Enfrentar congestionamentos já faz parte do cotidiano de 66,6% dos brasileiros. É o que revela o estudo do Ipea. Os moradores da região Norte do Brasil alegaram sofrer mais com engarrafamentos do que a média nacional: 76,3% enfrentaram trânsito carregado, seja mais de uma vez ao dia ou apenas uma vez por mês. Sudeste e Sul também superam a média do País, com respectivamente 69,1% e 67,3% de pessoas reclamando de congestionamentos. Abaixo da média estão o Centro-Oeste e o Nordeste, regiões nas quais 61,5% e 59,4% dos ouvidos na amostragem afirmaram enfrentar engarrafamentos.
Longas esperas nos pontos de ônibus, conduções lotadas, pouca ou nenhuma interligação entre meios de transporte, custo elevado e baixo conforto são reclamações constantes entre os usuários de transporte público no Brasil. O estudo do Ipea comprova esta percepção ao mostrar que 70% dos brasileiros qualificam o transporte público como regular, ruim e muito ruim. A falta de interligação de transportes afeta um a cada quatro brasileiros. A maioria da população conta apenas com a interligação ônibus-ônibus (33,2%). Só 6% dos brasileiros pode combinar em sua cidade ônibus-trem ou ônibus-metrô.
A baixa qualidade do sistema público, aliada à melhora de renda da população, resultou no crescimento galopante na frota de veículos particulares. Entre 2000 e 2010, a frota de automóveis cresceu 83,5%, passando de 20 milhões para 36,7 milhões. Mais barata e, portanto acessível a mais brasileiros, a frota nacional de motocicletas cresceu 284,4% nos últimos dez anos. No Norte e no Nordeste, a aquisição de motos aumentou mais de 400% no mesmo período. “A moto tem sido a alternativa encontrada pela população de menor renda frente aos avanços reduzidos do transporte público”, avalia Pochmann.
Na região Sudeste observa-se o maior percentual de utilização do transporte público: 50,7%. O menor está no Nordeste: 37,5%. Carro é o segundo meio de transporte mais usado nas regiões Sul (31,7%), Sudeste (25,6%) e Centro-Oeste (36,5%). No Nordeste, o segundo lugar fica com as motocicletas (19,4%) e no Norte, com as bicicletas (17,9%).
Os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) que mostram o crescimento dos gastos com transporte são explicados pela compra de veículos. Se em 2000, o brasileiro destinava em média R$ 146,60 para comprar carros ou motos, em 2010, ele investiu R$ 181,70 ao mês. Despesas com passagens e combustíveis avançaram menos de R$ 2,00 nos últimos dez anos, descontada a inflação. “O estudo revela que os avanços econômicos desta década foram convergentes com as decisões de transporte individuais. O transporte coletivo cresceu bem menos que a aquisição de veículos”, diz Pochmann.
Diferentemente dos países desenvolvidos que privilegiam os meios de transporte sobre trilhos, no Brasil 88,8% dos usuários de transporte público dependem do ônibus, o que equivale a um universo de mais de 170 milhões de pessoas. A Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 vão favorecer algumas cidades brasileiras, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, com a inauguração de novos trechos e linhas de trem e metrô. Mas na avaliação de Pochmann isto não será suficiente para melhorar de forma consistente o transporte público no Brasil. “É preciso olhar o Brasil como um todo. Temos grandes diferenças regionais, especialmente nas regiões Norte e Nordeste”.
Sob algumas condições, 71% dos brasileiros aceitariam deixar o carro ou a moto na garagem e utilizar transporte público. A maioria, 20,8%, usaria o transporte coletivo se fosse mais rápido. Outros 15,7% o fariam se tivesse ônibus, metrô ou trem disponível. Se fosse mais barato é a condição para 9,2% dos brasileiros repensarem sua escolha pelo transporte individual. “A população mostra-se interessada em usar o transporte público. Opta pelo transporte individual pela falta de qualidade do público. No curto prazo, a ênfase no transporte individual pode ser menos onerosa ao poder público. Mas no longo prazo representa um custo elevado, inclusive de qualidade de vida e produtividade”, conclui o presidente do Ipea, que defende a elaboração de uma política nacional de transporte coletivo, cujo foco seja trem, metrô e VLT (veículo leve sobre trilhos), na qual o governo federal ajude os estados e municípios em investimentos e planejamento.
