Em dezembro de 2008, o quadro Lar Doce Lar, comandado por Luciano Huck em seu programa semanal nas tardes de sábado, na Rede Globo, ganhou um patrocinador desconhecido de parte do público. Na época, a Brasilit, divisão do grupo francês Saint-Gobain, passou a fornecer telhas para as moradias que passassem pelo extreme makeover do apresentador. Desde então, em seus programas, Huck frisa que os produtos são “totalmente livres de amianto”, numa clara estocada ao produto da principal concorrente da Brasilit, a Eternit, líder desse mercado, com 30% de participação, que tem no mineral sua principal matéria-prima.
O troco veio exatamente dois anos depois, quando a Eternit passou a ser um dos patrocinadores de um quadro semelhante de reformas no programa Domingo Legal, do SBT. A briga midiática é a face pública de uma batalha entre as duas empresas que já se arrasta há quase uma década — e que ganhou um tumultuado novo capítulo em dezembro de 2010. Na ocasião, a Brasilit distribuiu a 5 000 parlamentares, ministros, governadores e prefeitos um estudo realizado pela Unicamp segundo o qual seria possível banir o amianto do país sem que isso gerasse nenhum impacto econômico significativo. (O minério foi totalmente vetado em 58 países da Europa em 2005, com a alegação de provocar câncer de pulmão em quem lidava diretamente com ele.) “O amianto é um produto tóxico e precisa ser totalmente banido no Brasil”, diz Roberto Netto, diretor-geral da Brasilit.
Concorrência
Por trás da discussão sobre os perigos do amianto está a disputa por um mercado que movimenta quase 2 bilhões de reais por ano. A tensão entre Brasilit e Eternit surgiu entre 2001 e 2007, quando quatro estados brasileiros — Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e São Paulo — decidiram abolir de vez o uso do material (no resto do país é permitido o uso do amianto do tipo crisotila, utilizado pela Eternit atualmente). Juntos, esses estados respondem por mais da metade das vendas de telhas de amianto no país, empregadas principalmente nas construções voltadas para a baixa renda.
A fim de conquistar esses mercados recém-abertos, a Brasilit apresentou às lojas de material de construção produtos à base de uma fibra alternativa, conhecida como PP. No mundo todo, a divisão da Saint-Gobain é a única a dominar a tecnologia que permite empregar esse material na fabricação de telhas .“É muita coincidência que a proibição ao uso do amianto tenha ocorrido especificamente nos estados em que a Brasilit tem fábrica”, diz o executivo Élio Martins, presidente da Eternit.
Por uma dessas ironias que às vezes surgem no mundo dos negócios, as duas empresas, que hoje se engalfinham, já foram muito próximas. A Brasilit foi acionista da Eternit entre 1990 e 2003. Naquele último ano, a companhia encerrou uma sociedade com a hoje rival na Eterbrás, empresa criada para fabricar produtos à base de amianto para Eternit e Brasilit. A parceria terminou quando os franceses decidiram sair do negócio de amianto no Brasil assim que o produto foi banido na Europa.
(Exame, 20/01/2011)