"Quando a tragédia nos golpeia, nossa natureza pede explicações, tenta pôr ordem no caos, busca um sentido naquilo que não parece ter sentido algum." (Barack Obama, 12/1/2011)
O presidente americano estava em Tucson, Arizona, para homenagear os mortos no atentado terrorista contra a deputada democrata Gabrielle Giffords. Horas depois, na madrugada daquela mesma quarta-feira (12/1), desabava na região serrana do Rio de Janeiro uma violenta tromba d’água que provocou o maior desastre já registrado na história brasileira. O emocionado discurso de Obama, elogiado até pelos adversários, foi considerado um de seus melhores: aplacou os ódios, sobretudo evitou prejulgamentos simples e fáceis.
Marcada pela sucessão de desastres climáticos acontecidos um ano antes nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas, nossa mídia reagiu com indignação. Denunciou a desatenção das autoridades aos alarmes, reclamou contra a ausência de uma política prevenção, acusou os políticos demagogos que em troca de votos mantêm grandes parcelas da população em áreas de risco.
A mídia acordou antes das autoridades, mostrou a catástrofe enquanto se consumava e está cobrindo todos os desdobramentos com uma persistência inusitada. A assombrosa cadeia de solidariedade que prontamente se articulou em todo o país foi uma resposta a este esforço de reportagem. A participação da âncora do Jornal Nacional Renata Vasconcellos, durante dois dias na cobertura in loco, foi simbólica: ofereceu ao nosso telejornalismo aquela devoção ao ofício há muito desaparecida.
Hegemonia criminosa
A mídia sente-se, portanto, legitimada para fazer exigências, espernear, indignar-se, malhar. Mas precisa levar em conta o entrelaçamento das causas: não foi só a quantidade de chuva – nem apenas a precariedade em que vive parcela substancial da nossa população – a responsável pelo funesto recorde de vítimas.
Apesar da euforia do último ano, o país está atolado em impasses cruciais. O regime, as instituições, a sociedade vivem contradições que se agigantam, assustadoras, nas emergências.
Nossa imprensa ainda não conseguiu assumir-se como real prestadora de serviços públicos. Não é uma concessionária, mas a principal beneficiária de um sistema de liberdades que a obriga a contrapartidas e sacrifícios que não ousa fazer. Assustada com os boatos que ela própria divulga sobre o seu próximo fim, esquece a missão de defender o sagrado interesse coletivo mesmo quando os seus estão ameaçados.
O crescimento das nossas cidades precisa ser drasticamente disciplinado, o uso do automóvel precisa ser limitado, o crescimento da economia deve ser sustentável, o consumismo e o desperdício não podem ser as molas mestras do desenvolvimento. No entanto, nenhum veículo jornalístico tem a coragem de mostrar as aberrações e distorções produzidas pelo mercado imobiliário ou propor qualquer limitação à criminosa hegemonia dos carros nas vias urbanas.
Convém não esquecer que a mídia paulistana não apenas abominou, mas fez o possível e o impossível para impedir a adoção do rodízio de carros em 1996. Temia uma forte redução nas vendas que, infelizmente, não se materializou.
Função da tragédia
Enquanto a meteorologia se torna a vedete do noticiário e as deficiências na previsão do tempo dominam as arengas dos recantos de opinião, é preciso reconhecer que nossa mídia – com a exceção das emissoras de rádio – ainda não aprendeu a induzir o seu público a se interessar pelas variações do tempo. Nem os jornais, a televisão ou a internet conseguem sensibilizar as respectivas audiências para esse importante indicador publicado diariamente há mais de um século, apto a evitar inconvenientes pessoais e catástrofes nacionais, no entanto invariavelmente tosco.
Para impor-se junto à opinião pública, a imprensa deve se mostrar capaz de dolorosas coerências e sacrifícios. A mesma veemência para denunciar políticos corruptos deveria dirigir-se às incorporadoras e construtoras que apostam em aglomerados de luxo, esquecidas de que cada unidade produzirá automaticamente cinco ou seis casebres em áreas de risco na periferia.
A função da tragédia é produzir catarses, delas nascem verdades. Uma imprensa sadia não pode ignorá-las. Uma imprensa madura deve pressentir que também ela tem culpas.
(Por Alberto Dines, Observatório da Imprensa, 18/1/2011)