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cop/unfccc emissões de gases-estufa
2010-12-09 | Tatianaf

O movimento ambientalista evita dizer a verdade sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas, temendo que isto incentive uma atitude de inércia, em relação às mudanças necessárias.

Esta “estratégia” de comunicação é cega, para não dizer burra, porque o processo de aquecimento global já está em uma espiral crescente e as mudanças climáticas já causam severos impactos em todo o planeta. Nos aproximamos de uma crise quase apocalíptica, que deve ser enfrentada sem meias palavras.

Precisamos de um debate honesto, franco e com argumentos às claras. Fugir do assunto aquecimento global pode ser fácil e cômodo, mas também é suicida.

O jornalista e militante ambientalista, George Monbiot, acertadamente, define que a luta contra o aquecimento global é uma luta contra nós mesmos. É exatamente esta batalha que estamos perdendo.

Sofreremos as terríveis conseqüências do aquecimento global, porque não somos capazes de reconhecer que nosso padrão de consumo é insustentável e não temos coragem de assumir que nosso modelo de desenvolvimento é predatório e injusto. Quanto mais protelamos as decisões, mais agravamos o desastre que se anuncia.

A frota mundial de veículos ultrapassa 1 bilhão de unidades, crescendo mais de 30 milhões ao ano, sendo mais de 3 milhões só no Brasil. Esta é uma crescente crise ambiental tida como consenso, mas um consenso oco porque ninguém está disposto a abrir mão de seu fetiche automotor. Ao contrário, consumimos automóveis cada vez maiores, com maior consumo de combustível e maior emissão de gases.

A produção de alimentos é muito superior ao necessário para alimentar o planeta, mas a especulação, o oligopólio do negócio alimentar e nosso desperdício (em média uma família brasileira desperdiça 0,5 Kg ao dia) exigem produção crescente, fazendo com que a fronteira agropecuária avance sobre as florestas. A exigência de maior produtividade impõe cada vez mais agroquímicos, que envenenam o solo, os mananciais e os ares com os piores gases estufa e nos envenenam lentamente todos os dias.

Ninguém está disposto a reduzir a demanda crescente de energia elétrica, mesmo que isto signifique mais barragens, mais termelétricas a carvão, gás ou nuclear, represando ou vaporizando volumes imensos de recursos hídricos cada vez mais escassos. Todos concordam com este “sacrifício”, desde que ele seja no quintal do vizinho.

Nosso delírio consumista já consome o equivalente a 1,4 planeta a mais do que temos. E ninguém está disposto a reduzir o padrão de consumo.

E não adianta fugir do assunto, porque, cedo ou tarde, enfrentaremos as conseqüências de nossa hipocrisia. Ou, para ser mais exato, nossos netos enfrentarão as conseqüências de viver em um planetinha horrível.

Se optamos por nada mudar, por que esperamos que o G-8 faça diferente? Por que Brasil, China e Índia abririam mão de seu “direito” de emissão, se pensamos o mesmo e exigimos o mesmo direito pessoal de consumir irresponsavelmente. Todos os governos decidiram nada decidir, porque é o mesmo que todas as pessoas, hipocrisias à parte, também decidiram.

Na COP-15, em em Copenhague, firmou-se o ‘compromisso’ de empreender esforços para manter o aquecimento global médio em no máximo 2ºC, tido como o limite máximo aceitável. Isto no entanto significará imensos custos sociais e ambientais, como discutimos no editorial “Os reais ‘custos’ de manter o aquecimento global médio em no máximo 2ºC“.

Pode até parecer um avanço em relação às resistências anteriores, mas deve ser visto com cuidado, principalmente porque este limite também significa severos impactos sociais e ambientais.

Na prática, o ‘consenso’ reconhece o que a comunidade científica já destaca como irreversível. O CO2 acumulado na atmosfera, somado às emissões previstas até 2020, já serão suficientes para conduzir o planeta para um aquecimento de 2ºC. Os maiores emissores, portanto, apenas reconheceram o óbvio.

Outra questão é o que se considera como limite máximo aceitável. A base questionável de que este é um limite aceitável está na tese de que os impactos de um aquecimento global médio de máximo 2ºC seriam economicamente “suportáveis” pelas grandes economias. Esta tese ganhou força a partir da crise financeira global porque permitiu dimensionar os impactos no PIB global, que foi reduzido, em média, na ordem de 2%, o mesmo que se espera para um aquecimento de 2°C, com a diferença que, ao contrário da crise financeira global, a redução do PIB global, por este aquecimento, seria ‘diluído’ ao longo deste século.

Os argumentos podem até ser lógicos e aceitáveis em termos econômicos e políticos, mas, desprezam o ‘custo’ humano e ambiental deste aquecimento.

Pesquisas recentes demonstram que o aquecimento global e as mudanças climáticas terão severos impactos na agricultura e na disponibilidade hídrica, o que, por sua vez, afetarão a segurança alimentar em escala global.

De acordo com os pesquisadores, ondas de calor e secas no Mediterrâneo mostraram um potencial de 2.700% e 800%, respectivamente, de aumento na ocorrência e o aumento de precipitação extrema no sudeste da Ásia foi projetado para um aumento potencial de 900 %”.

