Robert Barbault é um reconhecido especialista em biologia das populações humanas e, a partir dos anos 1980, foi um dos primeiros a refletir sobre o conceito de "biodiversidade". Em sua reflexão, se reúnem duas fontes dissociadas: a ecologia naturalista e a ecologia política. O resultado ressalta uma evidência nem sempre destacada: "Nossa existência se fundamenta sobre os sistemas vivos". Daí sua cruzada científica contra o crescimento do PIB como única variável do desenvolvimento e sua defesa de uma "cooperação" com o tecido vivo do planeta.
O que é a vida? Um passeio pelas passarelas da Galeria da Grande Evolução do Museu de História Natural de Paris oferece uma resposta singular: os elefantes, os dinossauros, as girafas, as zebras, os macacos, os tigres, os rinocerontes, as focas, os incontáveis pássaros e borboletas compõem um retrato alucinante da diversidade da vida terrestre.
Do silêncio atomizado desses animais, de sua eterna imobilidade científica oferecida à observação, desprende-se uma sensação de admiração, de estranheza e de irmandade substancial com aquele labirinto de espécies. A terminologia moderna define essa variedade de seres vivos que povoam a Terra com um termo nem sempre compreendido em sua exata profundidade: a biodiversidade, isso que o biólogo francés Robert Barbault chama de "o tecido vivo do planeta". Tecido, rede, malha, entrelaçado, entramado, a relação entre as espécies é uma interconexão permanente que não exclui o ser humano.
Barbault é um reconhecido especialista da biologia das populações humanas e, a partir dos anos 1980, foi um dos primeiros a refletir sobre o conceito de "biodiversidade", que o entomólogo Edward Wilson pôs de moda quando advertiu sobre o acelerado desaparecimento das espécies.
Biólogo, professor da Universidade de Paris VI e diretor do Departamento de Ecologia e Gestão da Biodiversidade no Museu Nacional de História Natural, Barbault explorou esse "tecido vivo", mas não como uma curiosidade científica, e sim em sua relação mais direta e perigosa com as sociedades humanas. Em seu livro mais célebre, "El elefante en la cacharrería" (Ed. Laetoli, 2009), o biólogo francês analisou a "destruição programada da biodiversidade" sob a pressão do crescimento das sociedades humanas. A União Internacional de Conservação da Natureza - UICN calcula que uma terça parte das espécies animais ou vegetais está ameaçada de extinção e que a velocidade dessa extinção é mil vezes mais elevada do que o ritmo natural.
Barbault reúne em sua reflexão duas fontes dissociadas: a ecologia naturalista e a ecologia política. O resultado é um trabalho rigoroso e claro que ressalta uma evidência nem sempre destacada pela ecologia política: "Nossa existência se fundamenta sobre os sistemas vivos". Daí sua cruzada científica contra o crescimento do PIB como única variável do desenvolvimento e sua defesa de uma "cooperação" com o tecido vivo do planeta, isto é, com os seres vivos.
Robert Barbault observa frequentemente que, da "biodiversidade", só percebemos a palavra, que o Ocidente vive tão afastado da biodiversidade que até perdeu a consciência de que a aventura do ser humano no planeta é possível graças a ela, até quando consumimos gás ou petróleo. O que é a vida? Pois precisamente isto: um tecido de diversidades que a espécie humana se empenhou em destruir.
Eis a entrevista.
Os sentidos da biodiversidade
A biodiversidade é uma palavra de moda, cujo sentido profundo, no entanto, escapa à compreensão completa. Os meios de comunicação a resumem à relação que pode haver entre uma aranha e uma mosca, mas a biodiversidade é algo mais complexo e até mais estratégico que as mudanças climáticas.
Se a palavra biodiversidade foi inventada não foi só para afirmar que a vida é diversificada. Não, foi para introduzir algo novo e radicalmente diferente: trata-se de tomar consciência das nossas implicações na biodiversidade, à qual eu defino como o tecido vivo do planeta. Existem redes, malhas, tecidos e interações entre as espécies, entre nós e as espécies. E esse tecido é que hoje está se desconstruindo, destecendo. A biodiversidade é um fenômeno geopolítico que apresenta muitos problemas. Quando nos referimos à biodiversidade estamos aprendendo muitas coisas sobre nós, os seres humanos. A biodiversidade é um espelho, é um problema da sociedade humana, e não só dos seres vivos, que podem prescindir de nós. O sistema de lobbies que está por trás do desenvolvimento atual tem um tal poder financeiro, uma capacidade de comunicação e de manipulação da opinião tão grande que chega a semear a dúvida na sociedade sobre os problemas derivados da biodiversidade ou das mudanças climáticas. Temos uma visão limitada da biodiversidade, como se se tratasse só de um catálogo de espécies ou de uma coleção de figurinhas. Não se chega a entender que uma espécie é semelhante à população humana, é um conjunto de indivíduos que depende de recursos, de um território.
