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monocultura
2010-12-20 | Tatianaf

Depois de um período de descaso com as frutas nativas produzidas no Rio Grande do Sul, pesquisas recentes, associadas às feiras de produtos agroecológicos, estão mostrando a importância desses produtos. Mesmo assim, os agricultores ainda buscam melhores condições para plantar e comercializar.

“O conjunto de regras que existe hoje não é voltado para o pequeno agricultor e sim para as grandes empresas”, explicou o professor Paulo Brack, que concedeu entrevista por telefone à IHU On-Line. Segundo ele, o principal desafio para os produtores é enquadrar seus produtos junto ao Ministério da Agricultura. “Não há como classificar porque não existe nenhum espaço de enquadramento dessas frutas nativas, seja em suco, néctar ou polpa.”

Além de mais apoio por parte dos governos, o doutro em Ecologia ressalta que é necessário uma mudança no hábito da população no momento de comprar frutas. “Esses produtos orgânicos precisam estar ligados a um olhar também do consumidor, da população que consome frutas nas cidades e no campo, para que as pessoas deem mais importância e procurem na feira esse tipo de produto.”

Paulo Brack é biólogo e mestre em Botânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Obteve o título de doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo. Atualmente, é professor da UFRGS.

Confira a entrevista

IHU On-Line – Quais são as principais frutas nativas cultivadas no Rio Grande do Sul?

Paulo Brack – As frutas nativas aqui do Rio Grande do Sul ainda estão restritas a cultivos em pequenas propriedades. Em Bento Gonçalves e Antônio Prado, existem plantios da goiaba serrana e araçá, por exemplo. A Embrapa de Pelotas também está com projetos e quintais de frutas nativas e, ao mesmo tempo, fazendo pesquisa em relação a algumas espécies de araçá, pitanga e butiá. Mas nós não temos ainda plantios comerciais aqui no Estado.

O que nos chama atenção é que a goiaba serrana ganhou o mundo. Vários países produzem essa fruta que tem o nome internacional de feijoa. Ela foi levada há mais de um século aos Estados Unidos, depois para a Austrália, Nova Zelândia, Japão, França, pois é uma planta de região de clima subtropical e temperado, que ocorre aqui no Rio Grande do Sul, no Uruguai, um pouco da Argentina também.

O araçá é outro exemplo. Ele saiu do Brasil, foi para a Austrália e Estados Unidos, ganhou várias partes do mundo. Tem componentes importantes, como a vitamina C, e em quantidades muito maiores do que encontradas na laranja e nas outras frutas cítricas. O araçá também tem licopeno e pode ser considerado um alimentos funcional, pois tem elementos antioxidantes e flavonoides.

Havia, até certo tempo atrás, um pouco de descaso em relação a essas nossas frutas. Porém, a pesquisa está crescendo Brasil, assim como a preocupação em relação ao uso delas, principalmente das frutas do cerrado. Há cerca de cinco anos, algumas delas vêm sendo utilizadas no cerrado e transformadas em sorvete, por exemplo. Infelizmente, no Rio Grande do Sul, nós não temos políticas públicas voltadas para esse sistema, apesar de os agricultores já estarem trabalhando a partir da agroecologia e, assim, construindo sistemas agroflorestais. No entanto, enquanto não forem normatizadas, as dificuldades de comercialização continuarão. O conjunto de regras que existem hoje não é voltado para o pequeno agricultor, e sim, para as grandes empresas.

IHU On-Line – Como a produção da fruta nativa se difere dos sistemas tradicionais de cultivo de outras frutas?

Paulo Brack – Nos supermercados do estado, é comum encontrarmos a jabuticaba. Às vezes, pode custar até R$20,00 ou mais. No entanto, a produção maior que é vendida aqui no Rio Grande do Sul vem de São Paulo. Isso acontece também com a pitanga. Nós temos um potencial aqui no RS, mas voltado principalmente para a pequena propriedade, porque as frutas nativas requerem uma atenção mais intensa do que atividades agrícolas que necessitam de maquinaria.

