Em Cancun, Brasil reafirma compromisso com a diminuição das emissões e a proteção das florestas, mas um projeto de lei polêmico lança dúvidas sobre a posição brasileira: o novo Código Florestal.
Diante da imprensa internacional, os representantes do governo brasileiro evitam falar sobre o assunto em Cancun. Mas o projeto de lei que altera o Código Florestal brasileiro está na pauta de quem acompanha a discussão ambiental em qualquer parte do mundo.
Logo na primeira coletiva de imprensa com a delegação brasileira, lá está a pergunta. Indagado sobre o projeto que levanta polêmica em solo nacional, e também fora dele, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo prefere não comentar o assunto: "Temos que aguardar o resultado da votação no Congresso Nacional".
A equipe brasileira é vista pela comunidade internacional como muito bem preparada em termos de dados científicos – além da fama de duros negociadores –, mas há a desconfiança generalizada de que a alteração no Código Florestal vá na contramão do compromisso que o Brasil tenta reafirmar em Cancun: diminuição das emissões e proteção das florestas.
"Os grupos que estão atuando nestas duas frentes [negociações em Cancun e alteração do Código Florestal] não são os mesmos, isso explica a desconexão de uma postura com a outra. Uma envolve interesses internacionais e a outra se volta para a situação local. É lamentável que isso seja tratado desta forma", analisa Gerd Sparovek, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e um dos cientistas brasileiros mais atuantes na área.
Falta de coerência
Mas por que a discussão sobre o quanto proteger as matas brasileiras por força de lei interessaria ao demais países do mundo? Além da importância econômica crescente no cenário mundial, o Brasil também se candidata a liderar o pelotão internacional em busca do desenvolvimento com baixas emissões de gases de efeito estufa.
E o Código Florestal tem tudo a ver com isso, afinal o Brasil possui a maior quantidade de florestas tropicais que ainda está de pé no planeta, além do cerrado, da caatinga e dos pampas. As mudanças propostas no projeto de lei do deputado Aldo Rebelo são vistas, por muitos, como enfraquecimento da legislação ambiental.
"E não é só isso. A comunidade internacional que acompanha a discussão vê uma falta de coerência na postura brasileira. Esse novo código pode minar a liderança e projeção internacional que o Brasil está pleiteando", alerta Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, superintendente do WWF no Brasil.
A lei em vigor atualmente, de 1965, dispõe sobre as áreas de preservação permanente (APPs), como matas ciliares e topos de morro, e as reservas legais (RLs), que são partes de propriedades privadas que não podem ser desmatadas. No entanto, a lei é uma das mais desrespeitadas no Brasil: estima-se que mais de 80 milhões de hectares estejam em desacordo com a legislação.
Rebelo propõe uma flexibilização: entre as mudanças mais polêmicas estão a redução das APPs nas margens de rios de 30 metros para 15 metros, a isenção de reserva legal para a agricultura familiar e o desconto de até quatro módulos fiscais para o cálculo da reserva em médias e grandes propriedades. O projeto quer, ainda, perdoar quem nunca obedeceu a legislação vigente.
Aumento de emissões com o novo Código Florestal
A sociedade científica, segundo Gerd Sparovek, foi pega meio de surpresa. O próprio pesquisador participou de diversos debates na tentativa de identificar os problemas em jogo. E enquanto o projeto não é votado – já foi aprovado em julho pela comissão especial, precisa ir ao plenário da Câmara e passar pelo Senado antes de seguir para sanção presidencial –, diversos estudos indicam um aumento substancial de emissões se a novo Código for aprovado.
"O [Código Florestal] substitutivo não colabora para que ocorra a redução de desmatamento no Brasil nem para que a pecuária de corte, que ocupa a maior parte das terras do Brasil, se intensifique, se torne mais produtiva. Ambas as condições, a eliminação dos desmatamentos e a modernização e intensificação da pecuária, são essenciais para a redução das emissões de GEE (gases do efeito estufa) do Brasil", afirma Spavorek.
Nesta quarta-feira (01/12), Brasília comunicou ao resto do mundo um feito histórico: o registro da menor área desmatada na Amazônia dos últimos 23 anos, desde que o monitoramento passou a ser feito via satélite, em 1988. Os dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) estimam uma área de 6,4 mil quilômetros quadrados desmatados entre agosto de 2009 e julho de 2010, uma redução de 13,6% em relação ao período anterior. Ainda assim, a área da floresta destruída equivale a aproximadamente 640 mil campos de futebol.
Antes que esses números sejam usados para ajudar o novo Código Florestal a ganhar força, Spavorek alerta: "Essas duas coisas não estão vinculadas, não tem relação de causa e efeito. Caso seja feito esse vínculo, ele é enviesado e oportunista, e certamente não vai ajudar a entender as reais consequências e impactos das mudanças sugeridas no projeto."
O fato de o atual Código Florestal ser uma das leis mais desrespeitadas no Brasil pode indicar, sim, que a legislação precisa de mudanças. "Ninguém está dizendo que não há espaço para melhoria no Código. Mas o que não pode haver é uma grande distância entre o que o Brasil diz lá fora e a prática do que é feito aqui dentro", diz Scaramuzza, do WWF no Brasil.
(Por Nádia Pontes, DW World, 07/12/2010)