O senhor assinala em seus trabalhos um paradoxo terrível: nossa relação com o sistema dos seres vivos é destrutiva quando, na realidade, o ser humano depende inteiramente da integridade desse sistema.
O modo de desenvolvimento econômico é governado por uma espécie, a humana, que se desenvolveu em um passo acelerado e que, para viver, requer constantes recursos. O sistema econômico dominante fez perder de vista a noção segundo a qual nossa existência se funda sobre os sistemas vivos. As energias fósseis, carvão ou petróleo, são o resultado dos seres vivos. Tudo o que comemos provém dos seres vivos, da diversidade. A roupa com a qual nos vestimos, até quanto é sintética, provém da diversidade, porque sai do petróleo, e o petróleo é o trabalho da vida durante milhões e milhões de anos. Tudo parte das estruturas dos seres vivos, estamos rodeados delas. A razão de ser da diversidade é a estratégia de adaptação às mudanças, às catástrofes. Isso explica por que os seres vivos são tão diversificados e por que existe muito mais do que três espécies na Terra. Para durar em um mundo que muda todo o tempo, só a diversidade tem essa capacidade de adaptação.
O papel da cooperação
O senhor também destaca outra das carências da visão contemporânea da natureza. Aprofunda-se muito nos princípios de preservação, de proteção, mas se aborda muito pouco a noção de cooperação entre as espécies, concretamente, entre o ser humano e seu entorno natural. Erigiu-se a competição e o desenvolvimento como norma, ou seja, como abuso.
Consumimos em excesso o que nos dá a vida e esquecemos com isso a noção de cooperação entre as espécies. Trabalhou-se muito pouco sobre a cooperação entre as espécies. Até os anos 1980, falava-se muito sobre a relação entre o predador e a presa, mas muito pouco sobre a interação, a cooperação. Isso me levou a me interessar pela história do pensamento ecológico. Nesses textos, encontrei um reflexo da sociedade industrial, isto é, o conceito de concorrência acima de tudo, a relação comedor/comido. Não havia nada sobre a importância das relações baseadas na cooperação. No entanto, na história dos seres vivos, a cooperação e as interações positivas entre indivíduos da mesma espécie e de espécies diferentes são fundamentais, ainda mais quando constituem a fonte da diversidade e da vida na Terra. Não nego a existência da concorrência entre as espécies, mas também encontramos os mesmos níveis de cooperação. Por exemplo, se refletirmos um pouco, logo nos damos conta de que a agricultura nada mais é do que uma relação de cooperação entre o "Homo sapiens", as plantas e os animais que domesticamos. As sociedades humanas também funcionam em torno da confiança e da cooperação. Como vimos com a crise financeira, quando se produz uma ruptura na confiança, rompe-se a sociedade, e nada funciona. A mesma lei que rege as sociedades humanas vale para os seres vivos.
No entanto, o modelo de desenvolvimento é totalmente destrutivo, ao contrário da biodiversidade e da ideia de cooperação.
Esse sistema foi construído segundo a hipótese de que a natureza era uma questão de recursos infinitos, ilimitados. Durante os séculos XVI, XVII y XVIII, essa hipótese podia ser válida porque o impacto do ser humano sobre a natureza era moderado. Mas com a aceleração do tempo, graças aos desenvolvimentos técnicos e científicos e a irrupção da sociedade industrial, a população humana cresceu enormemente, e com isso as suas necessidades. Essa hipótese é, então, inaplicável. A mudança se produziu com a Segunda Guerra Mundial. A partir daí, acelerou-se a depredação dos recursos. Desde então, nada deteve o movimento. Hoje, sabemos que essa política não pode continuar. Inventou-se o conceito de desenvolvimento sustentável, mas tenho a impressão de que essa ideia feliz se limita a uma espécie de marca, de etiqueta, de selo carente de benefícios. De fato, por mais desenvolvimento sustentável que se queira impulsionar, se não refletirmos sobre a falsidade em que se baseou o nosso modo de funcionar, não serve para muito. Se quisermos mudar o rumo da situação, é imprescindível levar a cabo essa reflexão, encontrar em que erramos a fim de reincorporar-nos ao tecido do vivo planetário e tomar consciência de que dependemos dele. É preciso mudar muitas coisas de forma radical. Isso não se fará de um dia para o outro. Passar de um sistema de desenvolvimento como o nosso, totalmente depredador, a outro mais racional levará tempo. Desenvolvimento sustentável também quer dizer desenvolver mais qualidade de vida. Mas, claro, se falarmos de desenvolver o crescimento do PIB, então caímos em um sem sentido. Lamentavelmente, esse é o risco que corremos hoje.
