Parece que o efeito estufa não anda apenas afetando a agricultura em nosso País, porque algo está provocando impacto dramático na cobertura da agropecuária em nossos principais jornais e revistas. Pouco a pouco ela anda definhando de tal modo que, em alguns momentos, praticamente desaparece da mídia ou assume certas formas ou desvios que merecem ser assinalados.
O abalo mais contundente pode ser visto (ele se manifesta já há algum tempo) no veículo emblemático da área: o Suplemento Agrícola do jornal O Estado de S. Paulo, que anda tão magrinho que chega a dar dó. A edição que saiu no dia 5 de janeiro de 2011 basicamente não trazia notícias, resumindo-se praticamente à página central e à última página, com algumas cartas e uma notinha isolada na página 3, de um caderno com 8 páginas, formato tablóide. Pra quem já foi referência na cobertura agropecuária e que se sustenta galhardamente por 57 anos e quase 2.900 edições, é de chorar.
O suplemento agrícola do Estadão já foi gordo, robusto, mas está sofrendo de alguma doença grave, que pode ser a falta de compromisso do jornal com a cobertura agropecuária, a falta de anunciantes (o pessoal da fazenda parece que não gosta mesmo de material jornalístico e prefere o marketing de produtos e serviços) e talvez até gente especializada para dar conta deste trabalho.
No fundo, o que acontece com o Estadão se reflete nos outros principais jornais do País (vide Folha de S. Paulo, O Globo etc) que sofrem de uma síndrome cujo tratamento parece fugir da alçada de editores e de empresários da comunicação: interesse por notícias não comerciais que venham do campo. Sim, porque quando há pressão dos lobbies e acordos não muito transparentes, a divulgação de produtos e serviços ganha corpo, como se pode ver nas páginas de economia, generosa na badalação de transgênicos, agrotóxicos e de florestas (que de floresta não tem nada!) plantadas de eucalipto (que horror!), uma aberração contra o meio ambiente e o espírito crítico.
É triste perceber na cobertura de veículos de prestígio, como o Valor Econômico, a influência nefasta de grandes exportadores, de tal modo que o jornal prefere chamar agrotóxico (que é veneno mesmo) de defensivo agrícola para agradar os produtores e a Andef que não querem ver a sua imagem arranhada, mesmo tendo a certeza, como nós, de que o agrotóxico emporcalha o meio ambiente, mata milhares de pessoas em todo o mundo e de remedinho de planta não tem nada.
Vai lá: pode até aumentar a produtividade mas à custa da nossa saúde e da degradação ambiental: não existe almoço grátis nessa área e alguém paga a fatura (você tem dúvida de que somos nós!) que nos encaminham a todo momento.
O jornalismo agrícola anda capenga em nosso País e a situação parece contraditória porque temos uma produção agrícola importante, dependemos em grande parte da exportação de commodities (o que não quer dizer que o modelo não deveria ser outro), e porque há muita gente que depende do campo em nosso País.
Essa falta de postura crítica (os lobbies funcionam mesmo e a falta de conscientização dos nossos veículos e empresários é lamentável!) faz com que a mídia, com raras exceções, ignore os problemas sociais decorrentes da ação de grandes empresários (trabalho escravo, agressão ambiental, mortes decorrentes de acidentes e contaminação por agrotóxicos, pressão de empresas sobre produtores, concentração da terra e avanço de estrangeiros sobre o nosso território, desmatamento etc etc).
Apenas algumas reportagens isoladas denunciam os abusos mas eles morrem no esquecimento porque as autoridades e os parlamentares são reféns das grandes corporações agrícolas, que transitam livremente em Brasília, e de políticos que são subsidiados pelos grandes proprietários de terras, a bancada ruralista que, mesquinhamente, defende apenas os seus interesses.
A imprensa não investiga a fundo a anistia dada aos latifundiários (que sempre renovam suas dívidas) e vive à mercê de fontes comprometidas que gostam de falar mal dos órgãos de fiscalização, dos ambientalistas, e propagar os benefícios da agricultura respaldada na química e na mecanização acelerada, enquanto os problemas sociais e ambientais se aprofundam, sem qualquer solução.
