Ambiciosa e obstinada em seus objetivos a PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos), Lei Federal nº. 12.305/2010, regulamentada pelo Decreto Federal nº 7.404/2010, deve ser avaliada com bastante cautela por todos os setores envolvidos, fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana. Afinal, em razão da responsabilidade compartilhada todos são responsáveis pelo sucesso de sua implantação, passando pelo acondicionamento adequado, coleta seletiva, reciclagem desse material, destinação e disposição final ambientalmente correta.
Para tratar do tema, o Observatório Eco entrevista o advogado, Fabricio Dorado Soler, coordenador do Departamento de Meio Ambiente e Sustentabilidade do escritório Felsberg e Associados, especialista em Gestão Ambiental pela USP (Universidade de São Paulo), pós-graduado em Negócios do Setor Energético também pela USP e com MBA em Infraestrutura pela FGV (Fundação Getúlio Vargas). Segundo ele, a Política Nacional de Resíduos Sólidos traz diversos benefícios para o país, principalmente porque a destinação de resíduos deverá ser integralmente regularizada em até quatro anos.
De acordo com Soler, os responsáveis pelo cumprimento da PNRS devem estar atentos a legislação estadual e municipal que normatizam os cuidados com os resíduos sólidos. “Só para exemplificar, no mês de dezembro de 2010, foram publicadas nada mais, nada menos, que quase vinte instrumentos legais e normativos, nas esferas federal, estadual e municipal, dispondo sobre o gerenciamento de resíduos sólidos, acarretando, por consequência, novas obrigações, procedimentos, prazos e penalidades que influenciam sobremaneira a atuação e o planejamento do setor empresarial”, alerta.
Fabrício Soler também acredita que o consumidor deverá “ultrapassar algumas barreiras culturais retrógadas que ainda estão arraigadas em parte da sociedade brasileira”, afinal em “nossos armários, mesas de escritório, escrivaninhas, gavetas e estantes existem quilos e quilos de resíduos [eletroeletrônicos]”, a exemplo de computadores, impressoras, telefones, aparelhos celulares, que após o devido uso, deveriam ser devolvidos pelos consumidores às empresas responsáveis pela destinação e disposição adequada. Veja a entrevista que Fabricio Soler concedeu ao Observatório Eco com exclusividade.
Observatório Eco: Em sua opinião essa legislação ambiental sobre resíduos sólidos é importante em quais aspectos?
Fabricio Soler: A Política Nacional de Resíduos Sólidos deve promover o desenvolvimento de um setor até então bastante reprimido no Brasil. Após vinte um anos de discussão, a sanção de uma lei de âmbito nacional deve trazer diversos benefícios para o país, principalmente no tocante à destinação de resíduos, que deverá ser integralmente regularizada em até quatro anos.
Além disso, a lei insere no ordenamento jurídico diversos princípios e diretrizes que visam uma melhor gestão de resíduos com menor impacto sobre o meio ambiente e, nesse ponto, podemos destacar a responsabilidade compartilhada, a logística reversa e a hierarquia na gestão, qual seja: não-geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição dos rejeitos.
Observatório Eco: O que significa a responsabilidade compartilhada na lei de resíduos sólidos?
Fabricio Soler: Antes de tratar do conceito da responsabilidade compartilhada, vale esclarecer o conceito do termo ciclo de vida do produto, que consiste em uma série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final.
Dessa forma, temos que a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto implica no conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços de limpeza urbana, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida do produto.
No âmbito dessas atribuições individualizadas e encadeadas destacamos a responsabilidade dos consumidores, que, pela PNRS estão literalmente obrigados a acondicionar adequadamente e de forma diferenciada os resíduos sólidos gerados e a disponibilizar os resíduos reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução, sendo, portanto, agentes propulsores da sustentabilidade associada ao ciclo de vida dos produtos.
Observatório Eco: Ou seja, o consumidor é peça chave nesse contexto.
Fabricio Soler: Certamente, pois precisamos ultrapassar algumas barreiras culturais retrógadas que ainda estão arraigadas em parte da sociedade brasileira, afinal em “nossos armários, mesas de escritório, escrivaninhas, gavetas e estantes existem quilos e quilos de resíduos [eletroeletrônicos].
Computadores, impressoras, telefones, aparelhos celulares, entre tantos outros equipamentos eletroeletrônicos, após o devido uso pelos consumidores, são considerados resíduos sólidos, e, portanto, devem ser devolvidos às empresas responsáveis para que tenham destinação ambientalmente adequada.
Observatório Eco: De que forma os empresários devem se organizar para cumprirem essa nova legislação? Existe um prazo para os setores se posicionarem às novas regras e fazerem os acordos setoriais?
Fabricio Soler: Os empresários devem, neste primeiro momento, avaliar como a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o respectivo Decreto regulamentar se aplicam ao seu negócio. Para tanto, devem promover uma leitura técnica e jurídica da atividade, e verificar quais as ações e medidas preventivas deverão adotar para atender a dinâmica dessa nova legislação.
