O governo planeja desmatar 5,3 mil quilômetros quadrados (km2) de floresta no país, o que equivale à área dos 19 municípios da região do Grande Rio, para construir 61 usinas hidrelétricas e 7,7 mil quilômetros de linhas de transmissão. A maior parte dos projetos fica na nova fronteira energética do país, a Amazônia Legal, que congrega nove estados.
Apesar de impressionante, o impacto pode até ser maior, já que o número leva em conta apenas a área que será alagada pelas hidrelétricas e a extensão das linhas de transmissão, e não inclui o desmatamento no entorno. E ainda não entraram no cálculo as obras previstas na segunda edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-2), como rodovias e ferrovias, cujo dano ambiental não foi estimado nem mesmo pelo governo.
A meta é instalar 61 novas usinas em todo o Brasil até 2019 para jogar no sistema mais 42 mil megawatts (MW) de energia. As maiores usinas ficarão na região amazônica. Custos, financiamento, cronograma, necessidade de mão de obra e potencial energético dos projetos estão minuciosamente explicados em 330 páginas no Plano Decenal de Energia, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE, órgão responsável pelo planejamento do setor), e no PAC-2. Mas não há análise profunda sobre os impactos ambientais: a previsão de recursos previstos para aplicar em compensações é de R$ 614 milhões, o que corresponde a 0,5% do valor das obras.
— A experiência mostra que uma área adicional também é desmatada por causa dos investimentos no local. Por exemplo, os projetos atraem as pessoas para trabalhar na obra e um outro grande número vem espontaneamente buscar oportunidades. Depois da obra, parte desta população fica e gera um crescimento populacional acima da média por vários anos — avalia Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), lembrando que, na região de Tucuruí, por exemplo, as taxas de crescimento populacional continuam sendo duas vezes maiores que a do resto do país, mesmo três décadas depois da implantação do projeto.
Setor elétrico é caixa-preta, diz procurador federal
A gritaria que, no passado, levantou-se contra Tucuruí, voltou-se hoje contra Belo Monte, que já acumula oito ações na Justiça. O próprio Conselho Nacional de Política Energética decidiu pela proibição de qualquer nova usina no rio Xingu, no Pará. Ainda assim, das 61 hidrelétricas previstas pelo governo, 15 delas, segundo a própria EPE, interferem diretamente em áreas de conservação ambiental, três delas afetam indiretamente, enquanto 13 projetos interferem direta e indiretamente em reservas indígenas.
A Eletrobras minimiza o impacto ambiental, alegando que as novas usinas terão pequenos reservatórios e vão desmatar pouco. O planejamento das novas hidrelétricas tende, segundo a estatal, a manter o reservatório na área que o rio já ocupa nas épocas das cheias.
— O desmatamento oficial provocado pela instalação destas novas usinas na Amazônia Legal é apenas um dos exemplos de passivos ambientais promovidos pelo próprio governo — critica o procurador da República Felício Pontes Jr., do Ministério Público Federal (MPF) do Pará, ferrenho crítico do projeto da hidrelétrica de Belo Monte. — O setor elétrico no país é uma das maiores caixas-pretas do governo, nada é discutido e nem as audiências públicas são respeitadas. Sem falar no fato de que os valores das compensações socioambientais são calculados com base no valor da obra e não no passivo socioambiental gerado.
(Por Liana Melo e Henrique Gomes Batista, Extra, 08/01/2011)