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impactos mudança climática
2011-01-25 | Tatianaf

Rubbish! É a resposta – em bom inglês – do biogeógrafo americano Jared Diamond para a pergunta sacada com frequência pelos “céticos do clima” no afã de congelar o debate ambiental: o aumento da temperatura do planeta, ao qual se atribui a intensificação dos ciclos de calor e frio testemunhada hoje por toda a parte, pode ser o resultado de um ciclo natural da Terra? Rubbish – lixo, besteira. “A ideia de que as mudanças climáticas que estamos presenciando hoje são naturais é tão ridícula quanto a que nega a evolução das espécies”, fustiga o autor de Colapso (Record, 2005), um tratado multidisciplinar de 685 páginas na edição brasileira que analisa as razões pelas quais grandes civilizações do passado entraram em crise e virtualmente desapareceram. E a questão assustadora que emerge de seu olhar sobre as ruínas maias, as estátuas desoladoras da Ilha de Páscoa ou os templos abandonados de Angkor Wat, no Camboja, é: será que o mesmo pode acontecer conosco? Entrevista realizada por Ivan Marsiglia e Carolina Rossetti, em O Estado de S.Paulo.

A resposta de Diamond, infelizmente, é sim. Ganhador do Prêmio Pulitzer por sua obra anterior, Armas, Germes e Aço (Record, 1997), em que focaliza as guerras, epidemias e conflitos que dizimaram sociedades nativas das Américas, Austrália e África, o cientista americano há anos nos adverte sobre os cinco pontos que determinaram a extinção de civilizações inteiras. O primeiro, é a destruição de recursos naturais. O segundo, mudanças bruscas no clima. O terceiro, a relação com civilizações vizinhas amigas. O quarto, contatos com civilizações vizinhas hostis. E, o quinto, fatores políticos, econômicos e culturais que impedem as sociedades de resolver seus problemas ambientais. Salta aos olhos em sua obra, portanto, a centralidade que tem a ecologia na sobrevivência dos povos.

Foi na semana subsequente à pior catástrofe natural da história do País, na região serrana do Rio de Janeiro – a mesma em que um arrepiante tornado surgiu nos céus de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense -, que Jared Diamond falou por telefone ao Aliás. Às vésperas do lançamento no Brasil de um de seus primeiros livros, O Terceiro Chimpanzé (1992), o professor de fisiologia e geografia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, fala das providências cruciais que o ser humano deverá tomar nos próximos anos para garantir sua existência futura. Diz que as elites políticas, seja nos EUA, na Europa, nos países pobres e nos emergentes, tendem a tomar decisões pautadas pelo retorno em curto prazo – até um ponto em que pode não haver mais retorno. Avalia que o Brasil dos combustíveis verdes tem sido “uma inspiração para o mundo”, mas também um “mau exemplo” na preservação de suas florestas tropicais. E fala da corrida travada hoje, cabeça a cabeça, entre “o cavalo das boas políticas e aquele das más”, que vai determinar o colapso ou a redenção das nossas próximas gerações.

O Brasil enfrentou tempestades de verão que mataram mais de 700 pessoas. Debarati Guha-Sapir, do Centro de Pesquisas sobre a Epidemiologia de Desastres da ONU, disse que o tamanho da tragédia é indesculpável, pois o País tem apenas um desastre natural para gerenciar. Como evitá-lo no futuro?

Precisamos estar preparados para um número cada vez maior de tragédias humanas relacionadas a mudanças climáticas. O clima se tornará mais variável. O úmido será mais úmido e o seco, mais seco. A Austrália, por exemplo, acaba de sair da maior seca de sua história recente e agora enfrenta o período mais úmido já registrado no país. Em Los Angeles, onde moro, recentemente tivemos o dia mais quente da história e, há algum tempo, o ano mais chuvoso e também o mais seco que a cidade já viu.

Em seus escritos, o sr. aponta a Austrália como um país com estilo de vida antagônico às suas condições naturais. Mas, em comparação com o Brasil, os australianos se saíram melhor: enfrentaram a pior enchente em 35 anos, mas contabilizaram apenas 30 mortos. Como explicar isso?

