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cop/unfccc plano climático wikileaks
2010-12-08 | Tatianaf

Telegramas da diplomacia americana revelados pelo WikiLeaks mostram uma “ofensiva diplomática” secreta sobre o aquecimento global. Segundo os documentos, a operação política internacional buscou angariar apoio do maior número possível de nações através de empréstimos e ajudas financeiras, com o objetivo de cercar a oposição ao controverso Acordo de Copenhague, documento não-oficial que emergiu das ruínas da COP-15 de 2009, na capital dinamarquesa.

No dia 31 de julho de 2009, o Departamento de Estado dos EUA enviou um telegrama secreto a diplomatas das Nações Unidas sobre uma série de temas, incluindo as mudanças climáticas. O pedido foi originário da CIA. Os diplomatas foram questionados sobre o posicionamento de cada nação e requisitados para apresentar evidências do “esvaziamento” do tratado ambiental da ONU, além de pactos entre nações.

Em 19 de junho de 2009, o Departamento de Estado enviou outra mensagem detalhando um ataque cibernético ao gabinete do negociador para mudanças climática dos EUA, Todd Stern, enquanto as negociações sobre as emissões da China eram realizadas em Pequim. Ele e outras pessoas receberam e-mails personalizados, como se viessem do National Journal americano. Um arquivo em anexo continha um código malicioso que daria o controle total do computador do destinatário para um hacker. O ataque não foi bem sucedido, mas o departamento de análise de ameaças cibernéticas da divisão observou: “É provável que tentativas de invasão como essa persistam.”

As negociações de Pequim não conseguiram guiar um acordo global em Copenhague. Os EUA, historicamente os maiores poluidores do mundo, tinham um álibi: o Acordo de Copenhague, martelado nas últimas horas da COP-15 que, apesar de não ter sido adotado oficialmente pela ONU, foi uma alternativa para resolver muitos dos problemas americanos.

O acordo transforma a abordagem da ONU, que antes tendia para a unanimidade. De acordo com ele, cada nação escolhe alvos palatáveis para cortes de gases de efeito estufa, teoricamente uma maneira muito mais fácil de vincular a China e outros países em rápido desenvolvimento à causa do que o processo da ONU. Mas o acordo não pode garantir os cortes necessários de gases-estufa para evitar um aquecimento perigoso, além de embaralhar as negociações da ONU sobre a prorrogação do Protocolo de Kyoto, no qual as nações ricas têm obrigações vinculantes. Estes fatores levaram muitos países – especialmente os mais pobres e vulneráveis – a se oporem com veemência ao acordo.

A “ofensiva diplomática” dos EUA teve seus telegramas secretos enviados entre o final da COP-15 de Copenhague, em dezembro de 2009, até o fim de fevereiro desde ano, e consistiu em garantir o apoio do maior número possível de nações para o Acordo de Copenhague, que serve aos interesses americanos em grande parte.

Alguns países precisaram de pouca insistência. O acordo prometeu US$ 30 bilhões para as nações mais pobres atingidas pelo aquecimento global que não causaram. Duas semanas após Copenhague, o ministro das Relações Exteriores das Maldivas, Ahmed Shaheed, escreveu à secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, requerendo o aporte.

Em 23 de fevereiro de 2010, o embaixador das Maldivas nos EUA, Abdul Ghafoor Mohamed, disse ao deputado americano Jonathan Pershing, enviado para assuntos climáticos, que seu país busca “assistência tangível “, e defendeu que outras nações perceberiam “as vantagens a serem aquiridas pelo respeito” ao acordo.

Uma dança diplomática seguiu. Ghafoor se referiu a vários projetos custando cerca de US$ 50 milhões. Pershing encorajou-o a dar exemplos e custos concretos, a fim de aumentar a probabilidade de assistência bilateral.

As Maldivas são incomuns entre os países em desenvolvimento, ao adotar o acordo em sua totalidade, mas outras pequenas nações insulares foram secretamente vistas como vulneráveis à pressão financeira. Os países mais ameaçados pela mudança climática veem a ajuda como um direito, não uma recompensa. Em 11 de fevereiro, Pershing encontrou a comissária europeia de ação climática, Connie Hedegaard, em Bruxelas. Ela disse a ele, de acordo com um telegrama, que “os países da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis, na sigla em inglês) poderiam ser nossos melhores aliados”, dada sua necessidade para o financiamento.

Os dois estavam preocupados sobre como os US$ 30 bilhões deveriam ser levantados. Hedegaard questionou se a ajuda dos EUA seria toda em dinheiro. Ela perguntou se os Estados Unidos seriam obrigados a fazer uma “contabilidade criativa”, notando que alguns países, como Japão e Reino Unido, querem garantias de empréstimo, e não doações isoladas – uma tática à qual ela se opôs. Segundo o documento, Pershing dissera que “os doadores têm de equilibrar a necessidade política de conceder financiamento real com as limitações práticas de orçamentos apertados.”

Confiança
Juntamente com financiamento, outro assunto traiçoeiro das negociações climáticas (que estão em curso em Cancún), é a confiança na manutenção dos compromissos assumidos pelos países. Hedegaard se perguntava por que os EUA não concordaram com a China e a Índia em relação a medidas que, para ela, pareciam aceitáveis para monitorar futuros cortes nas emissões. “A questão é se eles (países) vão honrar essa linguagem”, relata o telegrama,citando as palavras de Pershing.

