Na Amazônia peruana uma espécie de ave é descoberta ao ano e uma de mamífero a cada quatro, mas paradoxalmente cada nova descoberta faz parte de uma tragédia, pois ocorre devido ao desmatamento realizado por empresas de petróleo, mineradoras e madeireiras. Em muitos casos, a descoberta de uma nova espécie caminha lado a lado com o começo de sua extinção.
"As descobertas de aves, mamíferos e outras espécies na maioria ocorrem devido não a uma pesquisa científica, que custa muito dinheiro, mas pela presença de empresas petroleiras, mineradoras e de corte de árvores", disse à AFP Michael Valqui, da ONG conservacionista WWF-Peru (Fundo Mundial para a Natureza).
"Este tipo de descoberta põe em risco a espécie que se descobre, já que pode entrar em risco de extinção porque este lugar é seu único hábitat, devido ao clima ou bacia", acrescentou.
Entre as novas espécies descobertas nos últimos cinco anos estão a rã 'Ranitomeya amazonica', com coloração de fogo na cabeça e patas azuis, o papagaio-de-testa-branca e o beija-flor-de-colar-púrpura.
O Peru é o quarto país do mundo em extensão florestal, com 700 mil quilômetros quadrados de florestas tropicais amazônicas, que contribuem para reduzir o aquecimento global e abrigam grande biodiversidade.
Em outubro, mais de 1.200 novas espécies foram apresentadas em uma cúpula das Nações Unidas sobre biodiversidade. Delas, cerca de 200 foram descobertas na Amazônia peruana.
A região tem 25.000 espécies de plantas --10% do total mundial-- e é o segundo lugar do mundo com mais diversidade de aves, abrigando 1.800 espécies. Também ocupa o quinto lugar do mundo no que diz respeito à diversidade de mamíferos (515 espécies) e répteis (418 espécies).
Ernesto Ráez, diretor do Centro para a Sustentabilidade Ambiental da Universidade Cayetano Heredia, de Lima, comenta: "O número de espécies que desaparece para sempre no mundo todos os dias é muito superior ao número de espécies que descobrimos todos os dias. Há espécies, em outras palavras, que desapareceram antes que as tenhamos conhecido."
A Amazônia peruana deve fazer frente a um agressivo programa estatal de exploração petroleira e mineradora, que tem confrontado o governo e as comunidades indígenas do local.
"Uma empresa mineradora ou de hidrocarbonetos não é, em si mesma, destrutiva; a chave é se é limpa ou não", explicou Gérard Hérail, do IRD (sigla em francês de do Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento de Lima).
Segundo os cientistas, a lagartixa de Lima, um animal de hábitos noturnos encontrado apenas em "huacas" (santuários arqueológicos) da capital peruana, está prestes a se extinguir, enquanto outras espécies já desapareceram, como o rato endêmico da "lomas" ou encostas (Calomys sp, um ratinho orelhudo).
"Os arqueólogos, ao limpar as 'huacas' para sua restauração, destroem o habitat da lagartixa de apenas dois a três centímetros, com cor avermelhada, que vive nos recantos e locais escuros do local", disse Valqui, do WWF-Peru.
Em 2009, o governo propôs, perante um organismo internacional sobre mudanças climáticas a preservação de 540 mil quilômetros quadrados de florestas e reverter processos de corte e queima para reduzir o desmatamento.
Atualmente, há no Peru 70 áreas naturais protegidas, que ocupam 200 mil quilômetros quadrados, 15% do território nacional.
"Faltam sinais claros para dizer até onde o país vai na defesa de sua biodiversidade", disse à AFP Iván Lanegra, defensor adjunto para o Meio Ambiente da Defensoria do Povo.
Para Nicolás Quinte, biólogo guia do parque nacional do Manu, no Amazonas, deve-se promover "as atividades que não sejam claramente extrativistas, mas também produtivas e que sejam sustentáveis com o passar do tempo. Uma delas pode ser o turismo que usa a floresta sem destruí-la."
(France Presse, Folha.com, 03/01/2011)