Aumenta a proporção de carros no País
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apresentou na semana passada a pesquisa Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) sobre mobilidade urbana. O estudo, que ouviu 2.770 pessoas em todos os estados do País, revela que 44,3% da população brasileira têm no transporte público seu principal meio de deslocamento nas cidades. Na região Sudeste, o percentual atinge 50,7%. Apesar da importância desse tipo de transporte, a quantidade de ônibus em circulação no Brasil cresceu menos, de 2000 a 2010, do que a quantidade de veículos particulares. Atualmente, há um ônibus para cada 427 habitantes do País, e, em 2000 era um para cada 649 pessoas. Em relação aos carros, a proporção hoje é de um automóvel para cada 5,2 habitantes, enquanto há dez anos era de 8,5.
Apresentada pelo presidente do Ipea, Marcio Pochmann, a pesquisa revela também os contrastes na escolha dos tipos de transporte de cada região brasileira. A metade das pessoas que andam de ônibus no País estão na região Sudeste, enquanto 45,5% daqueles que utilizam bicicleta moram na região Nordeste. Da mesma forma, 43,4% dos utilizadores de motocicleta também são habitantes do Nordeste.
Pochmann explica, a partir da leitura dos dados da pesquisa, que “houve uma mudança de ponto de vista da composição da frota. Em 2000, os automóveis eram 62,7% do total de veículos no Brasil. As motos eram 13,3%. Agora, em 2010, os automóveis são 57,5%, contra 25,2% das motos. Para cada ônibus novo surgido e colocado em circulação nos últimos dez anos, apareceram 52 automóveis”, afirma o presidente do Ipea.
Um dos dados citados na apresentação do estudo, retirado da Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE, é o de crescimento dos gastos com transporte. Em 2000, esse tipo de serviço abocanhava 18,7% das despesas de consumo do cidadão, em média. Em 2010, chegou a 20,1%, enquanto o custo da alimentação caiu de 21,1% para 20,2% no mesmo período. Maior que essas despesas só o gasto com habitação: subiu de 36,1% em 2002/2003 para 36,8% em 2008/2009. “Ações que possam reduzir o peso do custo do transporte representariam um ganho de renda para as famílias, especialmente para as famílias mais pobres. Portanto, um adicional enfrentamento da pobreza e da desigualdade do País”, disse Pochmann. Para ele, a expansão da frota brasileira na última década se deu especialmente por meio de motos e automóveis. “Houve crescimento no transporte coletivo, mas não na mesma proporção. A população tem interesse em usar o transporte público, mas ainda precisa identificá-lo mais com características de rapidez, melhor preço e segurança. Há espaço para ação em matéria de políticas públicas”, disse.
Brasileiro critica a demora e impontualidade do serviço
A rapidez é o fator que mais influencia o usuário na escolha de seu meio de transporte, segundo afirmação de 32,7% dos entrevistados; seguido do preço (14,8%), do conhecimento do usuário do tipo de transporte (10,5%), da facilidade de utilização (8,3%) e do horário adequado à necessidade do usuário (5,7%).
A pontualidade também é um outro ponto decisivo na questão da escolha do meio de transporte. Para 41,5% dos brasileiros, sempre há atraso na frequência dos transportes públicos. A soma desse porcentual com o índice dos que responderam que na maioria das vezes ocorrem atrasos (28,8%) mostra que 70,3% da população percebem falta pontualidade na frequência dos transporte públicos.
“A pesquisa demonstra que há espaço para a construção de políticas para a redução do custo do transporte nas despesas familiares. O transporte representa hoje a segunda despesa mais alta no orçamento das famílias. Ações que possam reduzir o peso do custo do transporte seriam um ganho de renda para as famílias”, diz Pochmann.
