Embora alguns digam ter medo, diversos moradores de um bairro de Teresópolis (região serrana do Rio) cogitam voltar a construir nos locais onde suas casas foram severamente atingidas pelos deslizamentos da última quarta-feira - inclusive em áreas condenadas pela Defesa Civil.
O pintor Anderson Magalhães, 33 anos, deveria ter se mudado para sua casa nova, que construiu no bairro do Féo, no último sábado. "Só faltava bater a laje, que já estava lá, comprada", disse à BBC Brasil.
No entanto, a chuva e os deslizamentos da quarta-feira anterior arruinaram a sua nova moradia, que teve o andar de baixo totalmente engolido pela lama que desceu do morro. "Ficaram cinco sacos de cimento lá, foi o que restou da minha obra."
Anderson mora de aluguel no mesmo bairro, em uma casa localizada em um ponto mais seguro. Agora, ele afirma que quer se mudar para outra zona da cidade, mas acha difícil conseguir outro lugar para morar.
"Se não tiver saída, eu com certeza pego o dinheiro do FGTS e volto pra minha casa no Féo", diz Anderson. "Vou lá, bato a laje na parte de cima, esqueço a parte de baixo e volto."
Sobre os riscos de ocorrerem novos deslizamentos como os da semana passada, o pintor afirma: "Se acontecer qualquer chuvinha, sai todo mundo de lá na hora, é o jeito."
Ele se mostra cético com a possibilidade de ganhar recursos do governo para construir outra casa. "Conheço gente no (bairro do) Perpétuo que perdeu tudo na outra enchente (ocorrida em 2002) e até hoje não ganhou nada."
Barreira contra a lama
Outro morador do Féo, o pedreiro Leonardo Caldeira Mizael, 31 anos, tinha sua casa situada alguns metros acima da de Anderson. Leonardo diz que a sua moradia serviu como uma barreira que impediu a lama e os destroços de arrasarem com muitas casas outras abaixo. "Vi até carro voando aqui do lado", afirma.
Dentro de casa, o pedreiro mostra os estragos. Enquanto a sala e a cozinha ficaram apenas sujas, o seu quarto teve uma parede demolida pelo deslizamento, ficando inundado pela lama. O muro do lado de fora da residência foi arrancado do lugar em sua quase totalidade.
Leonardo estava ampliando a sua casa, construindo outros quartos no andar de cima, mas seus planos ficaram em suspenso: a Defesa Civil mandou ele, a mulher e dois filhos saírem do local. Ele tem medo de continuar morando ali, mas diz que não pode esperar muito tempo pelo aval do poder público.
"A Defesa Civil veio aqui e disse que a casa estava condenada, mas eles também não dão um lugar pra gente ficar", afirma. "Certamente quero continuar construindo, e espero ajuda do governo e da prefeitura."
O pedreiro afirma que, se a administração municipal não fizer nada, a própria comunidade vai começar a efetuar a limpeza do barro na semana que vem. Depois disso, a reconstrução das casas é uma questão de tempo.
"Tentar de novo"
O porteiro Giovane de Souza, 33 anos, e sua mulher, a vendedora Vera de Fátima Machado da Silva, tiveram parte da sua casa destruída pela avalanche que atingiu o Féo na última quarta-feira. Segundo Giovane, duas paredes da parte de baixo da casa ruíram com o impacto da lama.
No entanto, Vera afirma que as fundações da sua residência não apresentam danos sérios, nem sequer rachaduras. "Até os vidros das janelas da parte de cima ficaram inteiros", diz.
Giovane e Vera se mostram reticentes de continuar em sua casa. A vendedora, principalmente, se mostra assustada: assim que a chuva começa a cair no Féo, ela foge da sua residência, onde foi buscar alguns pertences, e sobe o morro em direção de um local que considere seguro.
No entanto, a exemplo dos seus vizinhos, o casal não pretende esperar muito tempo para voltar a ter uma casa - nem que seja no mesmo local de antes.
"Eu estou pensando nisso. Vou dar um tempo e ver o que acontece. Querer, eu não quero (ficar), mas não sei se tem saída", afirma Vera. "Se a prefeitura demorar muito, o negócio é a gente ir lá e tentar de novo."
Poder público
O coordenador do 3º Centro de Apoio das Promotorias de Justiça Cíveis do Ministério Público do Rio, Leônidas Filippone, afirma que, pela experiência de casos anteriores, é sabido que pode ocorrer a reocupação de locais que estejam em risco.
"Estamos articulando com as prefeituras para que ela use poder de polícia para tomar medidas preventivas, para que casas desocupadas sejam interditadas e para evitar o retorno das pessoas", afirma.
(Por Rafael Spuldar, BBC Brasil, 18/01/2011)