Só para exemplificar, no mês de dezembro de 2010, foram publicadas nada mais, nada menos, que quase vinte instrumentos legais e normativos, nas esferas federal, estadual e municipal, dispondo sobre o gerenciamento de resíduos sólidos, acarretando, por consequência, novas obrigações, procedimentos, prazos e penalidades que influenciam sobremaneira a atuação e o planejamento do setor empresarial.
Observatório Eco: Então, o empresário deve se preocupar com uma gama de normas e não apenas com a lei nacional?
Fabricio Soler: Exatamente. O ideal seria realizar o levantamento e a consequente análise da legislação ambiental aplicável à atividade, acompanhar a constante publicação de leis, decretos, resoluções e portarias que dispõem sobre o gerenciamento de resíduos sólidos, para então, a partir daí, identificar potenciais entraves à atividade e, principalmente, obrigações e responsabilidades jurídico-ambientais, visando nortear medidas administrativas da empresa de forma preventiva, com a finalidade de minimizar riscos associados a eventuais autuações administrativas e penais, em decorrência da pulverização de normas que dispõem sobre a matéria.
Como passo seguinte, o empresário deve verificar se o seu ramo de negócio insere-se entre aqueles que a nova lei tornou obrigatória a elaboração (e posterior apresentação) de um plano de gerenciamento de resíduos. Inclusive, mesmo aqueles que já possuem tal plano deverão fazer a revisão desse documento, pois a lei apresenta rol de conteúdo mínimo para considerá-lo válido, tendo em vista, também, que o plano é parte integrante do licenciamento ambiental.
Como encaminhamento final, será necessário também que as empresas em geral façam a constatação se os produtos e embalagens com os quais atuam estão abrangidos nos sistemas de logística reversa, para os quais, portanto, será mandatório estruturar sistema que permita o retorno de tais materiais a processos de reciclagem/reutilização ou ao próprio ciclo produtivo.
Observatório Eco: E de que forma o advogado ambiental deve atuar nesse segmento?
Fabricio Soler: Sob o ponto de vista legal a assessoria jurídica é indissociável da abordagem técnica, pois ela pode auxiliar na observância às regras estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, desde o correto entendimento e interpretação dos dispositivos legais até a sua efetiva aplicação prática.
Nesse sentido, por exemplo, o advogado poderá atuar na análise e aplicação da PNRS focada em setores específicos da economia; em processo de delineamento e construção de acordos setoriais e/ou termos de compromisso, para a implementação e operacionalização de sistemas de logística reversa; em procedimento de análise do ciclo de vida do produto, para fins de delimitação da responsabilidade compartilhada das partes envolvidas no gerenciamento dos resíduos.
Ademais, o advogado também pode assessorar em matérias que envolvam discussões entorno de responsabilização ambiental relacionada à inadequada gestão de resíduos, nas esferas administrativa, cível e criminal; além de apoiar juridicamente eventuais procedimentos de reavaliação e adequação de instrumentos contratuais que dispõem acerca de serviços de triagem, reciclagem, tratamento, compostagem, destinação final de resíduos sólidos e disposição final de rejeitos, em virtude de disposições da PNRS.
Observatório Eco: Quais os critérios desta legislação na fixação de multas ambientais? A partir de quando serão exigidas?
Fabricio Soler: O regulamento da PNRS alterou significativamente o Decreto Federal nº 6.514/08, que dispõe sobre infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, possibilitando a aplicação de multas que variam de R$ 5 mil até R$ 50 milhões, a quem, por exemplo:
- lançar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos ou detritos, óleos ou substâncias oleosas em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou atos normativos;
- deixar, aquele que tem obrigação, de dar destinação ambientalmente adequada a produtos, subprodutos, embalagens, resíduos ou substâncias quando assim determinar a lei ou ato normativo;
- descumprir obrigação prevista no sistema de logística reversa implantado nos termos da Lei no 12.305, de 2010, consoante as responsabilidades específicas estabelecidas para o referido sistema;
- deixar de segregar resíduos sólidos na forma estabelecida para a coleta seletiva, quando a referida coleta for instituída pelo titular do serviço público de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos;
- deixar de manter atualizadas e disponíveis ao órgão municipal competente e a outras autoridades informações completas sobre a realização das ações do sistema de logística reversa sobre sua responsabilidade; entre outras infrações.
Vale observar que as multas serão aplicadas após laudo de constatação. E mais, os consumidores que descumprirem as respectivas obrigações previstas nos sistemas de logística reversa e de coleta seletiva também estarão sujeitos à penalidade, neste caso, de advertência. Em decorrência das alterações promovidas e das demais disposições legais e regulamentares, as multas e outras punições para descumprimento já são aplicáveis desde logo.
(Por Roseli Ribeiro, Observatório Eco, EcoAgência, 01/02/2011)