Para ele, o país deveria dar ênfase ao transporte público. “Em países desenvolvidos o principal meio de transporte é o coletivo. Isso pressupõe investimentos em infraestrutura de grande magnitude e uma articulação do setor público com o privado, porque sem esse esforço vamos ter cidades com maior quantidade de automóveis que implicará em congestionamentos mais amplos do que já temos, o que implica maior perda de produtividade e maior tempo da vida comprometido no deslocamento”.
A qualidade do transporte público é ruim para 19,2% da população brasileira e muito ruim para 19,8%, de acordo com estudo divulgado pelo Ipea. O porcentual de insatisfeitos, portanto, chega a 39%. Por outro lado, 26,1% veem o transporte público como bom e apenas 2,9% o consideram muito bom, em um total de 29%. Ele é regular para 31,3%. “Este estudo serve para chamar a atenção para a inadequação desse modelo”, disse o presidente do Ipea, referindo-se à priorização do transporte individual em detrimento do transporte coletivo. “Há espaço para o avanço das políticas públicas.”
Na região Sul estão os mais satisfeitos com o transporte público: 44,9% o consideram bom ou muito bom e 23,5% o acham ruim ou muito ruim. Já na região Sudeste se encontram as opiniões mais negativas: apenas 24,5% o veem como bom ou muito bom e 45,9% o consideram ruim ou muito ruim - este número é muito próximo ao da região Norte: 45,8%. O levantamento mostra também que uma em cada quatro (26,3%) pessoas no País vive em cidades em que não há integração entre meios de transporte. Não usam a integração, apesar de ela existir, 27,5%. Dentre aqueles que a utilizam, 33,2% o fazem trocando de um ônibus para outro. Depois, a mais frequente é a troca de um ônibus para o metrô: 4,9%.
O estudo do Ipea aponta que, quanto maior o nível de escolarização das pessoas, mais crítica elas se tornam em relação à qualidade do transporte público. Ele é bom ou muito bom para 34,9% das pessoas com até a quarta série do ensino fundamental - 22,5% o acham ruim ou muito ruim. Já para quem tem ensino superior incompleto, completo ou pós-graduação, 20,1% o consideram bom ou muito bom e 36,9% o acham ruim ou muito ruim.
Maioria reclama de desrespeito a pedestres e a ciclistas
A maioria da população brasileira percebe desrespeito a pedestres e ciclistas no trânsito, de acordo com levantamento do Ipea. O índice mais alto dos que nunca veem respeito aos pedestres e ciclistas está no Nordeste: 47,3%. Já 15,9% raramente veem respeito. Nessa região, 17,9% acham que sempre há respeito e 18,4% o veem na maioria das vezes. Na outra ponta está a Região Sul, onde 42,4% alegaram que sempre há respeito e 17% disseram que ele existe na maioria das vezes. Para 20,3%, raramente há respeito e somente 15,3% dizem que ele nunca existe. A soma dos que nunca veem respeito com os que não o percebem na maioria das vezes é mais alta na região Centro-Oeste, com 63,6%, seguida do Nordeste (63,2%), Sudeste (62,4%), Norte (57%) e Sul (35,6%).
A pesquisa também avaliou a adequação e adaptação do meio de transporte mais usado por portadores de necessidades especiais. Para 31,2% dos brasileiros, o transporte está sempre adaptado às suas necessidades e 14,9% responderam que ele está adaptado na maioria das vezes. Já 5,7% dos entrevistados alegaram que raramente o meio de transporte está adequado e 34,8% responderam que nunca está adaptado. Os mais satisfeitos são os habitantes da região Sudeste, onde 51,2% dos entrevistados disseram que os transportes estão sempre adaptados às suas necessidades. Apenas 4,8% dos entrevistados responderam dessa forma no Norte, região em que o índice é o mais baixo. Para 45,5% da população das regiões Centro-Oeste e Nordeste os transportes nunca estão adaptados às suas necessidades.
(JC-RS, 03/02/2011)