Matéria no Globo de domingo, 9/1, mostra que só o desmatamento direto das 61 hidrelétricas e suas linhas de transmissão alcançaria 5,3 mil km2. Mas esse cálculo não conta os efeitos indiretos, que são maiores. Obras longas desse tipo abrem espaço para novas frentes de ocupação. Nunca se estudou o efeito conjunto do represamento de tantos rios amazônicos sobre o regime hídrico da região. Ele pode afetar a resiliência da floresta e do sistema ecológico do qual ela faz parte, reduzindo as áreas e os períodos de alagamento. As secas de 2005, no rio Amazonas, e de 2010, no Negro, mostram que mesmo rios caudalosos podem ser extremamente vulneráveis a mudanças no fluxo das águas. Eles fazem parte, também, do sistema de geração de vapor d’água e umidade. Avaliar todas essas consequências não é trivial e não há estudos que permitam hipóteses razoáveis sobre a segurança ambiental conjunta desses projetos.
O quadro se agrava porque o programa energético é parte de um projeto de desenvolvimento para a Amazônia que é equivocado do ponto de vista ambiental, econômico, logístico e energético. As rodovias planejadas para construção ou asfaltamento vão se constituir em poderosos vetores de desmatamento, atingindo áreas hoje mais preservadas da floresta. O mapa mostrado pela matéria do Globo, se completado com as rodovias, mostra toda a Amazônia sendo afetada. Esse plano constitui um risco grave e presente à integridade da floresta amazônica. O professor Paulo Fernando Fleury, do Instituto ILOS, avaliou essas rodovias em comparação a hidrovias e ferrovias, como alternativas para o transporte de grãos: elas emitem mais gases estufa, custam mais caro – investimento mais alto e maior custo de manutenção – e geram frete mais elevado. Também não se avaliou a emissão de metano das represas na Amazônia onde os rios são muito mais sedimentosos e, portanto, emitirão muito mais que os reservatórios do nordeste e sudeste, onde há, segundo estudos da COPPE, hidrelétricas que emitem mais que uma termelétrica equivalente. Se há reservatórios de alta emissão no sudeste, imagine-se na Amazônia.
Nunca foi feita uma análise séria das vantagens comparativas de outras fontes renováveis de energia elétrica, que precificasse os danos ambientais e climáticos de cada projeto, para se escolher o de menor impacto e maior benefício. Os defensores desse plano energético de alto risco e alto custo, sempre usam argumentos de escala e preço contra as alternativas. Mas não explicam como é possível, em um estado como o de Minas Gerais, considerado de baixo potencial eólico, obter o equivalente a duas Belo Monte em energia elétrica, só em um segmento da Serra do Espinhaço. Foi o que me disse o secretário de Ambiente do ex-governador Aécio Neves, José Carlos Carvalho. O governo resolveu analisar o potencial eólico no alto das serras, encontrou condições muito favoráveis, fez um projeto que viabiliza economicamente os investimentos privados e vai se tornar um grande produtor de eletricidade eólica.
Esse projeto energético do governo, que foi desenhado sob a supervisão da presidente Dilma Rousseff quando ministra das Minas e Energia e depois da Casa Civil é certamente prioridade deste governo. O país está em risco de tocar um plano que ameaça sua segurança ambiental e climática e é contra a própria segurança nacional.
Ainda sobre a Amazônia, Eliane Cantanhêde conta na Folha de São Paulo também de domingo que o exército pretende implantar um Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras que terá uma parte expressiva na Amazônia. Esta é uma notícia muito boa para a região. Com o sucesso do sistema SIPAM-SIVAM no controle do espaço aéreo da região, o tráfico de drogas que se fazia por aviões e campos clandestinos de pouso desceu para os rios. Essa rota é muito mais perigosa: ela corrompe populações ribeirinhas, alicia e vicia jovens nas periferias de cidades como Manaus e Belém e se junta com o contrabando de espécies protegidas e o desmatamento ilegal. Escrevi sobre esta ameaça à Amazônia e seu povo, em 2008, para O Eco. Essa nova forma de tráfico requer outro tipo de controle aéreo e embarcações fluviais capazes de confrontar as potentes lanchas dos traficantes. Como relatei naquela reportagem:
"Essa enorme malha fluvial é muito difícil de monitorar. A fronteira é enorme, parte selva, parte savana, parte água, muito difícil de controlar. Mas, na opinião do general, dá para ser mais eficiente, unindo forças, para fazer operações conjuntas das Forças Armadas, Polícia Federal, Ibama/ICMBio, com transportes mais ágeis. As autoridades militares e policiais federais da Amazônia estão preocupadas com a convergência entre crimes ambientais e crime organizado, principalmente o narcotráfico."
A Amazônia precisa desse sistema de proteção. Mas precisa, mais ainda, que o Brasil e o governo federal em particular se debrucem sobre ela, revejam os planos que têm para a região e que representam um perigo inaceitável. A partir daí, se inicie a formulação de um plano integrado de desenvolvimento e segurança da Amazônia, que combine novas atividades sustentáveis de valor agregado; educação, ciência e tecnologia; segurança ambiental e climática. Essa região é crítica para o futuro do país e não pode ser desenvolvida a ferro e fogo, como foi a região da Mata Atlântica.
(Por Sérgio Abranches, Envolverde/Ecopolítica, 12/01/2011)