É verdade que o modo de vida dos australianos não está em harmonia com suas condições naturais. Mas o estilo de vida dos americanos e dos brasileiros tampouco. O modo de vida do mundo não está em harmonia com as condições naturais deste próprio mundo. No caso da Austrália, o país fica no continente que tem o meio ambiente mais frágil, o clima mais variável e o solo menos produtivo. Mas a Austrália é um país rico e dispõe de mais dinheiro que o Brasil para criar uma infraestrutura que gerencie tais problemas. Em Los Angeles, onde as enchentes são recorrentes, não resta um rio em seu leito natural: todos receberam canais de concreto para reduzir o risco de enchentes. A minha casa fica literalmente em cima de um córrego coberto por uma estrutura de concreto. Nos 34 anos em que vivi nessa casa, apenas duas vezes a água invadiu o porão.

Em Colapso, o sr. lista cinco razões que explicam o declínio das sociedades. Elas continuam as mesmas?

Sim. Os cinco fatores que levo em consideração ao tentar entender por que uma sociedade é mais ou menos propícia a entrar em colapso são, em primeiro lugar, o impacto do homem sobre o meio ambiente. Ou seja, pessoas precisam de recursos naturais para sobreviver, como peixe, madeira, água, e podem, mesmo que não intencionalmente, manejá-los erradamente. O resultado pode ser um suicídio ecológico. O segundo fator que levo em conta é a mudança no clima local. Atualmente, essa mudança é global, e resultado principalmente da queima de combustíveis fósseis. O terceiro fator são os inimigos que podem enfraquecer ou conquistar um país. O quarto são as aliados. A maioria dos países hoje depende de parceiros comerciais para a importação de recursos essenciais. Quando nossos aliados enfrentam problemas e não são mais capazes de fornecer recursos, isso nos enfraquece. Em 1973, a crise do petróleo afetou a economia americana, que dependia da importação do Oriente Médio de metade dos combustíveis que consumia. O último fator recai sobre a capacidade das instituições políticas e econômicas de perceber quando o país está passando por problemas, entender suas causas e criar meios para resolvê-los.

O colapso da sociedade como hoje a conhecemos é evitável ou apenas prorrogável?

É completamente evitável. Se ocorrer, será porque nós, humanos, o causamos. Não há segredo sobre quais são os problemas: a queima exagerada de combustíveis fósseis, a superexploração dos pesqueiros no mundo, a destruição das florestas, a exploração demasiada das reservas de água e o despejo de produtos tóxicos. Sabemos como proceder para resolver essas coisas. O que falta é vontade política.

O Brasil tem feito sua parte?

Nunca estive no Brasil, portanto não posso falar a partir de uma experiência de primeira mão. Mas pelo que entendo, vocês adotaram uma solução imaginativa para a questão energética, com a produção de etanol. O Brasil é uma inspiração para o resto do mundo em relação aos carros flex. Por outro lado, mesmo que o País esteja consciente dos riscos de se desmatar a maior floresta tropical do mundo, muito ainda precisa ser feito. A Amazônia é muito importante para os brasileiros, pois ela regula o clima do país. Se a destruírem, o Brasil inteiro sofrerá com as secas.

De que maneira as elites tomadoras de decisão podem encabeçar a solução dos problemas ou ser responsáveis por conduzir sociedades à autodestruição?

Uma elite que foi competente em solucionar problemas é a composta por políticos dos Países Baixos, que têm grandes dificuldades com o manejo de água, já que um terço da área desses países está abaixo do nível do mar. A Holanda investiu uma quantidade enorme de dinheiro no controle de enchentes. Uma coisa que motivou os políticos holandeses é que muitos deles vivem em casas que estão sob o nível do mar. Eles sabem que se não resolverem a coisa vão se afogar com os demais. Outra elite razoavelmente bem-sucedida é a realeza do Butão, nos Himalaias. O rei butanês disse ao seu povo que o país precisa se tornar uma democracia quer queira, quer não. Ele também anunciou que a meta do país não é aumentar o PIB, mas elevar o índice que mede a felicidade nacional. Isso é verdadeiramente uma meta maravilhosa. Nos EUA, temos políticos poderosos com uma visão curta e destrutiva. Acho que contamos com um bom presidente, mas temos uma oposição cujos objetivos no presente momento se resumem a ganhar a próxima eleição presidencial e, repetidamente, tem negado a existência da mudança climática e do aquecimento global.

De que forma o declínio de sociedades antigas pode nos servir de lição?