Além disso, Sudeste da Ásia apresentou um aumento projetado de 40% na magnitude das piores chuvas; África Central, mostrou um aumento de 1.000% na magnitude da pior onda de calor e no Mediterrâneo a projeção indica um aumento de 60% na pior seca.

Grandes reduções de produtividade de grãos, devidas a eventos climáticos extremos, são suportadas por dados históricos. Em 1991, a produtividade de grãos no Malawi e na Zâmbia diminuiu cerca de 50% em razão de uma grave seca.

A crise alimentar atual é causada pela conjunção de fatores associados: especulação agrofinanceira, aumento artificial do preço das commodities, fatores climáticos adversos, consumo e desperdício obscenos, agricultura intensiva e asfixia da agricultura familiar, entre outros.

Um relatório do Banco Mundial, em 2007, constatou que 74% dos pobres do mundo pertencem ao setor rural agrícola, que é muito dependente do clima, de terras marginais (áreas agrícolas subtilizadas ou de pequeno valor) e ameaçado por secas. É por isto que os elevados preços dos alimentos, combinado com as secas endêmicas, ameaçam a vida de centenas de milhões de pessoas, especialmente na África.

Em Cancun, na 16ª Conferência da ONU sobre Mudança Climática (COP16), de 26/11 a 10/12/2010, certamente, será mantido o impasse nas metas de emissão, absolutamente rejeitadas pela China, Índia e Brasil, sob o argumento de que a responsabilidade histórica cabe aos países desenvolvidos e de que a adoção de metas implicará em pesados custos econômicos.

O argumento de que as medidas mitigadoras do aquecimento global e a redução das emissões de gases estufa implicariam em pesados custos econômicos é estúpido porque este custo será pago de uma forma ou de outra. A diferença é que nossos netos estarão pagando muito mais caro para apenas tentar sobreviver.

Ê evidente que a redução das emissões de gases estufa e a opção por um modelo sustentável implicarão em pesados custos sociais e econômicos, mas não temos outra alternativa para garantir a vida no planeta. Só não podem ser mais uma vez os pobres a pagar a conta maior.

Além do mais já estamos enfrentando uma colossal crise econômica global, causada pela ganância especulativa de uns poucos. Milhões perderam os seus empregos, quase dois trilhões (!!) de dólares já foram gastos para contornar os impactos desta especulação e ninguém acusou os gananciosos de “sabotar” o desenvolvimento econômico mundial. Os recursos necessários para mudar o insustentável modelo econômico, baseado na produção/consumo, sempre existiram, como agora ficou provado. Faltou e continua faltando vontade política.

Por outro lado, dentre a população e os líderes do G-8, há os que acreditam nas vantagens do aquecimento global, a partir de 2050.

Sabem que enfrentarão conseqüências graves, com furacões, tornados, ciclones, tempestades de neve, chuvas torrenciais, inundações, etc, mas acreditam que podem arcar com estes custos e ainda lucrar com isto.

As fronteiras agrícolas do hemisfério norte se expandirão, com novas áreas agricultáveis no norte do Canadá, nas estepes siberianas ou na Escandinávia.

No pobre, feio e sujo hemisfério sul acontecerá exatamente o contrário. Mais de 1/4 do planeta estará desertificado ou em rápida desertificação, condenando mais de 1,5 bilhões de pessoas à insegurança alimentar, à sede e à fome.

Será uma tragédia humanitária em escala global, mas que interessa à geopolítica do G-8, que poderá controlar a maior parte da produção de alimentos, devidamente protegida por um aparato militar inquestionável, o que, facilmente, deixará a maior parte dos paises pobres de joelhos.

Há, ainda, quem veja um efeito “higienizador” nesta crise humanitária, porque estará condenando à morte os pobres, os velhos e os indesejados do terceiro mundo.

Freqüentemente dizemos ou ouvimos sobre os nossos compromissos para ’salvar o planeta’. Lamento, mas não podemos salvar o planeta, porque nosso ego antropocêntrico não está à altura da tarefa. Nosso planeta já passou por incontáveis processos de mudanças climáticas naturais e pelo menos dois grandes eventos de extinção maciça. De um modo ou de outro a natureza retomou o processo da vida.

Estamos gerando processos não naturais que levarão o planeta a um novo processo de mudança radical, tal como já aconteceu antes por razões naturais. Estudos demonstram que ocorreram, pelo menos, dois grandes eventos de extinção maciça. Há 250 milhões de anos cerca de 90% da vida foi extinta e há 65 milhões, quando desapareceram os dinossauros, a extinção foi estimada em 60%.

Se nossa irresponsabilidade continuar, acabaremos com a natureza tal como ainda conhecemos. Mas a história do planeta demonstra que a natureza encontrará uma alternativa, porque, mesmo com vários episódios de extinções maciças, a natureza sempre recomeçou.

Ainda não é um cenário apocalíptico, mas quase.

Antes que pensem que estou exagerando, avaliem um pouco mais e olhem à sua volta. Mas, acima de tudo, acreditem que perdemos a batalha contra o aquecimento, mas que ainda podemos vencer a guerra contra as suas piores conseqüências.

Precisamos vencer a luta contra nós mesmos ou muito perderemos. Muito mais do que apenas o nosso perdulário padrão de consumo.

Henrique Cortez, jornalista, coordenador editorial do Portal EcoDebate

(EcoDebate, 09/12/2010)


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