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passivos do carvão extração de carvão
2010-12-15 | Tatianaf

A poluição também está se tornando sofisticada e esperta. Não é mais como antigamente que ‘’desfilava publicamente pelos rios e pela atmosfera’’. Ela agora é quase invisível. Aqui não região carbonífera do Sul de Santa Catarina, mais precisamente em Criciúma, até a década de 1980, havia um cheiro insuportável de enxofre no ar, tipo ovo podre para quem chegava à cidade. Havia também montanhas de rejeitos expostos e centenas de lagos ácidos. As montanhas lembravam paisagens lunares. Os lagos ácidos chamavam atenção pela coloração ora vermelha ora amarela. A mineração agora utiliza muita água para reduzir a poeira que causa a incurável pneumonoconiose, mas ainda mantém o pobre mineiro num ambiente promíscuo e insalubre embaixo da terra para sobreviver doente sobre a mesma. O Estado reconhece o trabalho escravizante e exploratório do mineiro, por isso que o aposenta com 15 anos de tempo de serviço.

Por volta de 1998 fotografamos os lagos mais ‘’impressionantes’’, publicamos na internet e em exposições fotográficas na região, vindo chamar a atenção do Dr. Paulo Afonso Blum Vaz, Juiz Federal da Comarca de Criciúma, que vez ou outra nos solicitava para apresentar em suas palestras pelo Brasil. Em Janeiro de 2000, o Juiz assinou a sentença condenando as mineradoras a recuperarem o passivo ambiental. Dentre as condenadas estavam a FATMA e a CSN (na época estatal). O setor de inteligência do SIECESC percebeu que uma foto pode valer mais que mil palavras e recomendou as mineradoras que dessem um jeito nos lagos ácidos e nas montanhas de rejeitos. A bem elaborada maquiagem mudou um pouco o cenário da região, aterraram as crateras para evitar os lagos e plantaram gramas e eucaliptos sobre os rejeitos do carvão. Porém quando chove torrencialmente os rejeitos piritosos voltam a afetar as nascentes e córregos, consequentemente contaminado toda a Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá, por isso que seu pH é sempre abaixo de 3, quando o normal é 7.

Até a fumaça emitida pelas altíssimas chaminés da usina Jorge Lacerda 856MW, em Capivari de Baixo/SC, ‘’visualmente reduziram’’. Possivelmente passaram a utilizar filtros mais eficientes ou qualquer outra manobra para parecerem ecologicamente corretos. Mas certamente continuam a despejar toneladas de gases venenosos diariamente na atmosfera de Santa Catarina (desde 1965), comprometendo a saúde de milhões de pessoas diretamente, mas sem comprovação porque o que não mata na hora não é levado a sério, principalmente se a conseqüência for derivada de poluição. É preciso provas e ‘’provas demoram a serem provadas’’.

Grande parte da nossa luta sempre foi contra a atividade carbonífera, desde a brutal agressão proporcionada pela extração do minério que enriquece exageradamente os donos de minas até a famigerada queima do carvão mineral na usina Jorge Lacerda 856MW, de propriedade da multinacional Tractebel/Suez, em Capivari de Baixo, no sul de Santa Catarina.

Mesmo com todo o caos ambiental da região sul de SC, reconhecido por decreto federal em 1980, com as denúncias ambientais, com a resistência dos agricultores e as ações judiciais acompanhadas pela criação de dois comitês, o de Bacias e o Gestor, a situação continua ainda gravíssima. Uma bem articulada manobra do Governo do Estado fez com que desistíssemos da reeleição a presidência do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá e renunciássemos a presidência como protesto. Desde então temos sofrido represálias e perseguições, inclusive ameaças de poderosos defensores do carvão, como também boicote da mídia regional. O Comitê Gestor para recuperação ambiental da bacia carbonífera foi criado pelo Governo Federal coincidentemente no ano da sentença e estranhamente desfeito agora em 2008, sem apresentar nenhum benefício à natureza, mesmo com os milhões de recursos oficiais destinados a sua recuperação.