É preciso considerar na cobertura da agropecuária os vários momentos (antes, dentro e depois da porteira), mas parece que a imprensa gosta mesmo, financiada e/ou influenciada pelo lobby das empresas, é de proclamar os benefícios da "moderna" agricultura, dando as costas aos seus impactos e às mazelas sociais decorrentes da implantação de grandes projetos agroindustriais. Você já percebeu como a mídia brasileira, sobretudo os jornalões, sem qualquer postura crítica, só vê vantagens nesses projetos que impactam brutalmente o meio ambiente e os pequenos produtores rurais, como o que acontece na implantação de novas fábricas para produção de papel e celulose (estão transformando o Rio Grande do Sul num grande eucaliptal!). Os indígenas do Espírito Santo sabem como foi deletéria a ação da Aracruz (ganharam até processo dela) e os trabalhadores rurais continuam sendo brutalmente explorados em madeireiras, usinas de açúcar, fazendas de café etc, sem que o Governo aja com rigor e presteza para evitar esses abusos inaceitáveis.
A imprensa ignora o processo nefasto de concentração na produção de sementes, a apropriação da água doce, a relação espúria entre a CTNBIO e as empresas de biotecnologia, a pressão dos produtores de agrotóxicos sobre a ANVISA e o IBAMA e a ação deletéria de representantes comerciais espalhados por esse Brasilzão afora, empurrando todo tipo de veneno aos agricultores que se sentem seduzidos por vantagens que logo se dissipam. Quem pode ignorar o efeito deletério do uso do glifosato pela pressão insustentável da Monsanto que quer apenas vender a sua tecnologia Round up?
A cobertura da agropecuária infelizmente está comprometida com os grandes interesses e será necessário reinventá-la para que ela possa efetivamente cumprir sua função social, libertando-se do jugo das grandes corporações agrícolas que visam apenas aumentar os seus lucros. As exceções confirmam a regra, não é assim mesmo?
Será necessário, para reverter este quadro triste, dispormos de fontes independentes (a maioria faz o jogo das grandes empresas), de parlamentares corajosos (nem me falem do Aldo Rabelo, o comunista que apóia a destruição do Código Florestal!) e de autoridades que consigam colocar-se à margem destes lobbies (até quando o Ministro da Agricultura continuará sendo indicado pelos grandes interesses, hein?) e que levem a sério a reforma agrária pra valer.
É hora de o jornalismo agrícola acordar para a nova realidade, valorizando a agricultura familiar, a agricultura orgânica, dando voz e vez aos pequenos agricultores que andam sem crédito, pressionados pelos bancos (que exigem contrapartida que só os grandes produtores conseguem dar) e colocando o meio ambiente e a questão social como prioridades.
Os cursos de jornalismo precisam formar profissionais que saibam perceber a realidade do mundo rural e que não se deixem seduzir por propaganda enganosa de empresas de biotecnologia, de papel e celulose, agroquímica, do tabaco (essas matam sem dó milhões de pessoas em todo mundo e chegam a ganhar prêmio de sustentabilidade de revistas brasileiras!) ou de alimentos (que as empresas de fastfood deixem em paz as nossas crianças e não as entupam de porcaria, como gostam de fazer impunemente!).
Reinventemos o jornalismo agrícola. O Brasil precisa acordar para a realidade que é menos cor-de-rosa como pintam alguns veículos a soldo de grandes corporações. Precisamos ouvir as minorias, os quilombolas, os indígenas, os mateiros, os movimentos sociais demonizados pela mídia tradicional.
Em tempo: Você anda lendo o que a embaixada americana andou fazendo para pressionar a União Européia visando derrubar os vetos de alguns países aos transgênicos, para favorecer sobretudo a poderosa Monsanto? O WikiLeaks revelou o esquema e ele só confirma o que temos dito por aqui e em todo lugar: cuidado com essas corporações que têm laços estreitos com os governos, especialmente nos EUA.
Aliás, você ainda não viu o filme O mundo segundo a Monsanto? Ele evidencia a relação espúria entre a Monsanto e as autoridades norte-americanas, uma "amizade" que rende lucros e royalties para todos eles. Tem livro também publicado no Brasil com o mesmo título, uma obra primorosa de investigação jornalística de Marie Monique Robin (consulte o Google e encontrará informações valiosas sobre o seu trabalho), que denuncia a ação predatória desta empresa, gigante das sementes, da biotecnologia e da contaminação química (você precisa saber que o glifosato é nefasto e que está contribuindo para aumentar as pragas que atacam a soja!).
Não confie em empresas apenas porque elas têm santo no nome . Aliás, Freud explica estes deslizes, como você pode observar nas gigantes de tabaco que tem "Cruz" e " Morris" em sua razão social. O diabo veste Prada, mas também alimenta empresas agroquímicas e de tabaco. Ah, como entendem de veneno. Sai lá prá, Satanás!
(Portal Imprensa, 08/01/2011)