Sabão, ração animal e biodiesel são alguns dos produtos gerados a partir da reciclagem de óleo de cozinha, uma alternativa em prol do equilíbrio ecológico com o descarte correto desse tipo de produto. Porto Alegre e a região metropolitana contam com variados pontos de coleta de óleo de fritura onde a população pode levar os produtos que não podem ser reaproveitados para locais que servirão de intermediários na reciclagem e que repassam todo o material recolhido para empresas especializadas no ramo.
Coleta seletiva em Canoas
A Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Canoas desenvolve trabalho de coleta seletiva de óleo de cozinha com cooperativas contratadas, que efetuam a coleta e a triagem de óleo de fritura, posteriormente remetendo-o a empresas ou instituições que façam o processamento de reciclagem, com a formação de sabão, por exemplo. As cooperativas envolvidas na coleta de óleo de fritura em Canoas são a Associação Triagem Reciclagem Mato Grande (Atremag), Cooperativa Catadores Material Reciclável Canoas (Coopcamate), Associação Reciclagem Renascer e Cooperativa de Reciclagem Amigos Solidários de Canoas (Cooarlas).
“A Secretaria do Meio Ambiente de Canoas conta com agentes ambientais das cooperativas que desenvolvem um trabalho educacional porta a porta, informando à população a importância do descarte correto de óleo de cozinha. Há, também, trabalho de conscientização nas escolas do município”, explica Linda Maria Antoniazzi, gestora da coleta seletiva da Secretaria do Meio Ambiente de Canoas. Através do trabalho de divulgação com as cartilhas e panfletos a população pode conhecer os roteiros com as localidades, dias e horários específicos em que os caminhões de coleta seletiva passam nos bairros da cidade. “Ainda não são todos os lugares que contam com a coleta seletiva em Canoas, há alguns loteamentos e áreas de invasão, por exemplo, que ainda não foram contemplados. Mas, estamos trabalhando para a ampliação do serviço de coleta”, afirma Linda Antoniazzi.
Além dos caminhões que passam nos bairros em dias e horários pré-estabelecidos, Canoas conta com dois pontos de coleta, um no bairro Niterói e outro no Guajuviras. “As pessoas devem colocar o óleo em recipientes fechados, como garrafas PET, e entregá-los quando os caminhões passarem no seu bairro”, complementa Linda Antoniazzi. Há cerca de 20 pessoas envolvidas em todo o processo de coleta seletiva. “Nota-se uma conscientização maior da população canoense em relação ao descarte adequado de óleo de cozinha. Isso vem em grande parte do trabalho porta a porta de divulgação da coleta. As pessoas precisam pensar no destino de seus produtos”, reflete Linda Antoniazzi.
Descarte inadequado
Os óleos de cozinha diferem entre si pelo vegetal que os origina, sendo os mais comuns soja, canola, milho e girassol. Entretanto, todos os tipos de óleos comestíveis são constituídos basicamente de triglicerídeos.
Quando o descarte do óleo de cozinha acontece de maneira inadequada, o meio ambiente sofre diversos malefícios. No caso de ser descartado no solo, ocorre um processo de impermeabilização do mesmo. “Assim, no caso de uma enxurrada, por exemplo, há uma dificuldade de a água ser absorvida pelo solo, conseqüentemente os efeitos dessa enxurrada podem ser maximizados. Além disso, um dos maiores problemas é a possível contaminação por contato com as águas”, explica o químico pesquisador em metodologia química do INMETRO e pesquisador colaborativo da biotecnologia da UFRGS Jéferson Segalin.
O óleo de cozinha descartado indevidamente na pia também gera mazelas ambientais. De acordo com o químico Jéferson Segalin, “na água, o óleo pode gerar metano, que é um dos principais gases responsáveis pelo efeito estufa, sendo mais prejudicial do que o gás carbônico, também causador do efeito estufa.
Assim, na sua degradação anaeróbica, o óleo gera metano e também forma uma película sobre as águas, dificultando ou impedindo a troca gasosa e comprometendo gravemente a fauna e a flora de rios, lagos e oceanos. O oxigênio do ar tem dificuldade de ser dissolvido na água, conseqüentemente a taxa de oxigênio diminui bastante e com isso peixes e microorganismos acabam morrendo”. Esse problema tende também a encarecer o tratamento da água, pois quanto mais óleo retido na mesma, mais processos se fazem necessários para tornar a água potável.
