O Brasil planeja ampliar a repressão contra empresas que patenteiam produtos feitos de plantas e animais raros sem compensar de forma adequada o país ou suas comunidades indígenas.
O combate à "biopirataria" ganhou o apoio de comunidades indígenas e de defensores da Floresta Amazônica, que dizem que as corporações se beneficiam injustamente de remédios e de outros produtos derivados de plantas exóticas brasileiras, cobras venenosas ou sapos coloridos.
A iniciativa, entretanto, gerou críticas. Dizem que ela atrasará a pesquisa científica e alveja de forma arbitrária os empresários que poderiam desenvolver atividades ambientalmente sustentáveis.
O Brasil aplicou mais de 100 milhões de reais em multas desde julho a empresas autuadas por não pagarem uma compensação justa pelo uso de material genético nativo do Brasil, afirmou Bruno Barbosa, coordenador-geral de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
No ano que vem, as autoridades começarão a ir ao encalço das empresas que não notificaram o governo pelo uso de espécies locais para criar produtos como os farmacêuticos, exigido por lei, indicando que as multas provavelmente aumentarão.
"Dado que isso (o combate à biopirataria) é um processo novo e que o Brasil tem uma das maiores reservas de biodiversidade do mundo, acho que a maior parte dessa atividade é ilegal, e vamos encontrar essas pessoas," afirmou ele.
Barbosa diz que os exemplos de biopirataria são abundantes, como o desenvolvimento nos anos 1970 do medicamento para hipertensão captopril a partir de um veneno de cobra usado por grupos indígenas nas pontas das flechas.
As companhias farmacêuticas também usaram o sapo Kambô amarelo e verde, encontrado no Acre, para criar drogas anti-inflamatórias sem distribuir benefícios aos moradores locais, afirmou ele. Muitos desses incidentes ocorreram antes de um decreto de 2001 que criou as regras atuais para o uso de espécies.
Este ano, o governo incrementou o esforço anti-biopirataria com uma campanha conhecida como "Operação Novos Rumos" destinada a reprimir o que chama de exploração.
Em 2011 as multas poderão chegar, cada uma, a 29 milhões de dólares e as companhias enfrentam o possível cancelamento de patente no Brasil, caso os inspetores descubram que elas não registraram o uso de espécies locais.
Uma das maiores multas aplicadas até agora foi contra a maior fabricante de cosméticos do Brasil, a Natura, afirmou Barbosa. Ele se recusou a dar detalhes sobre o valor da multa ou a infração porque o processo está em andamento.
ATRASANDO PESQUISA
Os críticos afirmam que os esforços, em geral, agressivos para evitar a biopirataria arriscam a diminuir o ritmo de importantes pesquisas científicas que poderiam resultar em novos tratamentos contra o câncer ou remédios contra doenças sofridas pela população local.
Eles afirmam que a iniciativa ameaça qualquer um que esteja interessado no uso comercial de espécies raras, complicando as metas do governo para o desenvolvimento de institutos de pesquisa nas proximidades onde as espécies são encontradas para criar empregos nessas comunidades.
O governo deveria fazer regras mais claras porque o sistema atual acaba penalizando os que fazem o esforço maior para ser transparente no uso do material genético, disse Raul Telles do Valle, que trabalha com o Instituto Socioambiental (ISA).
"A lei atual é muito vaga em vários pontos, ela acaba classificando todo mundo como ilegítimo," afirmou ele. "Somente a aplicação de multas na atual estrutura não vai resolver o problema."
A lei deve refletir a dificuldade de determinar como compensar as populações locais pelo conhecimento coletivo passado por gerações, afirmou ele.
Barbosa insiste que a legislação do governo é adequada e que a ampliação da luta contra a biopirataria pode ajudar a reduzir a destruição de ambientes sob risco.
"Isso vai permitir alternativas concretas que substituem a destruição do ecossistema por novos mecanismos econômicos," afirmou ele.
(O Estado de S. Paulo, 23/12/2010)