Na festeira Salvador, o bloco do barulho sai de todos os cantos: bares, igrejas, casas, espaços de eventos e carros. Os ensaios gerais nos bairros mexem com o ritmo de vida dos moradores e atividades simples como atender telefone, assistir TV e dormir, entram em descompasso.
E, nos primeiros 15 dias do ano, o número de incomodados já passa de 500, segundo a Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom), responsável por combater poluição sonora. No ano passado, foram 52 mil reclamações.
Para atender aos chamados, a Sucom conta com apenas 36 fiscais e 15 operadores no call center. “O mínimo ideal seria o dobro de funcionários. Mas a prefeitura tem sinalizado que vai realizar concurso público para resolver esta questão”, diz Elmo Costa, gerente de Fiscalização e Prevenção à Poluição Sonora, sem estabelecer previsão para que a estrutura do órgão seja ampliada.
Equipamentos de alto custo transformam carros em minitrios
Enquanto isso, quem precisa do serviço pode ficar sem atendimento. E com o incômodo. Pelo menos duas das 500 queixas deste ano são do jornalista Osvaldo Gomes Filho, 61 anos. Ele mora no Caminho das Árvores - região da Pituba, bairro líder no ranking dos mais barulhentos - com a esposa, dois filhos e a neta recém-nascida.
Por lá, o canto dos pássaros cedeu lugar à música em volume máximo. “Algum esperto pega o estacionamento e, no fim de semana, transforma em espaço cultural. E os vizinhos - moradores de condomínios e hotel - não podem conversar, nem ver TV. São obrigados a ouvir horríveis shows de pagode”, desabafa.
Arena
O local que motivou a queixa de Osvaldo fica na avenida Tancredo Neves, perto da Casa do Comércio. Nos dias úteis, funciona como estacionamento. Aos sábados, das 15h às 22h, torna-se o Espaço Arena 10. “Ironicamente, a banda que toca lá chama-se Os 10 Compromissados, que tem shows marcados até fevereiro. Já a gente que trabalha a semana inteira, quando quer descansar no final de semana encontra um esquema desse. Por sete horas não se ouve mais nada além deles”, diz.
No dia 8, o jornalista ligou para a Sucom. Mas, na tentativa de acabar com a barulheira, encontrou outra dificuldade. “Fui atendido pelo call center, e só. Aqui nenhum fiscal apareceu. A banda fez o show até o fim sem qualquer isolamento acústico. Quero saber se há autorização para eventos no local”, questiona.
Em resposta, o gerente de Fiscalização e Prevenção à Poluição Sonora, Elmo Costa, informou que não há licenciamento para uma temporada de shows no Espaço Arena 10. “Mas os responsáveis pelo evento obtiveram licença somente para o dia 8, com ressalvas de que a Lei de Combate à Poluição Sonora deveria ser respeitada”, disse.
Rua da Tranquilidade, na Boca do Rio: nome não condiz com realidade
A reclamação de Osvaldo, segundo Elmo, foi registrada e encaminhada a um fiscal. “A central tentou contato com o Osvaldo para checar as informações, mas como não houve resposta, o fiscal foi deslocado para outro atendimento”, afirma.
Mas o jornalista nega que a Sucom retornou a ligação. “Eu estava em casa e liguei pelo telefone fixo para reclamar. O número ficou registrado na central. Se tivessem ligado, eu teria atendido”.
O empresário da banda, Carlos Eduardo, afirma que o som do evento não afeta a área residencial. “O nosso equipamento não chega nem a 50 decibéis. Se há incômodo é porque ali é área nobre, um dos locais mais caros de Salvador”, argumenta.
Barulho em 2010
Pituba - 1.557 reclamações
Liberdade - 1.254
Itapuã - 1.245
Pernambués - 1.216
Uruguai - 1.053
Boca do Rio - 1.013
Ribeira - 993
São Caetano - 917
Federação - 846
Brotas - 800
Uma rua nada tranquila
Quando veio morar em Salvador há quatro anos, a funcionária pública aposentada Maurina dos Santos, 59, queria encontrar um lugar sossegado para cuidar da filha Ana Paula, 34, que faz tratamento de saúde, à base de remédios controlados. A rua da Tranquilidade, na Boca do Rio seria o ideal.
