A proteção das florestas tropicais do mundo é uma questão de importância central na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que ocorre neste mês em Cancún. Quantias enormes estão sendo oferecidas aos países que protegem as suas florestas. No entanto, os especialistas temem que essas recompensas possam ser mal aplicadas e que elas possam na verdade promover o desmatamento.
Se você deseja salvar o mundo, não faz sentido começar a tarefa em Paradise. Pelo menos foi isso o que os grupos de proteção ambiental disseram quando foi anunciado que a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas seria realizada na costa tropical de Cancún. Reportagem de Christian Schwägerl e Gerald Traufetter, no Der Spiegel.
Mas as aparências podem enganar. Esse resort litorâneo mexicano não é realmente um mal lugar para sediar um tribunal de julgamento da maior pecadora ambiental do planeta: a humanidade. Um grupo local de proteção ambiental, “Cielo, Tierra y Mar”, apresentou essa argumentação na abertura da mega conferência, na semana passada. No que se refere à proteção climática, “Cancún é o melhor exemplo do que não deve ser feito”, afirmou um porta-voz do grupo.
Isso fica muito claro no momento em que você se aventura a ir além dos hotéis altos e fulgurantes nos quais os negociadores do clima estão se reunindo. No passado os manguezais estendiam-se por vários quilômetros ao longo da margem da lagoa de água salgada. Mas atualmente só restam 11.392 hectares de mangue — e cerca de 500 hectares mais são destruídos a cada ano.
Os ecologistas afirmam que Cancún é um exemplo nítido da forma irracional como nós estamos explorando o nosso planeta. É por isso que eles acham que esse é um excelente lugar para se falar sobre a destruição das florestas tropicais. “Esse será o tema dominante em Cancún”, prevê Tim Tennigkeit, que representará na conferência a firma de consultoria florestal Unique, que tem sede em Freiburg.
REDD (sigla em inglês de Reduzindo Emissões provenientes do Desmatamento e da Degradação) é o acrônimo de um ambicioso programa da Organização das Nações Unidas (ONU) que pretende salvar as florestas restantes do nosso planeta e, desta forma, prevenir a liberação de mais de 4,4 gigatoneladas de dióxido de carbono por ano. “Se o mundo não for capaz de chegar a um acordo quanto às metas de redução de gás carbônico, pelo menos a ONU pode usar o REDD para provar que ainda é capaz de realizar alguma coisa”, acrescenta Tennigkeit.
Pagando nações para deixarem as florestas intocadas
As primeiras verbas estão prontas para serem distribuídas em todo o mundo, e essa perspectiva já entusiasmou os militantes da recém-criada indústria da proteção climática que comercializa direitos de emissão, administra verbas e certifica os chamados “projetos verdes”. O diretor de proteção ambiental da ONU, Achim Steiner, da Alemanha, está cautelosamente otimista. “O REDD pode ser uma parte da solução, tanto para a mudança climática quanto para a proteção do meio ambiente”, declara ele.
Outros advertem para os perigos de uma ação muito precipitada. “Não importa o quão bem intencionados eles possam ser, o fato é que soluções rápidas podem ser perigosas”, alerta o economista climático Reimund Schwarze, do Centro de Serviços Climáticos, em Hamburgo. Schwarze diz que, embora o programa REDD deva injetar bilhões de dólares em nações em desenvolvimento, esse dinheiro poderá ter um efeito exatamente contrário àquele que é desejado. Em outras palavras, ele poderia provocar um aumento do desmatamento em vez de conter a devastação.
A ideia norteadora do REDD é tão simples quanto convincente: a destruição global das florestas produz mais de um sexto das emissões totais de dióxido de carbono provocadas pelo ser humano. Se, em vez de cortarmos árvores, preservarmos as florestas e praticarmos o reflorestamento, grandes quantidades de gases causadores do efeito estufa poderiam ser absorvidas pela atmosfera. Dessa maneira, cada árvore salva contribui para reduzir o aquecimento global.
Infelizmente, existe pouco incentivo econômico para proteger as selvas do planeta. Uma floresta tropical no Brasil, uma floresta litorânea em Madagáscar e uma floresta na taiga russa não valem nada quando estão simplesmente crescendo. Mas elas geram muitos lucros como madeira e ao serem derrubadas para dar lugar a terras agrícolas.
O REDD deseja reverter essa lógica transformando a proteção da natureza em uma atividade lucrativa. As nações industrializadas contribuem para um fundo que é utilizado para pagar os países em desenvolvimento para que estes mantenham as suas florestas intocadas.
A Noruega, país rico em petróleo, deseja doar um bilhão de dólares para o fundo. E somas bem maiores estarão disponíveis no futuro, quando as companhias forem capazes de pagar pela proteção das florestas e receberem em troca direitos de emissão. Esses direitos de emissão estarão também disponíveis para países. Assim sendo, se um determinado país desejar alcançar as suas metas de redução de dióxido de carbono, ele pode simplesmente comprar “florestas REDD” no exterior.
Estudos encomendados pelo Secretariado de Biodiversidade da ONU preveem que essa ideia poderá ter “efeitos positivos anteriormente desconhecidos” – contanto que ela seja implementada de maneira apropriada. Muitos países, incluindo o Brasil, o Nepal e a República Democrática do Congo, já estão testando formas de ganhar dinheiro com a proteção das suas florestas.
Medo da corrupção e da má administração
Mas os grupos ambientais estão divididos quanto a essa questão. Eles dizem que o REDD poderá criar um sistema extremamente prático, mas ele poderia também facilmente transformar-se em um monstro no qual enormes quantidades de dinheiro acabassem promovendo a corrupção, a má administração e a destruição. “Tudo vai depender de os delegados em Cancún conseguirem ou não encontrar a formulação correta dos conceitos”, diz o economista climático Schwarze.