Mediante tanta calamidade pública no Estado de SC, lançamos um manifesto declarando Estado de Emergência Climática para a região mais afetada do país por eventos climáticos violentos, com freqüência e intensidade maior que outras épocas. Reivindicamos estudos mais profundos sobre as reais causas dos fenômenos naturais que tem ocorrido na planície, entre o oceano e as encostas da Serra Geral, pois não podemos confiar apenas na meteorologia. Outros fatores podem estar contribuindo no desequilíbrio do clima, como evaporações de calor emitido pelas chaminés, por exemplo. É preciso que o Estado invista mais em políticas preventivas e de adaptação, sobretudo nas comunidades que vivem em área de risco.

Mas como poderemos confiar num governo que cria leis absurdas justamente no estado que mais precisa de áreas preservadas em encostas e margens de rios, apenas para favorecer o agronegócio da monocultura, da celulose, das madeireiras e da ganância infecciosa do lucro a qualquer custo, aprovando o inconstitucional Código Ambiental, versão impopular e criminosa do Código Florestal.

O registro da ONG Sócios da Natureza no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA) tinha o objetivo de chegar ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). No dia da posse como Conselheiro, tivemos a sorte de contar com a presença do Prefeito de Araranguá e estrategicamente abordamos o Ministro Minc na saída do auditório para entregar textos denúncia e livros dos Amigos da Terra sobre os estragos do carvão em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, quando também o convidamos a participar do II Encontro sobre Fenômenos Naturais, Adversidades e Mudanças Climáticas na Região do Furacão Catarina. Na definição para as Câmaras Técnicas escolhemos a CT de Atividades Minerárias, Energéticas e Infra-estrutura (AMEI), objetivando a questão ambiental que nos afeta. Na última plenária utilizamos da Tribuna Livre para contestar a decisão do CONAMA de ‘’passar por cima’’ da CT AMEI direcionando proposta de mitigação das térmicas elaborada pelo IBAMA/MMA à CT de Controle e Qualidade Ambiental.

A proposta, defendida pelo Ministro Carlos Minc, tem efeito paliativo, porque não resolve o problema das emissões, muito pelo contrário, de certa forma reconhece e oficializa a poluição, concede certa legitimidade a queima do combustível fóssil. O Protocolo de Kyoto foi bom para chamar atenção do mundo às mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global, mas é um balcão de negócios, onde o poluidor pode emitir gases venenosos e de efeito estufa desde que plante árvores. Ora, não é justo para a população e natureza de entorno a estes empreendimentos que ‘’paguem o pato’’, convivendo com recursos naturais degradados como a água e o solo, além do ar comprometido.

Precisamos encontrar uma fórmula que até possa permitir que o poluidor passe a gastar com o plantio de árvores, primeiro que sejam nativas e não exóticas, segundo que sejam plantadas na região afetada. Uma outra condição é que passe adotar filtros que comprovadamente venham a reduzir gradativamente as emissões até o ano de 2020, por exemplo, com monitoramento sério, idôneo e independente.

Não podemos concordar que um país que se diz avançado em geração energética, que é um dos poucos no mundo que já possui um Plano Nacional de Mudanças Climáticas, ainda permita e incentive em sua matriz energética a queima de combustíveis fósseis.

Não podemos aceitar que o Estado não fiscalize adequadamente a atividade carbonífera, emitindo licenças facilitadas as mineradoras e não monitorando as emissões da usina Jorge Lacerda, ou seja, a própria usina que faz as medições das emissões de SO², NO² e CO². ‘’A raposa que cuida do galinheiro!!!’’

Não podemos ficar esperando que os órgãos responsáveis venham um dia agir fazendo cumprir a legislação brasileira vigente, que se diga, não é suficiente no monitoramento das emissões de gases venenosos das térmicas a carvão, tanto em SC quanto no RS.

Não podemos ficar assistindo passivamente a ocorrência de fenômenos naturais, adversidades e mudanças climáticas ficarem castigando a nossa encantadora natureza do litoral catarinense e a população Barriga Verde, principalmente com as violentas enchentes, tornados, ciclones e do inédito furacão Catarina.

Não podemos perder a oportunidade de readequar a legislação ambiental brasileira para controlar as emissões de gases, tanto dos que causam a imperceptível chuva ácida que mata e destrói paulatinamente a biodiversidade, quanto dos gases que provocam o efeito estufa, desequilibrando a climatologia da Terra.

(EcoDebate, 15/12/2010)


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