O ISA lança nesta segunda-feira, 20 de dezembro, em São Paulo, em parceria com a Forest Trends, o livro Desmatamento evitado (REDD) e povos indígenas – experiências, desafios e oportunidades no contexto amazônico. A obra reúne cinco artigos, em 148 páginas, com informações, questionamentos, análise jurídica e propostas para implantação de projetos de redução de emissões por desmatamento e degradação em Terras Indígenas (TIs).
O enfoque principal é a busca de mecanismos que permitam aos povos indígenas criar projetos próprios de gestão territorial em sintonia com suas formas peculiares de ver e compreender o mundo, como afirma Márcio Santilli, coordenador do Programa Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA, no artigo “Terras Indígenas e crise climática”.
A publicação reafirma a certeza de que os mecanismos de REDD oferecem potencial para combater as mudanças climáticas, conservar a biodiversidade e promover o desenvolvimento sustentável. “No entanto, para se obter êxito, precisam reconhecer e proteger os direitos territoriais e os modos de vida tradicionais dos povos indígenas que historicamente conservaram as florestas ao redor do mundo”, diz Michael Jenkins, presidente da Forest Trends.
“O acordo de Copenhague recomenda a mobilização de recursos financeiros para a implementação de mecanismos REDD, e alguns países desenvolvidos já ofereceram cerca de US$ 4 bilhões para tanto”, acrescenta Jenkins. “Embora seja um incentivo significativo, não está claro como ocorrerá sua aplicação. A presente publicação indica que a existência de direitos territoriais assegurados, de um bom sistema de governança, assim como da participação informada de líderes indígenas na construção dos mecanismos de REDD são condições essenciais para o sucesso dessas iniciativas”.
Projetos criam condições para manejo sustentável
O advogado Raul Silva Telles do Valle, coordenador adjunto do PPDS e organizador da obra, que traz artigos de vários autores, explica que não se pode falar em desmatamento evitado ou manutenção de estoques florestais na Amazônia sem considerar as Terras Indígenas, pois 25% da Amazônia está dentro de TIs. “Essa constatação vem chamando a atenção tanto dos povos indígenas, legítimos senhores dessas terras, como de organizações governamentais, não governamentais e empresas, que veem nessas áreas a possibilidade de realizar projetos de REDD que, por um lado, possibilitem a redução das emissões globais e permitam a empresas e países alcançarem suas metas e, por outro, criem as condições financeiras e institucionais para que os povos indígenas possam manejar seus territórios de forma ambiental e socialmente sustentável”, afirma Valle, na apresentação do livro.
Os autores admitem a existência de questões fundamentais ainda não resolvidas, como é o caso da titularidade dos créditos gerados a partir de atividades da manutenção ou recuperação de florestas, na medida em que o regime jurídico dessas terras varia em cada país.
Assim, Desmatamento evitado (REDD) e povos indígenas vem a público como uma fundamental contribuição ao debate sobre os efeitos adversos das mudanças climáticas globais para a sociedade e a economia internacional, em especial para os seis países que abrigam o bioma amazônico: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.
“Calcula-se que a totalidade das Terras Indígenas oficialmente reconhecidas chega atualmente a 25,3% da região e, em seu conjunto, as ANPs e TIs representam uma área equivalente a 41% da superfície total da Amazônia, o que dá uma ideia da dimensão e da importância que tem a selva amazônica para efeitos específicos da conservação de estoques de carbono na luta contra o aquecimento global”, afirma a advogada Biviany Rojas Garzón, mestre em Ciências Sociais e consultora do PPDS, autora do artigo “Derechos territoriales de los pueblos indígenas y proyectos de REDD em la cuenca amazónica”.
Países amazônicos têm direitos territoriais díspares
Na detalhada análise da situação em cada um desses países amazônicos, Biviany define como “muito díspar e particular” os processos de implementação administrativa e burocrática de direitos territoriais indígenas. Mas admite que “é possível identificar algumas linhas comuns e gerais para alimentar uma discussão de natureza mais regional.” O artigo traz ainda um quadro-síntese comparativo que reúne os direitos dos povos indígenas e os mecanismos de REDD nos seis países.
