Depois de uma série de problemas relacionados à liberação comercial da soja geneticamente modificada e a cobrança de seus royalties no país, chegou a vez do algodão transgênico - que deverá ocupar mais de 15% da área plantada na safra atual - começar a gerar disputas semelhantes entre produtores e empresas. Apesar de a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) já ter liberado comercialmente sete variedades de algodão modificado, produtores acusam as empresas de limitarem a introdução de novas tecnologias e encarecer os royalties para recuperar os investimentos realizados.
A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e entidades estaduais acusam a Monsanto de elevar em 37,5%, para US$ 55 por hectare, o valor do royalty cobrado pelo algodão "RR". A Abrapa argumenta que o "Liberty Link", da Bayer, custa US$ 40 e o "Bt", da mesma Monsanto, está em US$ 37 por hectare. Ocorre que "Bt" é menos abrangente e o agrotóxico para o "LL" (glufosinato de amônio) custa muito mais caro que o glifosato usado no "RR".
Aprovado comercialmente apenas em setembro de 2008, o algodão "RR" da Monsanto vinha sendo plantado no Brasil de forma irregular mesmo antes de sua liberação. Diferentemente da estratégia usada na soja, a Monsanto optou por não cobrar os royalties sobre o produto irregular, segundo Luiz Marcio Bernardes, gerente de estratégia de algodão da multinacional americana. Ele lembra que havia um acordo de que a cobrança pelo uso da tecnologia "RR" passaria a ser feito a partir do momento que a CTNBio liberasse comercialmente a tecnologia que une em uma única semente a resistência ao glifosato e a insetos.
"Apesar de ter a tecnologia RR liberada no Brasil, optamos por não lançar nenhuma cultivar, pois o prazo de multiplicação e disponibilização aos produtores seria muito próximo ao da liberação da tecnologia Bollgard/RR. Por isso não estávamos fazendo os testes de transgenia para o algodão RR. Passamos a fazer isso a partir de agora", afirma Bernardes. O executivo admite que o processo do algodão era semelhante ao da soja, mas que a companhia não estava preparada para fazer a cobrança.
Segundo Haroldo Cunha, ex-presidente da Abrapa e atual presidente do Instituto Brasileiro do Algodão, a Monsanto está segurando os lançamentos de novos produtos para recuperar os investimentos feitos no "RR" até hoje. A expectativa dos produtores é pelo "RR Flex" e o "Bollgard II", cujo espectro é muito mais amplo. "Queremos inovação, mas tem que ter um custo compatível. Não pode absorver toda a margem. E temos que nos preparar para quando a arroba voltar a US$ 0,70 ou US$ 0,80 lá na frente", afirma Haroldo Cunha.
A própria Monsanto admite que o Brasil está atrasado em relação a outros países no que se refere ao uso de transgênicos no algodão. De acordo com Bernardes, já existe nos Estados Unidos a tecnologia Bollgard II Flex, que amplia o controle de pragas. "Não temos, no entanto, a estratégia de brecar nenhuma tecnologia. Se pudêssemos ter a melhor tecnologia desde o começo teríamos feito isso, pois conseguiríamos mais competitividade e maior participação de mercado. Vale lembrar que somos uma empresa totalmente voltada para a agricultura", diz ele.
Ainda na linha dos transgênicos, mas ainda sem grandes problemas junto aos produtores, a Bayer tem no mercado o algodão "Liberty Link", resistente ao glufosinato de amônio, mas já tem aprovado o Widestrike - em parceria com a Dow AgroScience -, resistente a insetos e ao glufosinato, e obteve em dezembro de 2010 a liberação comercial do GHB614, resistente ao glifosato.
"Ainda estamos em nossa primeira geração, mas o que vem pela frente é ainda melhor", afirma Alex Merege, diretor da unidade de BioScience da Bayer para América Latina. De acordo com ele, a empresa tem conversado com a Abrapa para garantir o pagamento dos royalties e mostrar que a maior parte do benefício fica com o produtor.
(Por Alexandre Inacio e Mauro Zanatta, Valor Econômico, MST, 05/01/2011)