Durante a Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP-16, um dos relatórios de maior impacto foi o apresentado pela DARA, organização humanitária sediada em Madri, Espanha.
Foi, sem dúvida, um dos pontos altos da reunião encerrada na madrugada de sábado, 11 de Dezembro, lá em Cancún, México.
Os efeitos do rápido aquecimento global poderão causar a morte de até 5 milhões de pessoas na próxima década. Mais de 99% destas mortes vão acontecer em países pobres e em desenvolvimento. E, deste total, quatro quintos estão nas regiões do Sul da Ásia e da África sub-saariana, frisa o documento.
Segundo os dados do relatório da DARA e do Fórum de Vulnerabilidade Climática – um grupo dos países mais afetados pelas mudanças climáticas --, pesquisadores de renome mundial analisaram a atual vulnerabilidade das nações às mudanças climáticas em curso, já prevendo os desastres relacionados: eventos cada vez mais freqüentes de extremos de calor e de frio; crescente perdas de habitações com as enchentes; doenças relacionadas ao clima; e pressões adicionais às já instáveis economias de países pobres.
Cerca de 80% do total de perdas de vidas humanas estão concentrados em crianças na África sub-saariana e no Sul da Ásia: elas morrem devido à má nutrição, malária e doenças diarréicas.
As comunidades mais expostas e vulneráveis às mudanças climáticas estão totalmente submetidas e impotentes diante de fortes aumentos da temperatura, o que levou este ano de 2010 às catastróficas inundações que atingiram o Paquistão.
O presidente das Maldivas, Mohamed Nasheed, fundador do Fórum de Vulnerabilidade Climática, afirma no relatório conjunto com a DARA:
”As Maldivas estão na linha de frente da mudança climática. Torna-se muito claro para nós o que deve ser feito. Mas o que acontece com as Maldivas hoje em dia irá acontecer com outros países amanhã. Nossa meta como nação é atingir o status de neutralidade de gás carbono. Aqueles que seguirem nossa linha de ação e adotarem as energias renováveis e as tecnologias “verdes” serão os vencedores do século 21”.
O ex-presidente da Costa Rica e um dos fundadores da DARA, Jose María Figueres, afirma que o impacto da mudança climática recai de desproporcionalmente sobre os pobres e os mais jovens. “Metade da população mundial tem menos de 25 anos de idade, e nossas ações agora irão determinar o estado do mundo que eles vão herdar. A juventude mundial está pronta para enfrentar a mudança climática. Mas é nossa responsabilidade liderar a aceleração do mundo para uma economia de baixo carbono”, disse Figueres.
À esta altura, já se sabe: o ano de 2010 ficará entre os três anos mais quentes já registrados. Como resultado destas temperaturas extremas, o ano que se encerra ficou marcado por acontecimentos extremos relacionados ao clima, como grandes tempestades, tufões e furacões, ondas de extremo calor (como os recordes de todos os tempos na Rússia) e enchentes devastadoras. No Paquistão, foi registrada este ano de 2010 o recorde de temperatura na Ásia: 53,7°C.
Algumas historinhas sobre as Maldivas e seu presidente
A República das Maldivas fica no Oceano Índico, abaixo do antigo Ceilão, atual Sri Lanka. São 1 mil e 200 ilhas de coral, e só 200 são habitadas por seus 300 mil cidadãos. A capital, Male, tem pouco mais de 100 mil habitantes.Há seis anos, no final de 2004, o violento tsunami que afetou toda a região Sul da Ásia e parte do Leste da África também atingiu duramente as Maldivas, com destruição e mortes. O país sofre a permanente ameaça de inundação, devido ao crescente aumento do nível dos oceanos, causado pelo aquecimento global. E também por não possuírem as ilhas de coral nenhum ponto mais elevado do que quatro metros de altura.
O atual presidente Mohamed Nasheed é um ex-prisioneiro político e fundador do Partido Democrático das Maldivas. Nas primeiras eleições democráticas do país, em outubro de 2008, ele foi o vencedor, com 54% dos votos.
Em 2009, as agências internacionais de notícias “descobriram” as Maldivas. É que em outubro do ano passado, o presidente Nasheed decidiu reunir o seu gabinete no fundo do mar, a seis metros de profundidade. Na reunião – na qual o presidente e seus ministros se comunicaram por sinais e por cartazes – foi assinado documento pedindo a todos os países do mundo medidas concretas para deter o aquecimento global. Foi um desesperado pedido de socorro lançado a todo o mundo.
Além da pesca, o turismo em suas praias brancas com águas azuis é a base da economia das Maldivas. Com a altitude máxima do país de poucos metros acima do mar, as Maldivas temem que a elevação do nível dos oceanos poderá submergir a nação, assim como outros países insulares como Tuvalu, na Oceania.
Há países preocupados com o clima. Outros, não.
E a Conferência do Clima em Cancún, México, já é História. Na madrugada de sábado, finalmente, os exaustos delegados de 194 países firmaram o pacote de medidas para tentar reduzir as emissões de gases poluentes e o conseqüente aquecimento global. Mas as medidas não têm caráter obrigatório, além de citar vagamente um “segundo período de compromisso” para o Protocolo de Kyoto, de 1997, que se encerra em 2012.
Atualmente, o Protocolo de Kyoto compromete 40 países ricos e desenvolvidos – à exceção dos Estados Unidos, que nunca assinaram o documento – com o corte de emissões de gases de efeito estufa até o ano de 2012. Depois daquela data, quem sabe o que virá?
Para o Brasil, a reunião de Cancún, recém-finda, teve algum êxito ao criar mecanismos de adaptação dos países em desenvolvimento às mudanças climáticas, e definir outros mecanismos para conservação de florestas tropicais, como as da Amazônia brasileira.
Mas ficou faltando uma clara definição sobre a continuidade do Protocolo de Kyoto. Para o
Itamaraty, o tema é fundamental para os países emergentes e em desenvolvimento, que defendem a permanência ou a extensão dos compromissos firmados pelos países em 1997. É claro que os Estados Unidos vão se contrapor a Kyoto ainda mais fortemente agora, após as eleições legislativas de novembro que deram a maioria aos conservadores republicanos, em sua grande maioria eco-céticos e descrentes da realidade do aquecimento global.
Enquanto, lá em Cancún, o Brasil apresentou avanços consideráveis – como índices de desmatamento que são os menores dos últimos 20 anos ---, já em países do Sudeste Asiático, os grandes painéis de publicidade afixados em locais bem visíveis proclamam, em cores berrantes: “Car is life”. O carro é a vida? Será mesmo? Ou por outra: será apenas isso a vida que almejamos para nós e nossos descendentes?
(Por Renato Gianuca, EcoAgência, 14/12/2010)