É comum também acontecer a retenção de sólidos, problemas de drenagem e entupimentos quando o óleo de fritura usado é descartado indevidamente em pias ou vasos sanitários, já que a água é menos densa do que o óleo e acaba por gerar problemas às redes coletoras de esgoto.
O óleo de cozinha, devido às suas propriedades, pode causar sérios danos ao meio ambiente, sendo uma substância altamente poluente, principalmente em contato com a água, comprometendo sua qualidade, diminuindo a oxigenação e iluminação dos rios, fato que prejudica a vida no local. Se o produto for para a rede de esgoto encarece o tratamento dos resíduos em até 45%, e o que fica nos rios provoca a impermeabilização dos leitos e terrenos nos arredores que contribuem para a enchente.
Apresentando números mais visíveis dos malefícios que o óleo de fritura pode causar, um litro de óleo jogado no ralo contamina cerca de um milhão de litros de água, o equivalente ao consumo de uma pessoa no período de 14 anos. Portanto, jogar esse produto na pia, em terrenos baldios ou no lixo traz conseqüências graves. O óleo retido no encanamento causa entupimento das tubulações se não for separado por uma estação de tratamento e saneamento básico, além de reter outros resíduos como plástico e papel, entupindo as redes de esgoto e impedindo o fluxo de águas residuais, tornando um ambiente propício para atrair baratas e ratos.
Se não houver um sistema de tratamento de esgoto, acaba se espalhando na superfície dos rios e das represas, causando danos à fauna aquática. O óleo também gera malefícios ao solo, impermeabilizando-o e contribuindo com enchentes, ou entra em decomposição, soltando gás metano durante esse processo, causando mau cheiro, além de acentuar o efeito estufa.
Sabão a partir do óleo de cozinha
De acordo com o químico Jéferson Segalin, um dos principais processos para a feitura de sabão é a utilização do óleo de cozinha, fazendo esse óleo passar por uma filtração prévia para a retirada de partículas sólidas e lavagem para retirar resíduos hidrossolúveis. Posteriormente, é preciso misturar o óleo de cozinha com soda cáustica (constituída basicamente por hidróxido de sódio). “Através de uma reação que demora em torno de 30 minutos com aquecimento, nós transformamos os triglicerídeos na molécula de sabão”, explica Segalin.
Entretanto, o químico e pesquisador colaborativo da biotecnologia da UFRGS faz a ressalva de que na mídia há muitas pessoas incentivando a produção caseira de sabão a partir do óleo de soja. Entretanto, Segalin não recomenda essa prática, “tendo em vista que a soda cáustica é uma substância extremamente perigosa, que provoca queimaduras quando em contato com a pele, podendo causar cegueira em contato com os olhos. Além disso, o processo de produção é relativamente complexo, pois não adianta pegar o óleo, misturar com a soda cáustica e aquecer. Até se consegue produzir um sabão, mas é um produto de baixíssima qualidade. Se as pessoas que estão produzindo esse sabão vierem a utilizar esse produto podem ter problemas como dermatites e queimaduras na pele.
As roupas que forem lavadas com esse produto ficam com um PH muito alto e terão uma durabilidade menor”. Então, o recomendado é a pessoa utilizar o óleo e quando ele não puder mais ser reutilizado é correto descartá-lo em uma garrafa PET, fechando-a bem e entregando-a a um posto de coleta, no DMLU, em supermercados ou em escolas. Esse é o procedimento mais adequado. “Eu não recomendo que a própria pessoa faça seu sabão, pois é um processo que envolve inúmeros riscos à saúde pela manipulação dos reagentes”, explicita Segalin.
O químico também explica que para fazer biodiesel a partir de óleos comestíveis o processo é semelhante ao de feitura de sabão. Há uma quantidade muito menor de soda cáustica para a produção de biodiesel, de maneira que muitas vezes a mesma é substituída por hidróxido de potássio, considerado um catalisador mais adequado. Assim, “a produção do biodiesel envolve uma filtração, lavagem do óleo, determinação da quantidade de catalisador para a reação, mistura de reagentes, adição de metanol ou etanol (alcoóis), aquecimento e formação final de biodiesel, sendo separado da glicerina e estando pronto para o uso”, esmiúça Segalin.
Colocado como solução para os problemas climáticos pelo fato de ser menos poluente, o biodiesel pode ser obtido através do cultivo de monoculturas como a cana-de-açúcar e outras plantas, que, em contrapartida, são altamente nocivas aos solos, deixando-os rapidamente empobrecidos, já que o plantio de apenas uma cultura retira os nutrientes da terra, de modo que não permite um tempo considerável para a recuperação dos nutrientes utilizados pelas plantas nesses espaços.