Algumas sociedades do passado cometeram erros decisivos, outras agiram com sabedoria e tiveram longos períodos de estabilidade. Um vizinho de vocês, o Paraguai, é um exemplo de país que cometeu um erro crucial, há 120 anos: lutar simultaneamente contra Brasil, Argentina e Uruguai. Isso resultou na morte de 80% dos homens e um terço da população. Tomando como exemplo o Paraguai, precisamos aprender a adotar metas realistas. Podemos aprender também com os países que manejam bem seus recursos, como a Suécia e a Noruega, ou tomar como mau exemplo a Somália – que desmatou suas florestas e hoje sofre com a seca. Em defesa da Somália, podemos argumentar que o país não conta com um grande número de ecologistas capacitados, ao contrário de Brasil e EUA.

O sr. estudou a ascensão e queda de sociedades no passado, mas o que se discute agora é o futuro da própria humanidade. Sua teoria é capaz de explicar os desafios do mundo globalizado?

Sim. É verdade que esta é a primeira vez na história que enfrentamos o risco de o mundo inteiro entrar em colapso. No passado, o colapso do Paraguai, por exemplo, não teve nenhum efeito na economia da Índia ou da Indonésia. Hoje, até mesmo quando um país remoto, como a Somália ou o Afeganistão, entra em colapso isso repercute ao redor do mundo. Mas, por analogia, é possível tirar conclusões semelhantes.

O geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001) enfatizou aspectos socioculturais para explicar os dilemas da sociedade, enquanto seu trabalho é considerado por alguns como geodeterminista. Aspectos culturais não teriam mais influência sobre o futuro das sociedades que os naturais?

Com frequência as pessoas me perguntam se isso ou aquilo é mais importante para explicar o declínio das sociedades. Questões como essas são ruins. É o mesmo, por exemplo, que perguntar sobre as causas que levaram ao fracasso de um casamento. O que é mais importante para manter um casamento feliz? Concordar sobre sexo ou dinheiro, ou crianças, ou religião, ou sogros? Para se ter um casamento feliz é preciso estar de acordo a respeito de sexo e crianças e dinheiro e religião e sogros. O mesmo se dá no entendimento do colapso de sociedades. Fatores culturais são importantes, mas diferenças ambientais não podem ser ignoradas. Por exemplo, as regiões Sul e o Sudeste do Brasil são mais ricas que a Norte. Isso é por causa do meio ambiente, não porque as pessoas no norte sejam burras e as do sul mais inteligentes ou cultas. A explicação é que o norte do país é mais tropical e áreas tropicais tendem a ser mais pobres porque têm menos solos férteis e mais doenças. O mesmo é verdade nos EUA, onde até 50 anos atrás o sul foi sempre mais pobre que o norte. Ao redor do mundo, esse padrão é repetido: países tropicais tendem a ser mais pobres que os de zonas temperadas.

Que sociedades estão em colapso hoje?

Todas as sociedades do mundo estão em risco de colapso. Se a economia mundial colapsar isso afetará todos os países. Nós vimos o que houve dois anos atrás, quando o mercado financeiro americano quebrou, afetando todas as bolsas do mundo. Então, embora todos os países estejam em risco de colapso, alguns estão mais próximos dele do que outros – por uma maior fragilidade ambiental, porque são menos maduros política ou ecologicamente ou por qualquer outro motivo. Por exemplo, o Haiti, que retornou agora às manchetes com a volta do ditador Baby Doc, viu seu governo virtualmente colapsar e continua em grande dificuldade. O México enfrenta dificuldades gravíssimas relacionadas a problemas ecológicos, com a aridez de suas terras, e políticos, com a onda de assassinatos ligada ao tráfico de drogas. Paquistão é um exemplo óbvio, Argélia, Tunísia, que também estão no noticiário… Do outro lado, dos países com menos risco de colapso estão a Nova Zelândia, o Butão e, na América Latina, a Costa Rica. Chile também vai bem. E o Brasil tem melhores perspectivas que vizinhos como a Bolívia, claro.

Países podem se recuperar do colapso?

O colapso normalmente não é definitivo. Houve colapsos no passado que foram sucedidos por retomadas. O Império Romano caiu e, apesar disso, a Itália é hoje um país de Primeiro Mundo.

A Europa, onde o debate a as leis de proteção ambiental mais avançaram, também entrou em crise. Quando isso ocorre, há risco de retrocesso nas políticas ambientais?