No artigo “Créditos de Carbono gerados em Terras Indígenas: uma análise jurídica sobre sua titularidade”, os advogados Raul do Valle e Erika Magami Yamada concluem pela possibilidade de os povos indígenas se beneficiarem diretamente com a comercialização de créditos de carbono gerados por esses projetos florestais porque são reconhecidos como verdadeiros titulares de direitos sobre as terras, recursos naturais e benefícios gerados.
Ambos acreditam que poderá haver projetos de iniciativa ou realizados pelos próprios indígenas, mesmo que em determinados casos em parceria com terceiros, o que não descaracteriza a titularidade do projeto.
O papel da Funai e dos órgãos governamentais na proteção das florestas em Terras Indígenas não os eleva à condição de cotitulares com os indígenas sobre os créditos de carbono, ressalva o artigo.
Contextualização didática
De forma didática, os autores contextualizam os conceitos de mercado de carbono e atividades florestais: “Mercado de Carbono é o termo genérico utilizado para denominar os sistemas de negociação de certificados de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs). Esse mercado é constituído, por um lado, pela oferta de crédito de carbono originados de atividades que levam à redução de emissões de GEEs ou da retirada de CO2 da atmosfera no caso de projetos florestais, e, de outro, pela demanda por esses créditos por parte de empresas e governos que necessitam alcançar metas de redução de emissões, sejam elas obrigatórias (estabelecidas por legislações nacionais como cumprimento do estipulado no Protocolo de Kyoto) ou voluntárias.”
O crédito de carbono nada mais é do que um certificado, emitido por órgão autorizado, de que uma determinada atividade levou à redução de emissões, ou à captura, de Gases de Efeito Estufa (GEEs), informa o artigo. Esse certificado tem a característica de poder circular, como um título de crédito, e sua titularidade pode ser cedida a terceiros de forma onerosa ou gratuita.
A experiência dos Paíter Suruí
A experiência do povo indígena Paíter, conhecidos como Suruí de Rondônia, é tratada em dois artigos, ao final do livro. Os Paíter têm trabalhado com parcerias para desenvolver capacitação, ferramentas e conhecimento sobre como e até que ponto vale a pena participar dos mecanismos de REDD, sejam eles transações comerciais ou programas governamentais.
O primeiro artigo, com o título “Projeto Suruí: promovendo a capacitação dos povos indígenas para um acordo informado sobre o financiamento de REDD”, é assinado por Jacob Olander, Beto Borges e Almir Narayamoga Suruí. No segundo, “Aspectos jurídicos do Projeto de Carbono dos Suruí”, os autores são os advogados Rodrigo Sales, Viviane Otsubo Kwon e Patrícia Vidal Frederighi.
“A Forest Trends encomendou, a pedido dos Paíter Suruí, importantes estudos para avaliar questões relacionadas aos direitos dos povos indígenas para constarem dos acordos relativos à redução de emissões ou remoções dentro de suas terras. A conclusão foi que os Paíter Suruí têm o direito de se engajar em atividades de reflorestamento de REDD em sua terras e o direito de usufruir os benefícios financeiros gerados a partir dessas atividades, incluindo a venda de crédito por redução de emissões e de sequestro adicional de GEE”, diz o primeiro artigo.
No segundo, os autores tratam dos principais aspectos jurídicos do Projeto de Carbono no que tange à possibilidade de os índios serem titulares e comercializarem reduções de emissão de gases de efeito estufa advindas de reflorestamento e emissões reduzidas provenientes de desmatamento e degradação REDD ocorridos em suas terras.
“O direito da União sobre as terras dos índios brasileiros é instrumental para a proteção aos direitos dos índios, reconhecidos pela Constitutição como direitos originários sobre suas terras, precedendo à própria Constituição. A obrigação constitucional da União em assegurar os direitos dos índios brasileiros não está precondicionada a qualquer tipo de dever dos índios, tal como uma relação obrigacional bilateral, não deve gerar à União qualquer compensação econômica por parte dos índios brasileiros. Na realidade, qualquer discussão acerca de possíveis de serviços ambientais coloca os usuários de terras florestais como beneficiários de tais pagamentos, e não o contrário.”
SERVIÇO Lançamento: 20 de dezembro, segunda-feira, 18h - Local: Sala Crisantempo - Rua Fidalga, 521 - Vila Madalena - São Paulo - SP
(Por Julio Cezar Garcia, ISA, 17/12/2010)