Porém, com a utilização das terras para a produção de biocombustível, consequentemente diminui a oferta de alimentos e o preço deles acaba por sofrer uma inflação muito grande, também em decorrência do aumento do custo de produção, afetado pela diminuição de matéria-prima para a produção dos alimentos necessários à sobrevivência, regulado de acordo com a lei da oferta e da demanda.
Por isso, a utilização do óleo de cozinha para obtenção de biodiesel é muito importante tanto na questão ambiental, com a exclusão do risco desse material poluir milhares de metros cúbicos de água de rios e lagos, diminuir a prática de monoculturas que rapidamente causam o esgotamento dos solos e sua inutilização para a agricultura, além de manter a economia no ramo de alimentos equilibrada, de modo a não gerar inflação e, por conseqüência, um impacto forte nos mercados.
O químico Jéferson Segalin ressalta que o processo para feitura de sabão por meio do óleo de cozinha pode causar riscos à saúde.
Coleta seletiva no DMLU
A coleta seletiva de óleo de cozinha ocorre desde 2007 no Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) de Porto Alegre. O DMLU efetua divulgação desse trabalho em escolas e por meio de empresas que são cadastradas com a prefeitura de Porto Alegre para o recolhimento do óleo de cozinha. Assim, são utilizados folhetos informativos e cartazes de divulgação dos locais que coletam o óleo de fritura. De acordo com o funcionário da Divisão de Projetos Especiais, Reaproveitamento e Reciclagem do DMLU Diego Almeida, o óleo que não será reutilizado pelos cidadãos pode ser armazenado em garrafas PET ou frascos de vidro tampados, devendo ser levados aos locais de coleta. Duas das empresas que coletam o óleo de cozinha fazem biodiesel e uma delas faz ração animal.
O DMLU costuma divulgar o Posto de Entrega do Óleo de Fritura (PEOF) por meio de cartazes colocados nos locais de coleta.
Segundo Diego Almeida, o DMLU coletou 50.600 litros de óleo de cozinha desde 2007, havendo coleta mensal em torno de 1000 litros. De acordo com Nina Rosa, engenheira técnica do DMLU, quem efetua a coleta são as três empresas conveniadas com a prefeitura e que têm licença ambiental, sendo que também realizam a reciclagem, produzindo detergentes, material para tintas e biodiesel.
A população pode descartar corretamente o óleo de fritura no DMLU, em Porto Alegre já existem 151 postos de coleta.
Iniciativas voluntárias para a reciclagem de óleo de cozinha
Atualmente, inúmeros estabelecimentos comerciais e empresas privadas engajam-se na reciclagem de óleo de cozinha. A Tortaria Café Brasserie é um dos locais que desenvolve práticas de sustentabilidade e que faz o descarte correto de seu óleo de fritura há cerca de três anos. “Nossa intenção é não poluir a natureza e a água. Nós temos um tonel e colocamos o óleo nele para que a empresa especializada recolha e possa produzir sabão, por exemplo”, expõe Marcelo Silva, cozinheiro da tortaria. De acordo com Silva, a proprietária do estabelecimento, Regina Dossin, é adepta das práticas de sustentabilidade, fazendo uso inclusive de alimentos orgânicos para a composição de muitos pratos do cardápio. Além disso, Marcelo explica que os profissionais daquele local procuram não desperdiçar água e energia elétrica a fim de minimizar danos variados à natureza. Os funcionários receberam treinamentos para trabalharem segundo os preceitos de sustentabilidade considerados como lema do estabelecimento. “São realizadas reuniões periódicas com grupos de reciclagem, como o do Morro da Cruz, com a divulgação do aproveitamento do óleo de cozinha por meio do site e outras ações em prol da ecologia que a tortaria promove, como banheiros sustentáveis e lâmpadas especiais para a economia de energia elétrica. Também são realizadas palestras com agrônomos sobre sustentabilidade e ecologia”, explica Marcelo Silva. De acordo com o cozinheiro da tortaria, o marketing verde presente no estabelecimento angariou mais consumidores, já que a conscientização acerca dos problemas ambientais vem aumentando e a busca de soluções também.
Tonéis são utilizados na tortaria para a coleta de óleo de fritura do estabelecimento, bem como para a separação correta do lixo.
(Por Priscila Muzykant e Rafael Gonçalves, alunos da disciplina Jornalismo Ambiental da FABICO/UFRGS, EcoAgência, 04/01/2011)