As violentas enchentes que predominavam ocorrer apenas entre as encostas dos Aparados da Serra Geral e o litoral de Santa Catarina nas décadas de 70, 80 e 90 passaram nesta nova década do século XXI para o Estado do Rio de Janeiro e São Paulo, porém não esquecendo Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Recife e Pernambuco. Não tínhamos conhecimento sobre a tragédia de Caraguatatuba no litoral norte de São Paulo, em 1967, com 436 mortos e no Rio de Janeiro, na Serra das Araras, com 1.700 mortos, porém tínhamos o registro da tragédia de 1974 que matou 199 pessoas só na cidade de Tubarão em Santa Catarina, totalizando 250 mortos incluindo as bacias do Araranguá e Mampituba. Todavia, esta ocorrência na região serrana do Rio de Janeiro poderá ser a segunda maior tragédia climática do país.
Mais de 600 pessoas praticamente ‘’enterradas vivas’’, milhares de desabrigados com sérios transtornos sociais e traumas para o resto da vida, reais possibilidades de adquirirem doenças contagiosas e imensuráveis prejuízos materiais às famílias, ao Estado e a União. Isto é inconcebível, uma catástrofe que certamente poderia ter sido amenizada se houvesse planos e programas específicos para eventos extremos do clima, no qual estamos apontando desde a ocorrência do inédito Furacão Catarina. Convenhamos que não houve de fato um ‘’alerta adequado/seguro de perigo real e imediato para a evacuação da população’’, porém se houve os responsáveis pela omissão deverão ser processados criminalmente.
Precipitações maiores que estas ocorreram na Austrália e Portugal, porém a sinistra contabilidade de mortos foi bem menor. Na manhã em que ocorreu o Furacão Catarina, o então governador se utilizou de uma cadeia de rádio e televisão para comunicar (‘’assustar’’) a população do sul de SC, talvez por isso tenha havido pouquíssimas vítimas pela dimensão destruidora do violento evento climático – o primeiro do Atlântico Sul, enquanto que as superprecipitações já vêm ocorrendo nos últimos anos, portanto, era para haver mais investimentos em sistemas de prevenção e de adaptação, tanto na área científica quanto na defesa civil. OBS. Talvez quem sabe, seja necessário criar uma associação das vítimas prejudicadas pelas tragédias do clima, com objetivo de desenvolverem programas de prevenção e adaptação locais/regionais, como também de fiscalizar os rotundos recursos destinados a recuperação dos danos que são vergonhosamente desviados pelas administrações públicas.
A elaboração de um mapa das regiões onde tem havido com mais frequência e intensidade a ocorrência de eventos considerados extremos pela violência das águas, deve ser acompanhado de dados e informações orientadoras, pois as populações afetadas pelas tragédias do clima querem respostas!!! A ciência da meteorologia não consegue mais fazer a adequada leitura da climatologia da Terra, tanto nas previsões, como também não consegue explicar as dinâmicas que estão promovendo o desequilíbrio do clima. Na verdade, as imagens de satélite é que orientam os meteorologistas e se não fossem elas estaria em cheque a credibilidade da meteorologia.
Estudos mais profundos com ajuda de outras ciências como a geofísica, oceanografia, sociologia, entre tantas outras que poderiam avançar em pesquisas em conjunto com investimentos em radares e supercomputadores de alta tecnologia, que tem alta capacidade de monitorar iminentes ameaças com antecipação e que viessem a orientar a população em geral, mas principalmente as mais afetadas que vivem em área de risco decorrentes de super precipitações e de locais vulneráveis a violência dos ventos. Estudos idôneos e independentes, porém comprometidos com a verdade, que não ficam apenas restritos a escritórios, mas vão a campo colher informações com o imaginário popular que vive diretamente com a natureza, que sente o seu impacto quando responde as agressões com violência. No dia que um degradador ‘’sentir na pele a força da natureza’’ ele certamente passará a ver o mundo de outra forma.
Como um dos principais fatores que facilitam os desmoronamentos em encostas de morros é a ausência de vegetação nativa (que assegura o solo com suas raízes ao mesmo tempo em que infiltra/absorve a água da chuva, evitando maior quantidade de água nos leitos dos rios, que por sua vez já não possuem mais mata ciliar que tem a função de proteger os cursos d’água de intempéries que provocam o assoreamento da calha original), o desmatamento em APP tem que ser considerado crime. Observando, no entanto, que quando a precipitação é muito violenta, ela pode arrastar tudo, mesmo as encostas não desmatadas ou ocupadas, destruindo até mesmo as matas ciliares bem compostas, como por exemplo, a catástrofe/tragédia de Figueira no município de Timbé do Sul/SC, quando na noite de Natal de 1995 o choque de duas nuvens provocou o maior desmoronamento de terra e vegetação na história do país, nas encostas dos Aparados da Serra Geral: http://www.deslizamento-timbedosul-sc.blogspot.com
Alguns céticos podem contestar que sempre existiu a ocorrência de fenômenos naturais, que não existe aquecimento global, ou seja, que as mudanças climáticas são invenções de ambientalistas, porém não podem contestar a intensa frequência da ocorrência de eventos extremos do clima nas últimas décadas no planeta Terra.
Entendemos que três fatores estão contribuindo para aumentar a frequência e a intensidade destes fenômenos naturais e as respectivas consequências:
1.Primeiro é o resultado do desequilíbrio da protetora camada de ozônio ‘’que não sabe mais o que fazer’’ com tanto CO², surgindo o efeito estufa, não permitindo a saída de ar quente para a atmosfera, resultando assim no inconveniente aquecimento global, do qual a queima de combustíveis fósseis é a principal causadora em nível mundial, seguida das queimadas do desmatamento na Amazônia, por exemplo.
2.Segundo é a ocupação desordenada de Áreas de Preservação Permanentes (APP) em encostas de morro e margens de rios, desmatamento e assoreamento dos córregos e rios, ou seja, desenvolvimento a qualquer custo, porém quem paga, na grande maioria, são os pobres excluídos ambientais.
3.As pessoas estão se acostumando com as desgraças alheias (os políticos oportunistas mais ainda!) no que denominamos de ‘’normose’’, resultante da ganância infecciosa do capitalismo e da frieza do socialismo.
Se com uma legislação abrangente e rígida as tragédias acontecem, imaginem então se flexibilizarem as leis deste país como os políticos e governantes catarinenses fizeram ao instituir o Código Ambiental, mesmo após a tragédia de novembro de 2008 no Vale do Itajaí/SC. O mesmo processo está contaminando as mentes da bancada ruralista no Congresso Nacional, com as inconvenientes propostas do Aldo Rebelo de alterar o Código Florestal, que deveriam ser enterradas com a lama dos desmoronamentos por este país afora.
Tadeu Santos – Socioambientalista
Sócios da Natureza – ONG Conselheira do CONAMA Biênio 2009/2011.
Araranguá – Santa Catarina.
sociosnatureza{at}contato.net
(EcoDebate, 20/01/2011)