A ditadura do PBI
A ideia de crescimento é intrínseca ao conceito de desenvolvimento. É filosófica e politicamente impossível fazer com que se entenda que a ditadura do crescimento do PIB como única medida do desenvolvimento humano e do progresso é um suicídio programado.
A realidade é a seguinte: se passarmos para um modo de crescimento mais econômico e eficaz, só isso nos permitirá ganhar um pouco de tempo para tentar, pelo menos, mudar de direção. Mas o problema que se propõe é que é quase impossível falar de decrescimento. Não se aceita a ideia de que o crescimento não pode ser eterno, é impossível falar disso ou analisar o que estamos colocando dentro da palavra crescimento, o que é que pode crescer e o que não pode. Esse foi um dos limites que eu encontrei no desenvolvimento sustentável. Não se trata de discutir sobre o sustentável, mas sim sobre o que é exatamente o desenvolvimento, isso que concerne às sociedades humanas e que deveria permitir-lhes durar o maior tempo possível. A crise da biodiversidade nos obriga hoje a refletir nesses termos. Lamentavelmente, a biodiversidade continua limitada às reservas, à ideia simples de preservação. E tudo continua igual, porque as referências são estritamente econômicas, e esse modo de desenvolvimento econômico não leva em conta os estragos que são produzidos. Muito pelo contrário, os estragos estão incluídos no crescimento! Quanto mais se destrói, mais se aumenta o PIB. Com um indicador desses, começamos muito mal!
Chegou-se a uma velocidade de destruição da biodiversidade mil vezes superior à velocidade natural.
A velocidade de destruição da biodiversidade é consideravelmente maior do que a natural, e, principalmente, se não mudarmos nada, essa destruição continuará se acelerando. Essa é a principal preocupação, que muitos poucos levam a sério.
Inclusive, quando existe um debate sobre isso, muitos cientistas defendem que chegamos à sexta etapa da extinção.
Depende de como as coisas são ditas, porque senão isso pode ter um aspecto mais negativo do que construtivo. Diz-se: estamos na sexta crise de extinção e faz-se a analogia com as cinco anteriores, que ocorreram quando o ser humano não estava aqui e em escalas de tempo que não têm nada a ver com as escalas com as quais vivemos hoje. A última extinção durou milhares de anos. Dito isso, devemos compreender que estamos em um processo, em uma fase de aceleração da taxa de extinção. Em nossa qualidade de espécie humana, temos a capacidade de reagir. Se somos capazes de fazer a guerra de um dia para o outro, até quando não há dinheiro, penso que podemos resolver o problema. Não acredito que vamos erradicar completamente a amplificação da erosão da biodiversidade, mas podemos tender para uma estabilização, para uma coexistência pacífica com a biodiversidade. Prefiro dizer que estamos em uma fase de incremento da extinção, conhecemos a causa e temos os meios para corrigir a tendência. Precisamos da riqueza dos seres vivos para continuar tendo uma qualidade de vida humana na Terra. Não é a sobrevivência biológica do homem que está ameaçada, é a sua sobrevivência como ser humano com H maiúsculo que está na corda bamba, isto é, sua dimensão de ser humano. As causas da destruição da biodiversidade são as mesmas que desencadeiam a degradação social. Fazer como se fossem coisas diferentes, como se os problemas das espécies fossem secundários e os problemas do desemprego uma coisa de primeiro plano não é pertinente: na realidade, o mesmo rolo compressor que degrada a sociedade humana degrada o marco de vida das sociedades humanas em todo o mundo.
Como explicar a diferença e até a irresponsabilidade planetária da população humana, especialmente no Ocidente, frente à degradação da biodiversidade, ao desaparecimento das espécies?
Acredito que, acima de tudo, é um problema de impotência. Além disso, a população humana é cada vez mais humana e falta um elemento central: o desaparecimento da transmissão da informação sobre as espécies. Mas o mais fundamental que ocorreu é que o ser humano se cortou do resto dos seres vivos. Descompôs-se a trilogia judaico-cristã: Deus, o homem e a natureza. Quando alguém se aprofunda na visão dinâmica da biodiversidade, no tecido do vivo no planeta, em suas interações, nas relações de parentesco que existem entre as espécies, o que se chama de árvore da vida, isso nos leva a tomar consciência de que estamos arraigados muito profundamente no vivo. Em nossos genes, temos heranças que remontam a milhões e milhões de anos. Por conseguinte, sentir-se um primo próximo dos outros seres vivos em uma época de profunda desestabilização equivale a uma forma saudável de arraigamento. A partir daí, podemos redescobrir nossa relação parental com as outras espécies, nossa dependência com o resto dos seres vivos e ver assim a riqueza que existe em tudo isso. Nossa relação de dependência com os seres vivos também nos dá nossa liberdade de seres humanos para desenvolver novas coisas. Há um paradoxo na tomada de consciência da dependência, que é, por sua vez, a base de uma autêntica liberdade.
