A última Conferência do Clima da ONU, que terminou dia 10 em Cancún (México), não conseguiu gerar um acordo vinculante de redução de emissões, mas chegou a um pacote de medidas que inclui a adoção do mecanismo de Redd – ferramenta que compensa financeiramente os países que conservam suas florestas.
No Brasil existem duas dezenas de projetos piloto de Redd, mas a falta de regulamentação e a possibilidade de que o mecanismo seja apropriado pela burocracia geram temor de que o dinheiro não chegue àqueles que protegem as matas.
Em entrevista, o engenheiro florestal Maurício Voivodic, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), explica como o País pode ser favorecido pelos projetos de Redd e defende que essas iniciativas deveriam valorizar mais as riquezas florestais do que a ameaça do desmatamento.
Há quanto tempo vocês trabalham para desenvolver essas “salvaguardas”?
Isso começou em 2009 durante um evento no Mato Grosso, quando já estavam surgindo projetos de Redd na Amazônia sem nenhum tipo de regulamentação e com pouquíssima transparência. Os movimentos sociais reclamavam dos riscos que as comunidades do entorno dos projetos corriam. Então, a iniciativa partiu de entidades ligadas à Aliança dos Povos da Floresta, que é uma grande rede, e veio ao encontro do desejo de outros grupos. Foram feitas três consultas públicas entre agosto de 2009 e julho deste ano reunindo lideranças da Amazônia inteira.
Os diferentes povos da floresta estavam preocupados com as mesmas coisas?
As preocupações apareceram de acordo com situações locais e por isso foi bom ter feito essas reuniões na Amazônia. As quebradeiras de coco babaçu do Maranhão, presentes na consulta feita em Belém, estavam preocupadas pois coletam os recursos em fazendas que não são de sua propriedade. Nosso texto não as incluía como beneficiadas, mas elas são responsáveis em boa medida por fixar o carbono dos babaçuais.
Como garantir que os recursos chegarão às populações que conservam as florestas?
O que a gente tem apoiado no Imaflora é que a arquitetura institucional contemple benefício para os Estados e tenha um mecanismo que garanta que o recurso chegue aos projetos. Não sabemos como, mas entendemos que a estrutura não deve ficar só no nível do governo e nem só no dos projetos. É importante que esteja amarrada ao sistema nacional de contabilidade de emissões e de redução de desmatamento.
Isso deve ficar a cargo de um órgão ambiental?
Os órgãos existentes não dão conta de organizar isso. Será preciso criar um órgão especial para controlar a questão do mercado de carbono no Brasil. Será um grande erro se o mercado de carbono ficar só conectado a florestas. É preciso criar uma legislação que permita que a ferramenta seja plugada com o futuro mercado nacional de créditos de carbono e envolva a indústria, o setor de transportes, o de energia, as legislações climáticas estaduais…
Conectar Redd ao mercado de carbono gera polêmica no movimento ambientalista, não é?
É, mas isso tem a ver com uma maneira de discutir Redd no Brasil que, na minha opinião, é equivocada. É uma tremenda hipocrisia achar que o Brasil precisa de recurso internacional para combater o desmatamento. Não existe argumento que consiga sustentar isso. Para países mais pobres cujo foco do desenvolvimento é o desmatamento, financiamento internacional e transferência de tecnologia são fundamentais. Não é o caso do Brasil. A maior prova de que não precisamos disso para conter o desmatamento é a queda nos níveis nos últimos anos.
Insistir na captação externa denota “oportunismo” ou é uma postura ideológica?
Num primeiro momento, a possibilidade do Redd apareceu como a “oportunidade da vida” para quem trabalha com proteção de florestas. O volume de recursos que tem se cogitado é maior que qualquer outro já dirigido para isso. O PPG-7, que foi o programa que mais recebeu recursos para proteger florestas tropicais, recebeu em dez anos o que o Fundo Amazônia estava programado para receber em um. Tem uma lógica de captação de recursos, sim, de aproveitar a disponibilidade para canalizar dinheiro para reduzir o desmatamento. Mas acho que não está se pensando numa estrutura de longo prazo. Isso é um erro.
Por quê?
O Redd sozinho não se sustenta. Se o desmatamento diminuir, as florestas que estarão lá não vão receber mais recursos. Se lá na frente descobrirmos que o Redd não ajudou a reduzir emissões, que não deu certo – e temos de trabalhar com essa possibilidade – ninguém mais vai querer pagar pelas florestas em pé. Por isso defendo a conexão com o mercado de carbono. O Redd também precisa migrar para um modelo em que se valorize o estoque florestal em vez de valorizar a ameaça do desmatamento. As premissas nas quais os projetos de Redd estão fundamentados não são as que vão servir para a gente quando tivermos um mercado de carbono mais estruturado.
((Por Karina Ninni, Estadão.com.br., EcoDebate, 22/12/2010)