As frutas nativas abrem um horizonte de resgate da agrobiodiversidade. Há décadas, muitas das propriedades que tinham como base uma agricultura de subsistência começaram a focar na agricultura para exportação. É o caso da soja e do fumo, por exemplo. Porém, a fruticultura com nativas faz um resgate à agrobiodiversidade e mostra que a agroecologia é um ponto fundamental para fazermos frente a este modelo agrícola que transformou o Brasil no maior consumidor de agrotóxicos do mundo. As frutas nativas deveriam ter um espaço muito maior do que têm hoje.

IHU On-Line – Qual o papel estratégico do uso dessas frutas nativas?

Paulo Brack – O papel estratégico está dentro da emergência de uma nova agricultura que seja voltada para um paradigma da sustentabilidade. Essa ideia demonstra que nós temos um enorme potencial e que podemos superar as monoculturas. Essa temática já vinha sendo tratada desde a década de 1940 pelo botânico Frederico Henn, que comentava sobre a importância das frutas nativas no Brasil. Temos cerca de três mil frutas nativas brasileiras que acontecem em ambientes naturais.

Hoje se fala, inclusive, na mudança do Código Florestal. Nós poderíamos, por exemplo, na Reserva Legal, manter produção de frutas nativas e, com isso, teríamos um ganho extraordinário. Aqui no estado, nós temos uma espécie que é o carro-chefe dessa temática: a palmeira jussara. Trata-se de uma palmeira muito aparentada do açaí, que tem uma polpa que alguns até chamam de açaí da mata atlântica. Essa palmeira está trazendo um ganho interessante porque existe uma demanda extraordinária em relação à polpa que ela produz. No centro ecológico no Litoral Norte, há uma ONG que trabalha há quase vinte anos com agricultores, com dezenas de famílias, com, por exemplo, bananais em sistema agroecológico orgânico, com o plantio da jussara no meio, e os resultados são promissores.

IHU On-Line – Quais são os principais empecilhos que os produtores de frutas nativas enfrentam neste momento?

Paulo Brack – O seminário que nós tivemos no dia 6 de dezembro foi muito interessante, mostrando que o principal problema hoje não é a oferta de frutas. Existe demanda e o interesse do agricultor. O que dificulta realmente é a legislação, principalmente relacionada ao enquadramento no Ministério da Agricultura. Por exemplo, esses agricultores que plantam o ananá, que é um tipo de abacaxi nativo mais ácido, mas que em forma de doce e suco é muito interessante, precisam vendê-lo como se fosse abacaxi. Caso contrário, não há como classificar porque não existe nenhum espaço de enquadramento dessas frutas nativas, seja em suco, néctar ou polpa.

A dificuldade de enquadramento é representativa de uma falta de interesse de parte dos governos, pois, em geral, estão voltados para uma agricultura empresarial, mais pesada, dependendo das monoculturas de exportação, que são um sistema do século passado. Falta espaço para os nossos frutos nativos e os produtos derivados: polpas, sucos, geleias, sorvetes. É preciso que o governo se envolva, dando apoio à pequena agroindústria para que esses agricultores possam se enquadrar.

Hoje, para vender o seu produto, muitas vezes os agricultores entram na clandestinidade. Tínhamos, aqui no mercado, uma banca que vendia esses produtos. O Ministério da Agricultura viu que os rótulos não estavam de acordo com as normas e mandou retirar, inclusive, multando os agricultores. Uma produtora me disse que plantou eucalipto na área, pois sabe que dará certo, apesar de haver problemas com o solo, com recursos hídricos, lençóis freáticos. Tudo isso enquanto quer produzir e comercializar as frutas nativas, mas não tem espaço. O governo ainda utiliza uma legislação punitiva, que acaba estrangulando uma iniciativa fantástica.

Na época do Fórum Social Mundial, no início de 2001, muitos estrangeiros chegaram a provar os sucos da família Belé, que em Antonio Prado foi uma das primeiras a comercializar esses produtos. São realmente agricultores que estão passando por dificuldades, ausência de qualquer tipo de preocupação por parte do governo. Foram realizados diversos contatos com secretários da agricultura, com funcionários do Ministério da Agricultura, do Ministério do Desenvolvimento Agrário para tentar facilitar. Através do seminário, serão encaminhados documentos pedindo políticas públicas para estipular metas junto aos governos para que essa situação seja superada.

