Agricultores se reúnem em seu campo em mais um dia claro e quente da setentrional região síria de Al Raqqa, perto da ribeira do Rio Eufrates. Mas a terra nesta área da “meia lua fértil” está estéril, e sobrevive apenas uma pequena manada de ovelhas em uma fazenda de dez hectares. Habitualmente, as chuvas do inverno começam no final de outubro. Contudo, esta região sofre uma severa seca, que, se durar todo o mês de dezembro, arruinará as plantações de trigo e lentilha, bem como o sustento dos camponeses, mais um ano consecutivo. Várias regiões da Síria, Turquia, Jordânia, Iraque, Líbano, Israel e Palestina já foram afetadas nos últimos anos por uma devastadora ausência de chuva.
A temporada de inverno de 2009 começou bem, mas depois as chuvas pararam repentinamente e os climas extremos e as enfermidades, como o fungo amarelo, dizimaram as plantações de trigo. “Rezamos por chuvas e boa renda”, disse Issa Sheikh, de 22 anos, que com seu irmão luta para cultivar a terra de sua família. “A temporada do ano passado foi muito ruim. O custo dos fertilizantes e das sementes era alto, e não tivemos produção. Agora dependemos do trabalho nas cidades, e pedimos empréstimos a amigos e ao banco”, disse.
Nos distritos sírios de Al Raqqa, Deir Ezzour e Al-Hassakeh, nas fronteiras com Turquia e Iraque e no centro da indústria petroleira do país, a seca se estendeu por três anos consecutivos. Os cultivos estratégicos da Síria são trigo, cevada, açúcar de beterraba e algodão. Como grande exportador de trigo, o impacto da seca forçou este país, antes autossuficiente, a importar o produto para atender o mercado interno.
Muitos especialistas agrícolas dizem que o principal fator do problema é a mudança climática. “Neste ano, novembro foi muito estranho”, disse Mahmoud Solh, chefe do Centro Internacional para Pesquisa Agrícola em Áreas Secas (Icarda), com sede na cidade de Aleppo. “Sempre houve uma variação nas chuvas e nas temperaturas, mas nada como a que vivemos agora”, acrescentou.
Após uma visita de avaliação à Síria em setembro, Olivier De Schutter, relator especial da Organização das Nações Unidas sobre direito à alimentação, estimou que 1,3 milhão de pessoas neste país sofriam o impacto direto da seca, 95% delas no nordeste, e que 800 mil estavam em situação muito grave.
“Os mais afetados são os pequenos agricultores, que perderam entre 80% e 85% de seu gado desde 2005”, diz Schutter em seu informe inicial.
“Esses agricultores já passaram por três anos de seca e terão um quarto, o que é um desastre, disse, por sua vez, o chefe do escritório em Damasco da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), Abdulla Tahir Bin Yehia. “Sua capacidade está esgotada. Por isso precisam de ajuda. Uma família comum no nordeste tem entre oito e 10 membros. É um número muito grande”, acrescentou.
Camponeses como os irmãos Sheikh, em Al Raqqa, foram obrigados a deixar suas famílias e buscar trabalho em outras partes. Em seu caso, trabalham em fábrica perto da cidade de Aleppo, ou no setor da construção durante o verão no Líbano.
Segundo o Plano de Resposta à Seca, publicado no começo deste ano pela ONU, 65 mil famílias sírias abandonaram suas aldeias rumo às grandes cidades. Mas “este dramático movimento não salvou essas famílias das dificuldades nem da indigência”, diz o documento.
“Pelo contrário, perderam seus vínculos sociais e, em geral, são exploradas. Isto também aumentou a pressão sobre o limitado mercado de trabalho, sobre os recursos e sobre os serviços públicos já afetados pela presença de aproximadamente um milhão de refugiados iraquianos”, acrescenta a ONU.
Damasco é um importante destino para os imigrantes e depende em grande parte dos mananciais de Fijieh e Barrada para saciar sua florescente e sempre sedenta população de 6,6 milhões de habitantes.
Atravessando a cordilheira do Altiplano, o em geral sobrecarregado fornecimento de água está sendo afetado por um menor derretimento de neve, vazamento na rede de distribuição, evaporação, poços ilegais e rápida expansão de assentamentos irregulares.
Em entrevista à IPS, o diretor para recursos hídricos no Centro Árabe para Estudos de Zonas Áridas e Terra Secas (ACSAD) da Liga Árabe, Abdullah Droubi, apontou outros fatores. “O clima mudou. Temos esta variação o tempo todo. Estamos sentindo os efeitos pela demanda da população e má administração da água”, disse. Ele estima em 3% o crescimento anual da população síria, que hoje é de 21 milhões de pessoas.
O Ministério de Agricultura e Reforma Agrária e o Ministério de Irrigação trabalham com especialistas internacionais em uma variedade de alternativas para fornecer os recursos hídricos de maneira sustentável, mas carecem dos fundos necessários.
Mahmoud El-Ahmad, camponês de aproximadamente 30 anos, tem uma família com nove filhos em Al Bab. Conta com uma pequena área de oito hectares onde cultiva cevada e lentilha. Reforça sua renda arando a rica fazenda de seu vizinho. Este ano plantou com um trator empresado por Icarda que não revolve a terra ao colocar as sementes e, assim, preserva sua umidade.
Ahamd obteve US$ 4 mil no ano passado com todo esse cultivo, e espera economizar US$ 20 por hectare graças a este novo método. Mas a maioria de seus amigos trabalha em fábricas ou no Líbano, disse. “A terra não pode alimentar as famílias, todos têm de buscar outro emprego”, afirmou. Envolverde/IPS
(Por Rebecca Murray, IPS, Envolverde, 15/12/2010)