidas e herbicidas utilizados no tratamento da grama, afirmou Chris. Também foram encontrados produtos derivados do petróleo, cuja fonte provavelmente seja a principal estrada da região, junto com outras estradas e estacionamentos de veículos, acrescentou. “Estas conclusões destacam claramente a necessidade de contar com sistemas de controle que determinem com exatidão de onde vêm esses contaminantes de aquíferos”, destacou.
“Este estudo é sólido”, assegurou Brigitta van Tussenbroek, do Instituto de Ciências do Mar e Limnologia da Universidade Nacional Autônoma do México. Sua própria pesquisa detectou grandes concentrações de nitrogênio e fósforo procedentes de esgoto na laguna de arrecife de Puerto Morelos e no sistema lacustre de Nichupté, em Cancún. Brigitta disse ao Terramérica que aprova as recomendações contidas no informe de Chris sobre a necessidade de construir uma infraestrutura adequada para o tratamento de esgotos e acabar com a injeção de dejetos tratados em água salgada debaixo do aquífero de água doce.
Sob os campos de golfe e de outras áreas com gramas deveriam ser instalados revestimentos impermeáveis para evitar os vazamentos de substâncias contaminantes, bem como canais de drenagem impermeabilizados e revestidos, tanques de retenção e sistemas para tratar o lixo, acrescentou. “Estes revestimentos são necessários especialmente sob os locais de lançamento de lixo doméstico”, disse Brigitta. Chris, por seu lado, afirmou que é difícil avaliar os controles ambientais ou do governo local, porque há poucos dados disponíveis. Tampouco está claro até que ponto são aplicadas as leis existentes.
O turismo é fundamental em Quintana Roo, onde leis e regulamentos são ignorados em favor de novos projetos, denunciou David. Embora seja ilegal destruir mangues costeiros devido ao seu papel fundamental na manutenção da saúde dos arrecifes, isto ocorre com muita frequência. Sem bons mapas de ecossistemas que identifiquem onde estão os mangues, os construtores passam com suas máquinas por cima e depois argumentam que a vegetação nunca existiu, afirmou. “E, se são acusados de crimes ambientais, simplesmente pagam a multa e continuam construindo”, acrescentou David.
(Por Stephen Leahy, IPS, Envolverde, 07/02/2011)