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el niño la niña impactos mudança climática
2011-01-11 | Tatianaf

O planeta vive a manifestação meteorológica mais forte do La Niña em 50 anos, com inundações sem precedentes na Austrália e secas no Brasil, Uruguai e Argentina, que afetam inclusive os preços dos alimentos. Os cientistas começam a considerar que a mudança climática poderia estar potencializando os impactos do El Niño/Oscilação do Sul (Enos), um ciclo que afeta periodicamente os padrões meteorológicos em todo o mundo.

La Niña e El Niño são, respectivamente, as fases fria e quente do Enos, e fazem parte do sistema de regulação do calor no Oceano Pacífico equatorial. Ambos se apresentam quando as mudanças oceânicas e atmosféricas são simultâneas. Em condições definidas pelos especialistas em clima como “neutras”, as altas pressões costumam dominar a atmosfera do Pacífico oriental, enquanto as baixas predominam no oeste. A diferença de pressão gera os ventos alísios, que sopram de leste para oeste sobre a superfície do Pacífico equatorial, levando as águas quentes para o ocidente. As águas profundas e mais frias emergem, então, no leste para substituir as quentes.

Nos eventos do La Niña, estas diferenças de pressão são mais acentuadas, os alísios sopram com mais força e geram uma corrente fria mais intensa no Pacífico oriental. Por outro lado, com o El Niño a pressão alta se apresenta no Pacífico ocidental, e a baixa próximo das costas americanas. Os alísios enfraquecem ou mudam de direção e as águas quentes se expandem pelo leste do oceano. “Em 2010 houve uma transição muito rápida do El Niño para o La Niña”, disse ao Terramérica o especialista em clima Kevin Trenberth, do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas, com sede no Estado do Colorado, centro dos Estados Unidos.

O El Niño foi forte, durou um ano e terminou em maio, e no prazo de apenas dois meses surgiu o La Niña, explicou. O atual La Niña não só pôs fim a dez anos de seca na Austrália como inundou cerca de 850 mil quilômetros quadrados nesse país, área equivalente à da França e Alemanha juntas. Também causou inundações mortais no norte da América do Sul e criou condições de seca nas partes central e sul do continente. Em consequência, foram afetados os rendimentos agrícolas. Os preços internacionais dos alimentos alcançaram um recorde em dezembro, informou no dia 5 a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).

“Desde a década de 1970 são registradas mudanças no fenômeno El Niño-La Niña. Trata-se de um ciclo complexo, mas as secas, inundações e outras manifestações associadas a ele foram mais fortes nos últimos 30 a 40 anos”, disse Kevin. Como o aquecimento altera os fundamentos do sistema climático mundial, prendendo mais calor e até 4% mais vapor de água na atmosfera, é razoável concluir que também influa no Enos. “Seria surpreendente se não o fizesse”, afirmou.

Foram os pescadores peruanos que criaram o nome El Niño, por causa do Menino Jesus, pois notavam os efeitos do aquecimento das águas nessa área do Pacífico próximo ao Natal. Com o passar dos meses, e às vezes dos anos, o calor superficial do oceano se dissipa e as águas mais frias e profundas sobem para a superfície. Assim são restauradas as condições naturais ou se apresenta o La Niña, que traz consigo correntes ricas em nutrientes que causam uma explosão da vida marinha e boas temporadas de pesca.

Os pescadores podem esperar um bom ano para 2011, pois um La Niña intenso domina o Pacífico. “Este é um dos eventos mais fortes do La Niña no último meio século, e, provavelmente, persistirá no verão boreal”, disse em um comunicado Bill Patzert, oceanógrafo e especialista em clima do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, a agência espacial norte-americana.

O Enos tem um ciclo de três a sete anos, com média de quatro anos para passar de El Niño para La Niña. Porém, varia consideravelmente, tanto em periodicidade como em força, segundo Kevin. Cada ciclo é diferente e imprescindível e no momento é impossível tentar reproduzi-lo mediante modelos climáticos informatizados, acrescentou. Apesar de haver provas de que as inundações e as secas pioraram, a ciência ainda não conta com provas claras de que a mudança climática afetou o ritmo do Enos, por exemplo, encurtando o ciclo, como ocorre agora, “mas poderia estar acontecendo”, afirmou.

As emissões poluentes em razão das atividades humanas agem como uma dupla coberta sobre a atmosfera, prendendo mais calor do que o retido naturalmente. Quase todo este calor extra é absorvido pelos oceanos. Estes vêm esquentando desde os anos 1970, e é provável que isso também influa no Enos, disse Julia Cole, cientista climática do Instituto do Meio Ambiente da Universidade do Arizona. O Enos sempre teve uma enorme variação, e suas forças motrizes ainda não são totalmente conhecidas, o que torna muito difícil determinar como é afetado pela mudança climática ou prever futuras modificações do ciclo, disse Julia ao Terramérica em entrevista por correio eletrônico.

Contudo, as últimas pesquisas sugerem que no futuro “poderemos, inclusive, termos novos ‘sabores’ do ENOS”, acrescentou a cientista. As inundações causadas pelo La Niña na Austrália não tem precedentes. Pelo menos dez pessoas morreram e as perdas são calculadas em milhares de milhões de dólares. Boa parte das inundações ocorreu no Estado de Queensland, cujos rios fluem para o Mar do Coral, e espera-se que tenham repercussões importantes na Grande Barreira de Coral.

As águas das chuvas varreram as terras, removendo e arrastando para o mar enormes quantidades de sedimentos e substâncias contaminantes. É provável que tenham “um impacto enorme” no maior sistema de arrecifes do mundo, disse Charlie Veron, ex-chefe científico do Instituto Australiano de Ciências Marinhas. “Sem dúvida, este La Niña tão forte está provocando as inundações, mas a mudança climática poderia estar potencializando seus efeitos”, disse Charlie por correio eletrônico.

As vastas plantações de cana-de-açúcar de Queensland submergiram, mas os cultivos no Brasil, Uruguai e Argentina estão ressecados pela falta de chuva que, no final de dezembro, já causou carestia dos alimentos, segundo um informe da FAO divulgado no dia 5. As contínuas secas na Argentina e o mortal frio na Europa e América do Norte poderiam ajudar a elevar ainda mais o preço dos alimentos, alerta a FAO. Embora o La Niña mantenha fria boa parte do Pacífico sul há meses, 2010 igualou 1998, quando o El Niño se manifestou com intensidade. São os dois anos mais quentes da história desde que começaram os registros.

(Por Stephen Leahy, Terramérica, Envolverde, 10/01/2011)


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