Mobilizações camponesas e o aumento de preço da tortilha no final de dezembro impuseram um freio temporário ao Senado mexicano, que se preparava para levantar a proibição nacional de empregar o milho na produção de álcool combustível. A modificação legal está incluída na reforma da lei de bioenergéticos, impulsionada durante dois anos pelo ex-senador Mario López Valdez, que governa, desde o dia 1º, o Estado de Sinaloa. A decisão foi aprovada em comissões por todos os partidos políticos e apresentada em primeira leitura no dia 9 de dezembro.
A campanha não governamental “Sem Milho Não Há País” lançou um alerta contra a iniciativa, que finalmente foi suspensa enquanto nos últimos dez dias do ano o preço da tortilha de milho, alimento básico da dieta mexicana, disparava com aumentos de até 50%. Frearam a tentativa legal os senadores do Partido Revolucionário Institucional, que busca recuperar a Presidência em 2012, nas mãos do conservador Partido Ação Nacional nos dois últimos governos.
“O problema continua latente, porque há muitos interesses de empresas (produtoras de etanol) do Brasil, Colômbia e Estados Unidos”, disse ao Terramérica o diretor-executivo da Associação Nacional de Empresas Comerciantes de Produtores do Campo, Víctor Suárez. O governo federal do México importa por ano dez milhões de toneladas de milho amarelo, usado na alimentação animal, para abastecer 30% da demanda nacional ao custo de US$ 3 milhões, indica a campanha Sem Milho Não Há País.
A insuficiente produção nacional foi uma das razões para autorizar, em 2008, o cultivo de variedades transgênicas neste país, berço deste cereal. A lei proíbe que o milho seja utilizado para fabricar etanol quando há déficit deste alimento. A reforma propõe substituir esta proibição nacional por uma regional, de maneira que os Estados com excedente de milho, como Sinaloa – onde já funciona uma unidade processadora de etanol a partir do milho importado –, possam desviá-lo do mercado alimentar para a geração desse biocombustível.
A exposição de motivos da iniciativa diz que a reforma beneficiará os camponeses nessas regiões, pois poderão vender sua produção, sem colocar em risco a segurança alimentar. Além disto, argumenta que isso reduziria a dependência dos combustíveis fósseis, pois o etanol, usado como substituto ou complemento no transporte automotivo, libera menos gases-estufa do que os derivados do petróleo. As autoridades federais ficariam encarregadas de regular a produção de etanol de milho em caso de contingências, flutuações e outros fenômenos que possam ocasionar uma monopolização do milho, revendo periodicamente a disponibilidade do grão.
“É uma loucura que só tem por finalidade enriquecer grandes produtores”, disse Víctor. “Estamos nessa loucura de, existindo no México 20% de população em extrema pobreza e com 45% de importação de alimentos, entrar na lógica de produzir etanol a partir de alimentos básicos. Além disso, o etanol sem subsídios não tem nenhuma rentabilidade econômica”, acrescentou. Segundo o Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social, nos primeiros quatro anos de governo de Felipe Calderón, iniciado em 2006, a proporção de pessoas que não podem atender suas necessidades básicas de alimentação passou de 14,4% para 18,2%. Por outro lado, o Senado freou uma reforma impulsionada por organizações da sociedade civil para incluir na Constituição o direito à alimentação.
Com o argumento de garantir a segurança alimentar, o governo autorizou, em março de 2009, o plantio experimental de milho transgênico em quatro Estados do Norte, embora a ciência ainda não tenha evidências concludentes sobre os efeitos na saúde e no meio ambiente destes organismos geneticamente modificados. “A questão central é o processo de modificação genética”, explicou ao Terramérica o pesquisador Javier Cruz Mena, da Direção Geral de Divulgação da Ciência, da Universidade Nacional Autônoma do México. “A célula é bombardeada com micropartículas do gene que será introduzido e nada garante em que parte da célula cairão” tais partículas.
O milho não só é o principal alimento da cozinha mexicana, como também é elemento cultural fundamental dos povos originários. Segundo uma lenda maia, os deuses criaram os humanos a partir do milho, que ainda é usado em alguns rituais nativos. Agora, seu preço depende dos mercados internacionais e as bolsas de cereais estão cada vez mais influenciadas por compras e investimentos especulativos, que vão além da oferta e da demanda de alimentos. A isto se somam outros fatores externos, como a demanda de milho para etanol nos Estados Unidos, que absorve mais de 37% da produção, o fechamento das exportações russas de trigo, decidido em agosto devido à onda de calor que arruinou as colheitas, ou as atuais inundações na Austrália.
A tortilha, preparada com milho branco, chegou a subir 50% em alguns estados, passando de nove pesos mexicanos (US$ 0,74) para 12 a 15 pesos (US$ 0,99 a US$ 1,20). As autoridades anunciaram multas aos moinhos e, em meio ao escândalo, o Senado jogou na gaveta a reforma da lei de bioenergéticos. “O governo se Poe a dizer que não podemos aumentar a tortilha e que abusamos, mas o milho e a gasolina aumentam e não dizem nada”, queixou-se ao Terramérica Juan Martínez, moleiro na Cidade do México.
O produtor agropecuário Víctor Suárez diz que este país pode produzir o que precisa para alimentar seus mais de 112 milhões de habitantes. Contudo, o campo foi “abandonado” por uma decisão de entregar a produção agrícola aos Estados Unidos no contexto de acordos de livre comércio, sob um “princípio falso” do beneficio comparativo. O rendimento médio dos agricultores de milho mexicanos é de 3,3 toneladas por hectare, mas a maioria obtém menos de uma tonelada por hectare, muito abaixo da produção dos Estados Unidos. “Não há investimento nem pesquisa no campo, e isso é uma decisão política de 25 anos. Precisamos de tecnologia, mas não transgênica, e sim uma que permita cuidar do meio ambiente e da biodiversidade, baseada na pesquisa científica”, insistiu Víctor.
(Por Daniela Estrada, IPS, Envolverde, IHU-Unisinos, 17-01-2011)