O piloto de avião Rafael Benjamín Pabón foi encontrado sentado em seu assento, com o cinto de segurança afivelado e cara de quem estava dando uma cochilada. Seu cabelo preto, não muito curto, caía sobre seu ombro. Pabón estava congelado desde 1990.
Seu avião, um cargueiro, havia se chocado naquele ano contra o Huayana Potosí, uma montanha de mais de seis quilômetros de altitude na região de La Paz (Bolívia).
O boliviano foi encontrado recentemente por um alpinista, que ficou tão chocado ao esbarrar em um cadáver que resolveu carregá-lo montanha abaixo. Sua mãe está viva e vai poder enterrá-lo.
Pabón, que tinha 27 anos ao morrer, entra para a lista de cadáveres revelados pelo aquecimento global, que proporciona degelos inéditos em vários lugares do mundo.
Um deles era o copiloto de Pabón, trazido de volta para fora da neve pelo verão de 1997 --o terceiro membro da tripulação, um mecânico chamado Walter Flores, ainda não foi encontrado.
Além da dupla, já foram encontradas desde três crianças incas nas montanhas da Argentina até soldados austríacos da Primeira Guerra Mundial que morreram lutando nos Alpes italianos.
Os soldados ao menos morreram lutando. Em 2005, foi encontrado o corpo de Leo Mustonen. Ele era piloto de 22 anos da Força Aérea americana e, em 1942, treinava para servir na Segunda Guerra.
Não estava em treinamento à toa: enquanto praticava, acabou batendo o seu avião em uma montanha da Sierra Nevada, na Califórnia. Ficou 63 anos por lá. Em 2006, foi finalmente enterrado em sua cidade natal, em Minnesota (norte dos EUA).
Outros cadáveres, mais antigos, não chegam nem a ser reconhecidos. Um deles é um misterioso e solitário homem que vivia no norte do Canadá, uma região muito fria, há 550 anos.
Todos esse corpos, em função do frio extremo das regiões em que foram encontrados e do ar seco, ficaram mumificados. Trata-se da neve fazendo com os corpos o que os egípcios faziam com resinas e óleos.
A grande preservação dos corpos chama a atenção mesmo dos cientistas. Os cadáveres intactos impressionam.
OS 29 DO ILLIMANI
Ainda assim, não são apenas corpos que estão sendo localizados. Vários pedaços do próprio avião de Pabón, por exemplo, foram desenterrados. Mas o caso mais misterioso é o de um Boeing 727, operado pela empresa Eastern Air Lines, que caiu na Bolívia em 1º de janeiro de 1985.
Em 2006, uma equipe de alpinistas no monte Illimani, segundo ponto mais alto do país, redescobriu os destroços do avião, que caiu no local pouco depois de decolar.
A questão é que nenhum dos corpos dos 29 passageiros foi encontrado, nem na época do acidente e nem durante a escalada de 2006.
Para o alpinista Roberto Gómez, 28, que se deparou com parte da fuselagem do Boeing, porém, trata-se apenas uma questão de tempo --as geleiras estão derretendo como nunca antes, diz.
Ele já achou fotografias e roupas de crianças. "Os corpos e a caixa preta ainda estão em outro lugar no gelo", diz ele, ansioso.
Gerald Holdsworth, glaciologista no Instituto Ártico da América do Norte, na cidade de Calgary (Canadá), também está, se é que se pode usar a palavra, otimista.
"Ainda há grandes bancos de neve em locais promissores e muitas geleiras dos mais diferentes formatos, tamanhos e orientações. Por isso, as descobertas podem continuar acontecendo por um longo tempo."
(Folha Online, com The New York Times, 18/01/2011)