As violações aos direitos humanos continuam ocorrendo no país inteiro. Entre os diversos temas, entretanto, o combate à discriminação racial foi o que mais avançou no Brasil - na avaliação do advogado Aton Fon Filho, diretor da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
"Houve o reconhecimento das cotas raciais como política pública compensatória para os negros", disse Aton, durante o lançamento do 11º relatório da entidade, na última terça-feira (7). O documento tem 26 artigos que analisam a situação de vários temas relacionados aos diretos fundamentais. A publicação contou com a colaboração de dezenas organizações da área.
O relatório Direitos Humanos no Brasil 2010 foi lançado na Câmara Municipal de São Paulo em meio ao encerramento do acampamento das mais de 250 famílias sem-teto que ocupavam a porta da instituição, que fica na região central da capital paulista, desde 18 de novembro.
O acampamento foi formado pelas 540 famílias retiradas do prédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na Av. Nove de Julho. Com a reintegração de posse de outro prédio da Av. Ipiranga (de propriedade da HM Engenharia, da empreiteira Camargo Corrêa), no último dia 25, mais famílias de sem-teto desalojadas se juntaram ao acampamento em frente à Câmara. De acordo com a Frente de Luta por Moradia (FLM), a mobilização resultou na inclusão, por parte da prefeitura, de 111 famílias no programa Parceria Social. Elas devem receber auxílio aluguel de R$ 300 mensais, por 30 meses.
A situação das famílias foi lembrada por Aziz Ab´Saber, professor emérito de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) durante o lançamento do relatório. "Não é admissível que em São Paulo não haja lugar para abrigar estas famílias, principalmente levando em consideração que há muitos prédios abandonados na cidade", disse. O professor foi homenageado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Trabalho escravo
"O Poder Executivo federal agiu de forma incoerente. Setores do estado, como a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) atuaram a favor da erradicação e outros setores como o Ministério da Agricultura, contra" destaca Ricardo Rezende Figueira, coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GPTEC/UFRJ), em seu artigo publicado no relatório. A falta de coerência (dos setores do Estado) nas medidas tomadas seria uma das razões para a persistência do crime de trabalho escravo.
Outro motivo para a escravidão não ter sido superada, na avaliação dele, é a não concretização da reforma agrária. "Uma reforma ampla daria consistência a novas relações no campo e evitaria a escravidão e o alto grau de exploração contra os trabalhadores rurais", coloca Ricardo no artigo "Após oito anos: como ficou a erradicação do trabalho escravo?".
Ê necessário o aumento da eficiência dos órgãos repressores do Estado, na opinião do estudioso. "A Polícia Federal, por exemplo, deveria instaurar os inquéritos que levariam às ações penais, e não restringir sua atividade à proteção dos servidores públicos nas operações de fiscalização". Ricardo também critica o baixo número de condenados na Justiça pelo crime de trabalho escravo frente ao número de denúncias.
Reforma agrária
"Não há projetos ou metas consistentes dentro do tema da reforma agrária nos programas de governo [daqueles que se candidataram à Presidência da República]. Ou seja, se não há compromisso assumido, não há como cobrar [os governantes]", afirmou José Juliano de Carvalho Filho, economista da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), durante o lançamento.
No artigo "Política agrária: passado e perspectivas", José Juliano analisou planos assumidos que ficaram para trás, como o "Vida Digna no Campo", do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo ele, é possível verificar um "sumiço" dos compromissos. Para o professor, o governo de Dilma Rousseff (PT) será uma repetição do governo Lula.
"A prevalência do modelo de agronegócio implica no agravamento das questões agrárias. Este agravamento significa maior concentração fundiária, perda de biodiversidade, trabalho escravo, migrações, monoculturas e pecuária na Amazônia, poluição das águas", destaca o economista, em trecho de artigo de sua autoria. As violações sofridas pelo povo Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul são um exemplo de violência que acompanham o agronegócio. "Esse tema não tem repercussão na mídia", completou.
Povos indígenas
O setor elétrico foi apontado como um dos principais violadores dos direitos indígenas por Rosane Lacerda, advogada indigenista que atua no Conselho Indigenista Missionário (Cimi). "Há uma série de aspectos que nos preocupam, baseados nesse modelo econômico de desenvolvimento, mas o setor elétrico se destacou no que diz respeito as violações dos povos indígenas. Os povos indígenas estão sendo desconsiderados na construção de grandes empreendimentos hidrelétricos no Brasil", salienta Rosane em "Avatar é aqui! Povos indígenas, grandes obras e conflitos em 2010", outro dos artigos que fazem parte do relatório da Rede Social.
O nome Avatar, pontua a autora, foi escolhido porque a luta que os povos tradicionais travam com grandes empresas é desigual, como mostra o filme. "Em 2010, além dos tradicionais conflitos envolvendo a posse e demarcação das terras indígenas, destacaram-se aqueles relativos a grandes projetos infraestruturais ligados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, ou a interesses econômicos regionais e locais com incidência naquelas terras.", prossegue.
A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que deverá ser construída no Rio Xingu, no Pará, é apontada como uma obra que afetará as "áreas de perambulação" dos grupos de índios isolados. O governo tem se negado a reconhecer os impactos do empreendimento nos povos indígenas da região, segundo o aritgo assinado pela advogada do Cimi. A construção do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, em Rondônia, também é lembrada por ter trazido impactos para grupos de indígebas que vivem isolados.
A lentidão nas demarcações seguem complicadas. Ao todo, 489 territórios aguardam reconhecimento. "Tal número, por si só, já indica que a questão da demarcação das terras indígenas no Brasil continua longe de ser resolvida", frisou Rosane no lançamento do relatório.
(Por Bianca Pyl, Repórter Brasil, 14/12/2010)