Chris Lang testemunhou pessoalmente a destruição de áreas de floresta tropical. “Nós necessitamos de mecanismos de proteção efetivos”, diz Lang, um inglês que morou na capital indonésia, Jacarta, durante vários anos. Lang fundou e gerenciou uma iniciativa chamada REDD Monitor, que fiscaliza atentamente o programa de proteção das florestas.
Isso deve-se ao fato de que, embora ainda não tenha sido obtido um acordo internacional, estruturas apropriadas já foram criadas. E essas estruturas não pressagiam boas coisas. “O aspecto principal dessa ideia é determinar qual deve ser a característica da floresta a ser protegida”, explica Lang.
Muitas definições diferentes estão atualmente circulando na ONU. Segundo uma dessas definições, uma floresta pode ser classificada como sequestradora de carbono se apenas um décimo da área preenchida por árvores situar-se debaixo de um dossel florestal (a camada superior das florestas) ou se as árvores apresentarem o potencial para crescerem até uma altura de pelo menos dois metros. “E esse é um retrato de um conjunto de troncos de árvores ou de um projeto de reflorestamento comercial”, argumenta Lang.
Esse tipo de classificação poderia ter consequências devastadoras. Lang teme que as empresas madeireiras possam garantir para si concessões para a exploração de áreas já semidevastadas de florestas a fim de implementar projetos econômicos de reflorestamento e, ao mesmo tempo, receberem subsídios do programa REDD.
Alegações falsas de benefícios ambientais
Esse cenário bizarro não é exatamente uma novidade. A companhia japonesa de celulose Oji pretende criar uma monocultura de eucalipto em uma área de 80 mil hectares em Laos. Essas árvores serão derrubadas, trituradas e enviadas para uma usina de fabricação de celulose. “No seu website a companhia gaba-se de desejar inscrever-se para receber dinheiro do REDD”, observa Lang. Ele diz que uma outra grande companhia do setor de celulose, a Asia Pulp and Paper, da Indonésia, está utilizando práticas similares na sua terra. Tal atividade praticamente não implica em nenhum benefício ambiental. Qualquer quantidade de dióxido de carbono que for capturada é liberada de novo na atmosfera no momento em que o papel que já foi usado for incinerado.
Lang suspeita que a indústria madeireira utilizará um truque simples para receber subsídios, tirando vantagem de um procedimento empregado em algumas áreas de floresta por pequenos agricultores que queimam pequenas áreas florestadas, plantam culturas agrícolas e a seguir mudam-se para outra área após alguns anos. “Essa é uma maneira relativamente não agressiva de utilizar a floresta”, explica Lang.
No entanto, as companhias poderiam redefinir a área florestada usada dessa forma, classificá-las como áreas inferiores, desmatá-las e replantá-las com árvores de valor comercial e receberem dinheiro por tudo isso, por supostamente ajudarem a combater as mudanças climáticas.
A Indonésia fornece um bom exemplo do motivo pelo qual as preocupações de Lang são justificadas. Antes que os inspetores internacionais tivessem a oportunidade de avaliar a área de floresta existente, o Ministério das Florestas indonésio declarou que 41 milhões de hectares de floresta tropical eram “áreas especiais” para o uso das companhias.
Infelizmente, mesmo que fosse evitado o uso abusivo dos subsídios do REDD, o efeito positivo ainda poderia desaparecer. Um fenômeno que atualmente tem provocado dores de cabeça nos economistas chama-se “vazamento de carbono”. Se uma área de floresta tornar-se protegida, as madeireiras e latifundiários simplesmente usam a terra adjacente. Neste caso, também, existe um precedente preocupante.
Nos últimos 14 anos, uma organização de proteção ambiental dos Estados Unidos chamada Nature Conservancy vem gerenciando uma área de 832 mil hectares de terras protegidas na Bolívia que fazem parte do chamado Projeto de Ação Climática Noel Kempff. O dinheiro para isso foi doado por empresas como a gigante do setor petrolífero BP e pela American Electric Power, a maior operadora de usinas termoelétricas movidas a carvão dos Estados Unidos. O dinheiro é bem empregado por ambas as companhias porque elas podem usar o projeto para exibirem as suas “credenciais verdes”.
Entretanto, o desmatamento continua ocorrendo em toda a Bolívia. A única diferença é que agora as motosserras estão derrubando árvores em outros lugares. A quantidade de emissões de carbono prevenida pelo projeto modelo de florestas tropicais precisa, portanto, ser corrigida para baixo não apenas uma vez, mas duas. Se o volume inicialmente estimado era de sete milhões de toneladas métricas, agora fala-se de apenas 840 toneladas métricas. “Lavagem verde” é como os céticos denominam essa prática.
Os planejadores do REDD esperam ser capazes de acabar com tais vazamentos ao envolver o maior número possível de países no projeto. Mas a pressão sobre as últimas florestas integralmente preservadas do mundo está aumentando, em parte como resultado da demanda crescente por carne, mas também devido a medidas cujo objetivo original era proteger o meio ambiente: biocombustíveis fabricados a partir de cana-de-açúcar, milho, óleo de palmeira e jatropha, por exemplo.
Os povos indígenas das florestas tropicais poderiam facilmente tornar-se vítimas de uma “corrida ao REDD”. No ano passado, uma companhia australiana tentou vender certificados de emissões a índios na Papua Nova Guiné. Foi dito aos índios que a companhia não tocaria nas suas florestas caso eles comprassem os direitos de poluição REDD.
(Der Spiegel, UOL Notícias, EcoDebate, 09/12/2010)