A confiança estava em falta nos dois lados: o das nações desenvolvidas e dos países em desenvolvimento. No dia 2 de fevereiro, um telegrama de Adis Abeba reportou um encontro entre a subsecretária de estado dos EUA, Maria Otero, e o primeiro-ministro da Etiópia, Meles Zenawi, que lidera a União Africana para negociações climáticas. O telegrama confidencial registra uma ameaça, sem cortes, dos EUA a Zenawi: assine o acordo ou a discussão termina agora. Zenawi responde que a Etiópia vai apoiar o acordo, mas ele tem uma preocupação: que o comprometimento pessoal de Barack Obama para o envio da ajuda financeira prometida não seja honrado.

A determinação dos EUA de procurar aliados contra seus adversários mais poderosos – os gigantes em ascensão Brasil, África do Sul, Índia e China (Basic) – está claro em outro telegrama de Bruxelas no dia 17 de fevereiro, desta vez relatando um encontro entre o assessor de segurança naciona, Michael Froman, Hedegaard e outros oficiais da União Europeia.

Froman disse que a União Europeia precisava aprender com os países do Basic as habilidades básicas que estes usaram para impedir as iniciativas da UE e dos EUA, colocando-os um contra o outro, no sentido de “manipular melhor o obstrucionismo do terceiro mundo e evitar futuras colisões de trem nas discussões climáticas.”

Nos telegramas, Hedegaard está interessada em reassegurar a Froman o apoio da UE, revelando uma diferença entre o que é dito publicamente e o que é negociado entre quatro paredes. “Ela esperava que os EUA notassem que a União Europeia estava parando de criticá-los”, dizia o telegrama.

Hedegaard e Froman discutiram a necessidade de “neutralizar, cooptar ou marginalizar países pouco colaborativos, incluindo a Venezuela e a Bolivia”. Hedegaard, novamente, conectou ajuda financeira ao apoio ao acordo, notando “a ironia de que a UE é um grande doador de dinheiro a esses países”. Mais tarde, em abril, os EUA cortaram ajuda à Bolívia e ao Equador, citando a oposição ao acordo.

Qualquer ironia é claramente inócua quando se trata do presidente boliviano, Evo Morales, conforme atesta um telegrama de La Paz datado de 9 de fevereiro. O embaixador dinamarquês na Bolívia, Morten Elkjaer, diz a um diplomata americano que, na reunião de Copenhague, “o primeiro-ministro dinamarquês Rasmussen passou 30 minutos pouco prazerosos com Morales, durante os quais o presidente boliviano o agradeceu pelos US$ 30 milhões por ano em ajuda bilateral, mas recusou-se a se engajar nas questões climáticas.”

Dedo na ferida
Depois do acordo de Copenhague, outros links entre financiamento e apoio político apareceram. Oficiais holandeses, que inicialmente rejeitaram as tentativas americanas de fazer o acordo vingar, fazem uma declaração surpreendente em 25 de janeiro. De acordo com um telegrama, o negociador holandês para o clima, Sanne Kaasjager, “rascunhou menssagens para embaixadas de países auxiliados pelo governo holandês solicitando apoio ao acordo. É um movimento sem precedentes por parte do governo da Holanda, que tradicionalmente recua diante de qualquer sugestão de usar o dinheiro da ajuda financeira como alavanca política.”

Mais tarde, no entanto, Kaasjager volta atrás, ao dizer: “A Holanda acharia algo bem complicado usar o acordo como condição para receber ajuda climática.”

Talvez o mais audacioso apelo por fundos tenha sido revelado por telegramas enviados pela Arábia Saudita, o segundo produtor mundial de petróleoe um dos 25 países mais ricos do mundo. Um telegrama secreto enviado em 12 de fevereiro registra um encontro entre oficiais da embaixada dos EUA e o líder saudita para as negociações climáticas, Mohammad al-Sabban. “O reino precisará de tempo para diversificar sua economia para além do petróleo, mas um compromisso dos EUA para ajudar a Arábia Saudita com os seus esforços de diversificação econômica aliviaria a pressão das negociações sobre mudança climática.”

Os sauditas não gostaram do acordo, mas estavam preocupados em perder “o bonde” da história. O ministro assistente do petróleo, Príncipe Abdulaziz bin Salman, disse aos oficiais americanos que ele havia dito ao ministro Ali al-Naimi que a Arábia Saudita tinha “perdido uma oportunidade real de submeter ‘algo interessante’ à cúpula climática, como fizeram a Índia e a China, algo que não fosse legalmente vinculante mas pudesse significar um aceno de boa vontade por parte do país, sem comprometer os interesses seus econômicos vitais.”

Os telegramas obtidos pelo WikiLeaks terminam no final de fevereiro deste ano. Atualmente, 116 países aderiram ao acordo. Outros 26 dizem que pretendem aderir. Esse total, de 140 países, está dentro da meta de 100 a 150 nações revelada por Pershing em seu encontro com Hedegaard em 11 de fevereiro. Os 140 representam quase 75% dos 193 que participam da Conferência da ONU para o Clima e, como gostam de lembrar aqueles que aderiram ao acordo, são responsáveis por mais de 80% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa.

(The Guardian, EcoDebate, 08/12/2010)


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