É possível. Muita gente sustenta que, quando a economia está fraca, não se consegue investir como se deve no meio ambiente. O colapso econômico de fato põe em risco os avanços em sustentabilidade. Só que os problemas ambientais só são fáceis de resolver nos estágios iniciais. Nesse ponto custam menos, mas se aguardamos 20 ou 30 anos, eles se tornarão muito caros ou impossíveis de solucionar.

Nos EUA, quando o presidente Obama condicionou empréstimos às montadoras americanas ao investimento em carros mais baratos e menos poluentes, a crise não ajudou?

Tanto as crises econômicas podem ter bons efeitos para a política ambiental como fazê-la retroceder. Nos EUA, antes do crash financeiro, estava muito em moda o Hummer, um jipe de 3 toneladas, versão civil de um veículo militar utilizado no Iraque. Era caríssimo e gastava horrores em combustível. Aparentemente, suas vendas despencaram e isso é um efeito positivo da crise econômica. Ainda assim, há americanos ignorantes que ainda insistem em dizer que, uma vez que estamos em crise, podemos deixar a agenda ecológica de lado.

Há modelos econômicos melhores e piores no que diz respeito aos danos ecológicos?

No momento em que falamos, tenho que dizer que o modelo econômico americano não parece ser o mais adequado. Por outro lado, somos uma democracia, com maus políticos, mas também bons – que denunciam os problemas que põem em risco o futuro. Numa ditadura comunista, por exemplo, isso seria impossível. Gosto do sistema capitalista porque ele pressupõe competição, inclusive de ideias. Mas aprecio também o papel do Estado em interferir no capitalismo, evitando os monopólios e enfrentando grupos cujos interesses vão de encontro aos da maioria da população. Em comparação, eu diria que o modelo europeu de capitalismo, mais socializado e comprometido com o bem comum, é atualmente a alternativa menos ruim.

Alguns cientistas afirmam que não se pode dizer ao certo que o aquecimento global seja culpa da ação do homem; pode ser parte de um ciclo natural da Terra.

Sabe a palavra inglesa rubbish? Significa lixo, mas é usada em linguagem coloquial em referência a ideias ridículas. O argumento de que as mudanças climáticas que estamos presenciando hoje sejam apenas naturais é simplesmente ridículo. Tanto como aquele que nega a evolução das espécies. As evidências de que tais mudanças se devem a causas humanas são irrefutáveis. Os anos mais quentes registrados em centenas de anos se concentram nos últimos cinco que passaram. O planeta já enfrentou flutuações de temperatura no passado, mas nunca nos padrões registrados hoje. Não conheço um único cientista respeitável que afirme que as atuais mudanças de clima não se devam à ação humana. É por isso que eu digo: rubbish.

Seis anos depois do lançamento de Colapso, o sr. está mais otimista ou pessimista em relação ao futuro de nossa civilização?

Diria que me mantenho mais ou menos no mesmo nível. Tenho visto coisas ruins piorarem e boas tornarem-se melhores. O que mais me preocupa é que continuamos vendo um aumento vertiginoso do consumo no mundo, seja nos EUA, na China, na Índia ou no Brasil. O que me anima é que cada vez mais pessoas reconhecem a gravidade da situação e estão tomando iniciativas. Uma metáfora que gosto de usar é a da corrida de cavalos. Há dois deles correndo agora, o cavalo da destruição e o cavalo das boas políticas. Nestes últimos seis anos, eu diria que os dois têm corrido cada vez mais rápido, disputando cabeça a cabeça. Não sei qual vencerá a corrida, mas diria que as chances do cavalo do bem vencer são de 51%, enquanto o das más políticas tem 49%. E, se nossa destruição não é certa, nem um destino inescapável, é preciso saber que se não tomarmos medidas urgentes vamos ter grandes problemas.

A indústria do entretenimento mostra, cada vez mais, imagens do fim do mundo, prédios em ruínas, cidades abandonadas. Por que somos tão fascinados por nossa destruição?

Parte disso se deve à força romântica das imagens de civilizações passadas que entraram em colapso, como as ruínas dos maias, incas e astecas. Ou os escombros das guerras no Iraque e no Irã. E pensamos: quem construiu aqueles templos e monumentos, tinha uma cultura e arte admiráveis, podia imaginar que isso aconteceria? Por que essas civilizações entraram em colapso, sem poder evitar? E nos angustiamos: será que isso também vai acontecer conosco?

(EcoDebate, 25/01/2011)


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