Os caminhos da humanidade
Como transmitir esse saber, essa consciência, para as novas gerações? A educação, que é uma base decisiva, fracassou até agora. Não seria necessário refundar o sistema educativo para desenvolver as noções de biodiversidade, cooperação, interação?
A educação continua sendo essencial. A educação deve ser um instrumento de formação para o espírito crítico.
A ecologia política tem um lugar sobressalente no discurso e na sociedade. Por acaso, os ecologistas não pecaram por falta de amplitude, por uma incapacidade de explicar com mais generosidade a relação do ser humano com a natureza?
Essa crítica é válida tanto para a ecologia política quanto para a ecologia científica. Se olharmos para a história, a ecologia nasceu pouco depois da explosão da Revolução Industrial, com a influência de Thomas Malthus e dos problemas que ele propôs em torno ao equilíbrio entre o crescimento da população e os recursos. Imediatamente, os cientistas puseram-se a analisar como funcionava a natureza, em que se baseia a regulação dos efetivos das plantas e dos animais. Enquanto isso, a ecologia se fazia perguntas que hoje o desenvolvimento sustentável se faz. Era o problema de fundo. Mas depois, de forma progressiva, a ecologia foi monopolizada pelos naturalistas. Começou-se a falar das populações animais e vegetais, dos ecossistemas, como se o homem não tivesse nada a ver. De fato, pôs-se o ser humano de lado. A ecologia política fez o mesmo, com o condicionante negativo de que a ecologia política não se apoiou na ecologia científica. Não tenho certeza de que um único partido político pode responder aos problemas que o mundo dos seres vivos nos apresenta. Devemos passar de um mundo em que se veem as coisas divididas para um mundo em que se percebem as interações entre o todo e o todo, tanto entre as próprias sociedades humanas entre si, como entre as sociedades humanas e o resto do mundo. Essa visão permite compreender as interações e os efeitos colaterais. Com esse enfoque, estamos certos de que somos conscientes de que pertencemos à biosfera. As pessoas nem sequer são conscientes de que a atmosfera é um recurso natural e que também é o resultado do trabalho dos seres vivos. Se não houvesse vida na terra, não teríamos atmosfera.
Finalmente, a ideia individual de desenvolvimento, ou seja, de crescimento, esmagou todas as demais.
O acento que foi posto na individualização foi nefasto, mas essa ideia é também uma das riquezas das sociedades ocidentais. Se não for controlada como é devido ou se não tivermos consciência dela, só colheremos o negativo. A liberdade para cada indivíduo não exclui a responsabilidade e a interação. Veja a história dos EUA, cheia de páginas escuras. Os EUA são hoje um dos grandes, grandes problemas, são um dos responsáveis mais decisivos da situação atual. Há algo de muito perverso no sistema norte-americano: por um lado, está a imagem da liberdade total, de império do bem. Mas não é assim. Quando analisamos o resultado da cúpula de Copenhague, a culpa do fracasso não é nem da China nem da Índia. A situação a que chegamos hoje foi produzida pela sociedade ocidental. Por exemplo, depredamos muitos países. Mas o sucesso da sociedade ocidental foi forjado com o tributo obscuro que os escravos, o tráfico de seres humanos, a espoliação pagaram. O saque dos recursos do mundo inteiro fez a nossa riqueza, mas hoje nos leva a constatar que até o clima se degrada. Então, os responsáveis somos nós. Se fôssemos responsáveis, não diríamos que a culpa é dos chineses ou da Índia, porque querem nos imitar. Seria preciso dizer: pecamos em excesso e, agora, devemos sanar a situação. Lamentavelmente, não se procedeu assim, e vamos perder 30 anos. O Ocidente perdeu uma oportunidade. Tudo isso é consequência do culto ao individualismo que nos leva a perder de vista uma noção essencial: nas sociedades humanas, o mais importante é o social, inclusive na economia. Sem a dimensão social, o homem não existiria.
(Por Eduardo Febbro, Página/12, tradução de Moisés Sbardelotto, IHU, 07/12/2010)