“Ficou só no nome. Nem o caminhão do lixo respeita os horários. Tem dias que a coleta é feita de madrugada. Tomo cada susto com a barulheira. E durante o dia ninguém tem chance. Carro de som, táxis, os ambulantes. É uma confusão! Não tem fiscalização e, nos finais de semana, quando dá dez horas da noite piora”.
Mas, diante da confusa orquestra sonora, Maurina já se diz conformada. “Vou procurar a Sucom pra quê? Senti na pele quando precisei denunciar uma construção irregular perto de outra casa que morei. Quando eles (os fiscais) chegaram, a obra já tinha terminado”.
De acordo com Elmo Costa, da Sucom, em 2011 a estratégia de combate à poluição sonora será diferente. “No ano passado, trabalhamos com o viés educativo, mas vimos que não temos efetivo suficiente para atender toda a cidade. Por isso, vamos atuar prioritariamente nos dez bairros com maiores índices de reclamação”.
MP confirma: cidade é recordista
O Ministério Público do Estado atesta: Salvador é capital recordista em poluição sonora. “É preocupante. Sem dúvida alguma dizemos isto sobre a nossa cidade”, afirma o promotor de Justiça do Meio Ambiente Marcelo Guedes. Segundo ele, embora a poluição sonora seja constante, no Verão o combate deve ser intensificado. “É sazonal, mas temos o boom da música baiana e precisamos que todos os eventos, principalmente, sejam realizados em locais adequados”.
Marcelo Guedes, que é coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça do Meio Ambiente (Ceama), ressalta que a perturbação ao sossego alheio a qualquer hora do dia é crime. “As ações não têm horário para que sejam ilícitas. Se a emissão de som ultrapassar o limite legal permitido, o responsável deve ser denunciado”, orienta ele.
Saúde é afetada
Além de distúrbios auditivos, o zum-zum-zum dos decibéis acima do permitido pode provocar outros efeitos negativos à saúde. Na lista estão a insônia, estresse, depressão, dor de cabeça, hipertensão, perda de memória, agressividade e mau humor. Especialistas recomendam alguns minutos de meditação por dia para ajudar a interromper o estresse acústico.
Quem mora perto de vias movimentadas, por exemplo, deve equipar as janelas com vidros duplos, que dificultam a passagem do som. Cortinas e móveis também ajudam a minimizar os ruídos. Na hora de dormir, outro recurso são os protetores de ouvido feitos de silicone, que servem também para o ambiente de trabalho. Já no trânsito, deve-se evitar ficar com o som ligado dentro do carro. Se o barulho externo for muito grande, a sugestão é fechar os vidros e ligar o ar.
Som de carros lidera reclamações na Sucom
Barulho sobre quatro rodas. Basta abrir o porta-malas do carro e lá está a estrutura de um minitrio. Do total de reclamações registradas pela Sucom, 43% são por causa do som de veículos. “É um poluidor ambulante. Em nossa central podemos registrar diversas reclamações sobre um mesmo veículo. Os moradores sentem-se incomodados e nos procuram para resolver o problema. O número aumentou no momento em que a Sucom se mostrou à sociedade”, diz Elmo Costa.
Segundo ele, na semana passada, uma operação em São Tomé de Paripe, no Subúrbio Ferroviário, apreendeu um equipamento de alto custo. “O veículo tinha de duas baterias a mais para sustentar o som. O dono resistiu e o conduzimos à delegacia. Lá, ele se negou a pagar multa (que varia de R$ 1,2 mil a R$ 100 mil) e disse que arremataria o equipamento em leilão previsto em lei nesses casos”.
Segundo o gerente de Fiscalização e Prevenção, a prefeitura ainda não decidiu qual destino dará aos equipamentos apreendidos. “Todo material fica armazenado em um depósito. Não realizamos leilões para que essas estruturas não retornem às ruas com preços mais baixos, inclusive”, revela Elmo.
(Correio 24 horas, 15/01/2011)