A construção da hidrelétrica de Belo Monte, no centro do Pará, ainda enfrenta oito ações do Ministério Público Federal (MPF) pendentes de julgamento. Algumas têm decisão de primeira instância, mas nenhuma de segunda, o que significa dizer que o empreendimento, para sair do papel, depende da Justiça Federal. Segundo o procurador da República, Felício Pontes Junior, que encabeça todos os processos contra a usina, desde 2005, quando o governo Lula retomou o projeto do regime militar de fazer Belo Monte, assistimos a um “festival de irregularidades”.
Para Pontes Junior, o governo insiste em dobrar a legislação ambiental à sua vontade e é contra isso que o MPF vem se insurgindo desde 2001. “Infelizmente, os processos judiciais são muito demorados no país, o que acaba favorecendo a criação de fatos consumados e os princípios do direito ambiental, como a precaução, viram letra morta”, diz o procurador, que acusa o governo de estar criando “ritos sumários” para aprovação de empreendimentos de grave impacto, sem nenhum amparo na lei brasileira e desrespeitando até mesmo tratados internacionais.
Ele enumera cinco razões para que a hidrelétrica não seja construída: estudos mostram que a repotenciação de usinas já existentes e o investimento em melhoria nas linhas de transmissão significariam nove Belo Montes em produção energética a um custo econômico e ambiental infinitamente menor. Outro argumento é a admissão, pelo próprio governo, de que a usina, mesmo depois de construída, ficará parada a maior parte do ano. E questiona a razão de se causar tamanhos impactos numa região sensível como o Xingu, a custos altíssimos, para criar um elefante branco que quase não vai funcionar.
Sustentabilidade é o terceiro ponto: Belo Monte é de longe a obra com mais graves impactos ambientais da história do Brasil. O procurador aponta que 273 espécies de peixes estão ameaçadas com o “secamento” da volta grande do Xingu. Além disso, a água do rio, em Altamira, pode apodrecer, sem contar com a possibilidade concreta de haver remoção de povos indígenas, o que o governo não admite, porque se ocorrer, significa genocídio.
POLUENTES
O quarto motivo contrário à usina apresentado por Pontes Junior é a opção política feita pelo governo: quando o mundo inteiro discute novas formas de desenvolvimento, o governo brasileiro vai insistir em obras “megalomaníacas” em plena floresta Amazônica, aumentando as emissões de poluentes, atraindo contingente populacional e criando condições para aumentar o desmatamento novamente. Por fim, vem a justiça social. Segundo o procurador, não se pode permitir novamente o sacrifício de populações tradicionais em nome de um desenvolvimento duvidoso, que vai acabar favorecendo indústrias eletrointensivas em vez dos moradores da Amazônia.
A postura do MPF, porém, não impediu o governo Lula de tomar todas as providências e realizar o leilão da usina. O procurador acredita que a eleição teve influência nessa decisão. Para ele, o objetivo de tanta pressa, violência e falta de rigor técnico era fazer o leilão da obra antes das eleições, já que na prestação de contas da eleição, as empreiteiras, maiores beneficiárias de Belo Monte aparecem como principais doadoras de todos os candidatos.
Pelas informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Camargo Correia e Andrade Gutierrez, que vão construir a hidrelétrica sem correr nenhum risco porque se retiraram do leilão, doaram juntas mais de R$ 120 milhões para várias candidaturas. As empreiteiras participaram com 27% da receita da campanha da presidente Dilma Rousseff.
Se a sociedade e a Justiça brasileira permitirem a construção da usina, afirma o procurador, esse momento será lembrado no futuro como aquele em que o Brasil “jogou no lixo” a chance de construir o desenvolvimento sustentável na Amazônia.
(Diário do Pará, 05/01/2011)