Estudo recente feito por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aponta que o Brasil precisa substituir as tecnologias à base de amianto do tipo crisotila por outras mais limpas na fabricação de produtos como telhas e caixas d''água, não somente por causa das questões relacionadas à saúde, mas também por razões econômicas e de competitividade.
"Retardar a transição para as novas tecnologias só irá aumentar as dificuldades do Brasil nesta área futuramente. Enquanto ficamos explorando uma tecnologia obsoleta, os que saíram na frente para desenvolver novas tecnologias mais adequadas ganham escala, aprendizado e vantagens cumulativas", segundo conclusão do trabalho assinado pelos economistas Ana Lucia Gonçalves da Silva e Carlos Raul Etulian, intitulado "Avaliação do impacto econômico da proibição do uso do amianto na construção civil no Brasil".
De acordo com o presidente da Associação Brasileira das Indústrias e Distribuidores de Produtos de Fibrocimento (Abifibro), João Carlos Duarte Paes, em caso de proibição do uso em âmbito nacional, "as empresas produtoras de artefatos de fibrocimento estarão em condições de se adequarem à substituição do amianto em seus produtos, com relativa rapidez, permanecendo ativas no mercado, a preços praticamente similares aos com amianto". "Cerca de 75% delas anunciam em seus sites produtos de fibrocimento compostos com fibras alternativas", acrescentou.
A estimativa de aumento do custo de produção seria de 10% em caso de substituição por fibras sintéticas ou ambientalmente responsáveis, calcula Paes. A estimativa, porém, é contestada pelo presidente da Eternit , Élio Martins, que prevê um incremento de cerca de 30%. "Só a Brasilit e a Decorlit saíram completamente do amianto. É uma situação artificial que não se justifica", afirmou Martins, argumentando que "o Brasil não tem característica de quem saiu do amianto" porque tem reservas e demanda.
O principal associado à Abifibro é a Brasilit, do grupo francês Saint-Gobain, líder no mercado de produtos sem amianto no País. A fibra mineral ainda é usada no Brasil e autorizada pelo governo, desde que assistida por medidas de segurança, embora seu uso tenha sido banido em 58 países, como Argentina, Chile, Uruguai, Honduras e na União Europeia (UE). Os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul já têm legislações proibindo formalmente a sua exploração, utilização e comercialização. O amianto é considerado cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
As principais matérias-primas alternativas utilizadas no País como reforço na produção do fibrocimento são à base de polipropileno (PP) e poli álcool vinílico (PVA). Outras alternativas têm sido desenvolvidas por centros de pesquisa e usam como base de bambu a resíduos da construção civil e até bagaço de cana-de-açúcar e cinzas resultantes da queima deste, como é o caso capitaneado pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da Universidade de São Paulo (USP). O autor do trabalho é o pesquisador Ronaldo Soares Teixeira.
O fibrocimento é composto por cimento, sílica ativa, água, polpa celulósica e fibra sintética, como PVA e PP, ou amianto. O estudo de Teixeira utilizou a fibra do bagaço de cana como um reforço na produção de fibrocimento, enquanto as cinzas substituíram 30% do cimento.
Produção
O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de amianto do tipo crisotila, cuja mina está localizada no município de Minaçu, em Goiás, responsável por 14% do volume global, a frente do Casaquistão, Canadá e Zimbábue. O país que mais produz o mineral é a Rússia (45%), seguida da China (22%). Em 2009, o consumo mundial foi de 2,1 milhões de toneladas, de acordo com dados da agência governamental científica Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês). A produção global este ano deve ficar entre 2,1 e 2,2 milhões de toneladas, apontam estimativas. Martins, da Eternit, diz que o Brasil utiliza 150 mil toneladas de fibra de amianto para produzir metade das telhas compradas no País.
"Podemos sair do amianto antes de acabarem as reservas de Minaçu ou podemos nem sair após a mina se exaurir se tiver reserva em outro país", reconhece Martins. A mina de Goiás ainda tem cerca de trinta anos de vida útil, segundo ele. "As fibras alternativas são para produtos caros, de alto valor agregado, não para os produtos populares brasileiros (telhas e caixas d''água)", explica. "Não podemos fechar os olhos, se você acessar o site da Eternit verá que temos produtos sem amianto, mas não os populares", acrescentou.
Mas as empresas que não adotarem as fibras alternativas podem perder oportunidades no mercado externo, segundo Paes, da Abifibro, e já existem tratativas nesse sentido entre as companhias brasileiras e compradores em outros países. Ele informa ainda que o Banco Mundial considera o amianto nocivo à saúde e decidiu não financiar projetos em que está previsto o uso de materiais que contêm a fibra mineral.
Saúde
Uma pesquisa divulgada no fim de novembro aponta que não há riscos à saúde da população por habitar casas cobertas com telhas de fibrocimento com amianto, assim como aos trabalhadores da mineração que estão sujeitos a condições seguras de trabalho. "O Brasil é referência mundial em uso responsável do amianto", explica Marina Júlia de Aquino, presidente do Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), que apoiou a pesquisa ao lado do governo de Goiás. O estudo foi conduzido pelos professores Mário Terra Filho (USP), Ericson Bagatin (Unicamp) e Luiz Eduardo Nery (Unifesp).
Fizeram parte das pesquisas grupos residenciais das capitais de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Goiás e Pernambuco, examinando moradores de habitações cobertas com telhas de fibrocimento contendo amianto. No setor produtivo foram avaliados trabalhadores e ex-colaboradores da mineração com mais de 25 anos de exposição à substância. Estima-se que por volta de 24 milhões de casas no País têm produtos com amianto.
"Os resultados do estudo indicam que a concentração ambiental às fibras de amianto, nos conglomerados estudados, encontra-se dentro dos limites aceitáveis de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e nos mesmos patamares de países desenvolvidos", segundo comunicado do IBC.
Manuseio
A polêmica do uso do amianto se deve ao fato de, no passado, não se adotarem medidas de segurança na fabricação dos seus produtos e na extração e beneficiamento do mineral, além do tipo utilizado como matéria-prima.
Portaria de 1991 do Ministério do Trabalho brasileiro exige que as empresas elaborem normas de procedimento para situações de emergência e que só podem comprar a matéria-prima de empresas cadastradas pelo órgão governamental. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a contaminação ocorre, "principalmente, através da inalação das fibras de amianto, que podem causar lesões nos pulmões e em outros órgãos".
A medida do governo, que segue a "Convenção 162", de 1986, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata sobre o conjunto de regulamentações para o uso do amianto nas áreas de mineração, nas indústrias de processamento e transformação, também limita a tolerância para fibras respiráveis e exige avaliação do ambiente onde ficam os trabalhadores a cada seis meses para registrar a concentração de minério no local.
A resolução também proibiu o uso do mineral do tipo anfibólio e produtos feitos com essa matéria-prima. Segundo o IBC, esse minério tem alta concentração de ferro e sua biopersistência, ou seja, o tempo em que ela permanece no pulmão antes de ser eliminada pelos mecanismos de defesa do organismo, é de mais de um ano. Se inalada, a partícula de amianto do tipo crisotila tem biopersistência de 2,5 dias.
A Lei Federal 9.055, de 1º de junho de 1995, também disciplina a extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte do amianto e dos produtos que o contenham. A legislação diz que o transporte do amianto "é considerado de alto risco e, no caso de acidente, a área deverá ser isolada, com todo o material sendo reembalado dentro de normas de segurança, sob a responsabilidade da empresa transportadora".
(Por Marcelo Galli, Agência Estado, 09/12/2010)