IHU On-Line – Como funciona o processo de normatização desses produtos?

Paulo Brack – Essa é uma questão muito complexa; eu havia comentado o enquadramento no tipo de polpa, suco, enfim. Hoje, se eu quiser vender um suco de araçá, não se tem uma regulamentação específica. Na ausência da regulamentação, os órgãos de fiscalização simplesmente punem, como estão acostumados a fazer. As tabelas nutricionais são muito caras, saem por três, quatro mil reais por cada espécie de fruta.

O que o governo deveria fazer é, através de linhas especiais de financiamento, facilitar essa análise e a efetivação das tabelas para que o produto tenha o enquadramento devido. Para as centenas de assentamentos no Rio Grande do Sul, seria muito importante para agregar valor. Sabemos que o retorno econômico leva tempo, mas essas frutas podem ser utilizadas como quebra-ventos nos primeiros anos para a agricultura de produtos convencionais, pois algumas espécies produzem a partir do quarto ou quinto ano, como o araçá e a pitanga. Mesmo assim, elas já terão o seu papel ecológico, auxiliando a produção convencional.

É necessário tomar uma série de providências, inclusive em relação à produção de mudas dessas frutas nativas. Não temos aqui viveiros capacitados produzindo, e eu diria que o Rio Grande do Sul é um dos estados mais atrasados em relação a isso. No Paraná, já temos produção e polpa de pitanga, no Nordeste uma série de tipos de sorvete. Talvez não precisemos esperar tanto para que as coisas aconteçam devido ao envolvimento de universidades, pequenos agricultores, ONG’s voltadas a essa temática, representantes das agroindústria, órgãos de pesquisa como o Emater, Embrapa. Temos que articular realmente um movimento de defesa dessa atividade que é importante tanto do ponto de vista ecológico como econômico e, ao mesmo tempo, para a fixação do homem no campo.

IHU On-Line – A quem interessa essa burocratização e dificuldade no processo de normatização dessas frutas nativas?

Paulo Brack – Esse é o resultado de um modelo agrícola que está voltado para o grande. Como em outras atividades, o pequeno não tem espaço. No nível de créditos, nós também precisaríamos de financiamentos. Mas os bancos exigem uma série de questões nas quais o pequeno não consegue se enquadrar. Obviamente esse resultado da menor utilização das nossas frutas no Brasil, mesmo que estejam gerando milhões de dólares em outros países, está gerando divisas, inclusive, pela exportação dessas frutas. Simplesmente estamos voltados para as monoculturas, seja de soja, de pinus, de eucaliptos. A agricultura brasileira tem de ser revista porque, infelizmente, está servindo para a exportação de commodities que causa dependência de insumos, de agrotóxicos.

O fumo também é outro problema. Muitos agricultores querem sair da produção quase que exclusiva de fumo aqui na região de Santa Cruz do Sul. Preocupados com a queda no preço do fumo, os agricultores estão tentando utilizar a palmeira jussara, também chamada de palmiteiro, que ocorre nessa região. Porém, existe toda a indústria transnacional do fumo que faz com que os governos fiquem reféns dela, cumprindo a cartilha e as receitas de uma agricultura de dependência que necessita de insumos e inseticidas. De certa maneira, desagrada o poder esse tipo de novo olhar para uma agricultura mais sustentável que necessita de menos produtos químicos.

IHU On-Line – Quais as diferenças entre um produto ecológico e um produto orgânico?

Paulo Brack – Obviamente essas frutas nativas estão inseridas dentro de uma lógica de produto orgânico. Existem empresas que tentam se apropriar desta temática e produzir frutas nativas dentro de modelos de monoculturas, mas acreditamos que isso não vai vingar. Esses produtos orgânicos precisam estar ligados a um olhar também do consumidor, da população que consome frutas nas cidades, no campo, para que as pessoas dêem mais importância, procurem na feira esse tipo de produto, não só o fruto in natura como também seus derivados. Existe uma demanda crescente, geralmente associada às feiras de produtos agroecológicos. Não há como desassociar a produção de frutas nativas de uma visão agroecológica. Fora disso, reproduzimos o velho modelo de monoculturas com uma série de produtos químicos.

(IHU-Unisinos, 17/12/2010)


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