Uma nova pesquisa sugere que as plataformas de gelo do Ártico, das quais o bicho depende para caçar, não desaparecerão de forma rápida e irreversível conforme o planeta esquentar neste século.
O encolhimento do gelo, diz o estudo na revista científica "Nature", será mais gradual. O que significa que, se as nações da Terra conseguirem reduzir a emissão de gases agravadores do efeito estufa, vai ser possível evitar o colapso da espécie ártica. Mas o esforço terá de ser sério.
Um dos autores da pesquisa, Eric DeWeaver, da Fundação Nacional de Ciências dos EUA, calcula que o nível de dióxido de carbono (principal gás-estufa) na atmosfera terá de se estabilizar em 450 partes por milhão.
Como o nível hoje é de 390 ppm, isso significa uma redução das emissões de 70% até 2100. O número é compatível com o consenso nas negociações globais do clima --embora nenhum país esteja fazendo o esforço necessário para chegar lá ainda.
Para estimar o que aconteceria com os ursos, os cientistas usaram simulações computacionais do clima e do gelo marinho ao longo deste século, levando em conta vários cenários (pessimistas e otimistas) sobre as emissões.
Muitos pesquisadores temiam que as plataformas de gelo do Ártico fossem suscetíveis a um "ponto de virada" brusco. Esse temor vinha do fato de que o sumiço do gelo marinho parecia ser um processo que se autoalimenta.
É que a brancura do gelo, ao refletir a luz do sol, normalmente esfria ainda mais a área circundante. Quando o mar, mais escuro, fica um pouco exposto, ele absorve luz solar,
esquentando o entorno e derretendo mais gelo.
"Mas o que nós vimos é que essa autoalimentação não acontece com tanta eficiência", diz Steven Amstrup, também autor do estudo, da ONG americana Polar Bears International. O estudo ainda alerta: sem corte de emissões, a população de ursos cairá para um terço da atual em 2050.
TROCA DE CASAIS REPRESENTA RISCO
Menos gelo no mar, menos focas dando sopa para serem caçadas --e agora os ursos-polares têm mais uma preocupação na cabeça: a troca de casais. De espécies diferentes, bem entendido.
O que acontece é que a perda de barreiras tradicionais, como geleiras, devido à mudança climática, está colocando em contato populações de espécies diferentes, antes isoladas. E esses bichos estão, cada vez mais, cruzando e produzindo híbridos.
O alerta, também dado na edição de hoje da revista "Nature", vem de um trio de pesquisadores liderados por Brendan Kelly, do Laboratório Nacional de Mamíferos Marinhos dos EUA.
Caçadores do Canadá e do Alasca já capturaram mais de um híbrido de urso-polar e urso-pardo (Ursus arctos horribilis). Um deles era o resultado do cruzamento de uma primeira geração de híbridos com um urso-pardo "puro".
Os ursos são só a ponta do iceberg, com o perdão do trocadilho. Kelly e colegas levantaram 34 casos recentes de possíveis mestiçagens entre espécies no Ártico, que vão de baleias à mistura entre belugas e narvais (dois "supergolfinhos", sendo que os segundos são dotados de chifres que parecem lanças).
A criação de híbridos nem sempre é algo ruim. Mas, se acontecer rapidamente, pode destruir o patrimônio genético de uma espécie.
E o caso de um mestiço de urso-polar com urso-pardo, nascido num zoo alemão, é assustador: o bicho tem tendência inata a pescar, como os polares --mas não sabe nadar. Na natureza, provavelmente seria um fracasso. Muitos cruzamentos assim seriam um desastre para uma espécie já encurralada
(Folha.com, 17/12/2010)