A imprensa e as tragédias acabaram envolvidas numa espécie de relação perversa. Um evento dramático, como o ocorrido na região serrana do Rio de Janeiro, na segunda semana de janeiro, atrai a curiosidade pública e consequentemente aguça a preocupação com o faturamento por parte das empresas jornalisticas.
Nada contra o aumento da receita. O problema é que o clima de comoção que acompanha os grandes desastres tende a embaralhar preocupações e emoções, criando um ambiente em que fica muito difícil distinguir uma iniciativa marqueteira de uma ação voltada para a solidariedade e para a busca de soluções.
O caso da tragédia na região serrana do Rio de Janeiro adquiriu uma tal proporção que o atendimento das vítimas perdeu espaço para a perplexidade gerada por uma desafiadora pergunta: o que fazer para evitar que os desastres se tornem rotina, em cada verão?
Esta dúvida tira o sono de milhões de pessoas que moram em áreas de risco no Brasil, porque não há resposta consensual. E mais do que isto, quando alguém se aprofunda na análise da questão esbarra num mar de complexidades que desorienta todo mundo.
Não há mais dúvidas de que o processo de aglomeração urbana em encostas localizadas dentro — ou na periferia — de cidades médias e grandes é simplesmente suicida. Mas tirar as pessoas de favelas em bairros situados em terrenos inclinados, ou de construções feitas em áreas impróprias, equivale a redesenhar o mapa socioeconômico de cidades inteiras.
Uma operação de tal magnitude não pode ser executada sem a participação direta dos veículos de comunicação. São eles que permitem a mediação entre as autoridades encarregadas do remanejamento urbano e as comunidades de pessoas afetadas pela mudança. Mas para que a imprensa desempenhe essa função, ela deve colocar de lado seus interesses políticos ou econômicos para assumir o papel de mediadora ou de tutora.
A grande pergunta é: estão os jornais e os jornalistas conscientes e preparados para essa missão? Vejamos o caso dos repórteres das redes de televisão que patinaram na lama dos bairros atingidos pelas avalanchas de barro e água nas cidades de Teresópolis, Petrópolis, Nova Friburgo, Sumidouro e Areal, na região serrana do Rio.
O trabalho de campo de todos eles estava orientado no sentido de buscar impacto dramático e mostrar ousadia individual nas reportagens produzidas. A valorização das lágrimas, atitudes heróicas e dos gestos solidários era onipresente. Nada de errado nisso e nem se pode atribuir culpa a fulano ou beltrano. A questão é que as populações afetadas pelas enchentes foram relegadas à condição de coadjuvantes na produção informativa, quando na verdade elas era os atores principais.
O discurso formal dos jornalistas era o de ajuda às vitimas e desabrigados. As imagens, informações e depoimentos transmitidos por repórteres, cinegrafistas e fotógrafos estavam orientadas no sentido de provocar impacto emocional para gerar solidariedade. É evidente que num primeiro momento o apoio solidário é essencial, mas após o segundo ou terceiro dia da tragédia, quem está sem casa ou perdeu parentes tem necessidades muito concretas que superam o alcance dos donativos.
É neste momento que o papel mediador da imprensa assume toda sua relevância. Pois é nesse contexto que a relação da mídia com a população cria as condições para que os afetados possam cobrar seus direitos e sejam ouvidos na busca se soluções. Dar voz à população no meio de uma tragédia significa incluir os atingidos na reconstrução do que foi destruído.
Encarar o problema da inevitabilidade da remoção de pessoas residentes em áreas de risco é uma tarefa extremamente complexa para a qual não existem soluções simples e imediatas ao gosto da maioria dos governantes. Pedir que populações carentes abandonem o pouco que têm para ir morar em regiões afastadas, onde o transporte é caro e deficiente, não é uma missão simpática nem fácil. É pouco provável que políticos queiram arriscar votos e simpatias num trabalho como este.
Limitar o papel da imprensa a criar impacto emocional apenas assegura a reprodução de politicas estatais assistencialistas, impostas de cima para baixo, cujos resultados são geralmente previsíveis e em geral decepcionantes.
Essa estratégia informativa da imprensa já se mostrou incapaz de mudar o comportamento das autoridades de turno. Pode ter chegado a hora de testar outra alternativa, para tentar fugir da incômoda posição de cúmplice da mesmice governamental na busca de soluções para o problema das populações em áreas de risco.
(Por Carlos Castilho, Observatório da Imprensa, Envolverde, 24/01/2011)