Não é nova a ideia de modificar mosquitos transmissores de moléstias como dengue e malária para que parem de fazê-lo e, assim, possibilitar o controle dessas doenças. No Brasil, por exemplo, Margareth de Lara Capurro pesquisou mosquitos anofelinos transgênicos para combater malária.
Agora, na Austrália, pesquisadores se preparam para testar uma bactéria excêntrica na luta contra a dengue, sem lançar mão de controversas modificações genéticas. Eles contam com ajuda de pelo menos um brasileiro, Luciano Moreira, do Instituto de Pesquisas René Rachou (MG), da Fiocruz (se você é assinante, leia aqui reportagem de Reinaldo José Lopes na Folha sobre a pesquisa, publicada um ano atrás).
A proposta é tornar os insetos resistentes ao parasita causador da doença. No caso da dengue, um flavivírus; no da malária, micro-organismos do gênero Plasmodium. Se o corpo do mosquito se torna um ambiente inóspito para o agente, a doença fica sem vetor e a transmissão se interrompe.
A bactéria alistada na Austrália se chama Wolbachia pipientis. De início, explica reportagem de Martin Enserink no periódico "Science", a ideia era empregá-la para contrabandear para dentro do mosquito genes que o tornasse refratário ao vírus.
Aí se descobriu que a mera infecção do inseto pela bactéria de tipo normal, tal como encontrada na natureza, fazia emergir nele resistência à partícula viral. Ficou desnecessário recorrer a genes estranhos. De veículo portador de armamento, a Wolbachia passou a ser vista pelos estudiosos como a própria arma capaz de decidir a guerra.
Apesar de microscópica, a bactéria tem lá suas semelhanças com uma bomba atômica. Ela infecta mais ou menos metade de todas as espécies de insetos existentes na Terra. E possui uma capacidade incrível de se espalhar pela população desses artrópodes.
É a candidata ideal para atingir o número astronômico de mosquitos chupadores de sangue que há por aí, como pode experimentar qualquer paulistano na própria pele. O micróbio passa de uma geração para outro pegando carona nos ovos dos insetos. Em outras palavras, toda a prole de uma fêmea infectada carrega a sua Wolbachia. Uma vez introduzida na espécie, não demora em se tornar onipresente.
O problema é que a Wolbachia não está presente em populações naturais de anofelinos (malária) nem de Aedes aegypti, que transmite a dengue. O grupo de Scott O'Neill com que Luciano Moreira colaborou, na Universidade de Queensland (Austrália), conseguiu introduzir a bactéria no mosquito, injetando-a em seus embriões.
Sua proposta agora é liberar mosquitos infectados e resistentes ao vírus da dengue em duas localidades da região tropical australiana, onde a dengue está presente. Seriam em princípio dez insetos por semana para cada domicílio, por 12 semanas seguidas.
O'Neill acha que a infecção se espalhará na velocidade de 10 km/ano, mas precisa ter certeza disso para calibrar o tamanho da esquadrilha antidengue. O passo seguinte, segundo seu planejamento, seria conseguir permissão do Vietnã e da Tailândia para experimentos de maior escala.
(Folha.com, 19/01/2011)