O ano de 2011 começou com o que já se diz ser a maior tragédia natural em número de mortes da história do Brasil. Mais de 500 vítimas fatais foram contabilizadas, até agora, pela Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro, resultado dos fortes temporais, enchentes e deslizamentos que afetam a serra fluminense. As cidades atingidas não receberam o cuidado devido de seus governos para evitar o caos que se instalou.
Esse cenário, infelizmente, se repete. O ano de 2010 começou com uma tragédia. Em pleno réveillon, um deslizamento de terra matou 45 pessoas na Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro. As fortes chuvas que atingiram o país no verão passado causaram enchentes e inúmeros outros desabamentos, principalmente nas Regiões Sul e Sudeste, causando mais mortes e deixando desabrigados em várias cidades.
O verão brasileiro é uma estação chuvosa. Com o agravamento das mudanças climáticas, as tempestades podem se intensificar. “Não temos como afirmar que todos esses desastres estão relacionados com mudanças climáticas, mas podemos sim dizer que desastres ambientais como esses se tornarão mais frequentes e mais intensos no cenário de aquecimento global”, explica Marcelo Furtado, diretor-executivo do Greenpeace. “Cabe à sociedade e aos governos tomarem todas as decisões possíveis neste momento para garantir que esse legado de destruição não será deixado para as gerações futuras e tampouco para as comunidades em condições mais vulneráveis neste momento.”
Os governos precisam investir em medidas que evitem novas tragédias a cada verão, com ocupação urbana ordenada e respeito à legislação ambiental, que já prevê a necessidade de manter encostas livres de moradias e com vegetação, além de matas ciliares, para reduzir os riscos de deslizamentos de terra e enchentes.
Mas, em vez disso, o Código Florestal, a lei que protege nossas florestas, sofreu em 2010 fortes ataques de políticos ruralistas. O deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) escreveu uma proposta de mudança repleta de absurdos, como anistia geral e irrestrita a desmatadores e redução da mata ciliar. O texto, por pressão dos ruralistas, esteve na iminência de ser votado pela Câmara no final do ano – o que não aconteceu por resistência de ONGs, inclusive o Greenpeace, que desejam debater melhor um tema tão delicado para os brasileiros. Não é o que os ruralistas querem e a bancada anuncia que pressionará para votar a proposta no início de 2011.
Irresponsabilidade ambiental
O ataque às florestas em 2010, por incrível que pareça, veio também de quem deveria dar o exemplo: o governo federal. Em abril, o leilão de Belo Monte, previsto para ser construído no Rio Xingu, no meio da floresta amazônica, mobilizou ONGs ambientalistas, grupos de direitos indígenas e a sociedade em geral.
A usina será implantada em uma das mais belas regiões da Amazônia, centro de alta biodiversidade no sul do Pará, destruindo 12 mil hectares de floresta intacta. Apesar da oposição de muitos ao projeto, os interesses econômicos se sobrepuseram. “Uma decisão política como essa é um indicador preocupante de que o governo não adota o princípio da precaução”, afirma Furtado. “Com essas liberações como essa, o governo reconhece que não está assumindo a responsabilidade do problema e, mais grave que isso, que está contribuindo para o problema continuar.”
Por pouco o governo não aprova também a construção do Porto Sul, no litoral baiano. A idéia era construir o porto em uma área de grande biodiversidade, o que causaria danos irreparáveis à mata atlântica da região, além de prejudicar os recifes de corais e a reprodução de baleias jubarte, para simplesmente viabilizar a distribuição de minério de uma empresa, a Bahia Mineração. Graças à mobilização local e de ONGs ambientais, entre elas o Greenpeace, o Ibama solicitou um novo estudo de impacto, o que garantiu o adiamento da construção do porto.
No apagar das luzes de 2010, outro baque para o ambiente. Na última semana do ano a exploração de petróleo no arquipélago de Abrolhos, no litoral baiano, foi liberada pela Justiça. A área, com 95 mil quilômetros quadrados, é considerada uma das maiores concentrações de biodiversidade do Brasil. “Se continuar assim, é um indicativo de que a agenda do governo não priorizará a prevenção e o combate de novos desastres em sua política ambiental”, diz Furtado.
2010 no mundo
Não foi apenas o Brasil que sofreu com desastres ambientais e desrespeito à conservação da natureza no ano passado. O desequilíbrio climático contribuiu para piorar as cheias que afetaram o Paquistão por vários meses, consideradas pelo porta-voz da ONU para assuntos humanitários, Maurizio Giuliano, piores que o tsunami de 2004 no Oceano Índico. As enchentes trouxeram destruição para cerca de um quarto do país, afetando mais de 20 milhões de pessoas e causando pelo menos 1.600 mortes.
Além de mortes causadas por temporais somados à falta de estrutura nas cidades para lidar com o problema, houve problemas ambientais provocados pelo homem em 2010 que poderiam ter sido evitados. O caso mais emblemático foi o derramamento de óleo no Golfo do México. No dia 20 de abril, uma ruptura na plataforma da petroleira BP matou 11 trabalhadores e provocou o maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos. Por 14 semanas os cientistas calculam que em torno de 172 milhões de galões de óleo foram despejados no Golfo do México.
A pesca foi suspensa por meses, golfinhos, pelicanos e milhares de outros animais foram mortos e quilômetros de praias foram invadidos pelo óleo. O prejuízo financeiro foi de aproximadamente US$ 11,2 bilhões. O ambiental é inestimável.
Em dezembro, a Nasa, agência espacial americana, anunciou que 2010 estava prestes a se tornar o ano mais quente dos últimos 130 anos. A previsão se confirmou na semana passada, quando a agência espacial americana juntamente com Administração Nacional Oceânica e Atmosférica publicou o resultado oficial.
Além de tempestades piores, o desequilíbrio climático também tende a aumentar a frequência e a intensidade de ondas de calor. A Rússia é um exemplo recente, ao enfrentar em julho a pior onda de calor dos últimos mil anos. Áreas conhecidas pelas baixas temperaturas, entre elas a Sibéria, sofreram com temperaturas que alcançaram diversas vezes os 40ºC na sombra.
O calor também trouxe problemas para os oceanos. Informações divulgadas pelo Global Coral Reef Monitoring, órgão responsável pelo monitoramento de corais no mundo, mostraram que as altas temperaturas expõem as barreiras de coral no mundo a um severo estresse, colocando em perigo não só o ecossistema mas também a pesca que alimenta milhões de pessoas. Segundo o instituto, as barreiras de coral próximas à linha do Equador são as mais afetadas. Muitas delas morrem por causa do calor e as que resistem acabam perdendo suas cores e se tornando brancas.
Apesar de todos os desastres e sinais evidentes de que é preciso se mexer para evitar situações ainda mais perigosas, os governos perderam mais uma boa chance. A 16ª Conferência do Clima (COP-16), realizada no fim de 2010 em Cancún, foi cercado de debates burocráticos e terminou sem grandes resultados expressivos.
Mais uma vez os governos adiaram a discussão mais importante – como reduzir a emissão global de gases do efeito estufa, que levam ao aquecimento global. Nem a criação do “fundo verde”, que até 2020 deverá liberar US$ 100 bilhões por ano com o objetivo de apoiar os países em desenvolvimento para se adaptarem às mudanças, foi um grande passo, pois ainda carece de regulamentações importantes para saírem do papel.
(Greenpeace Brasil, 18/01/2011)