Organizações não governamentais do Japão consideram uma grande ironia que seu país não seja parte da continuação do Protocolo de Kyoto, assinado em 1997 nessa cidade japonesa. O primeiro-ministro, Naoto Kan, fez o anúncio esta semana no parlamento. Embora a posição do governo sobre não acompanhar uma segunda fase do Protocolo de Kyoto a partir de 2012 fosse conhecida há dois anos, esta foi a primeira vez que o governante o declarou em público. Não por acaso, o anúncio foi feito no dia 29 de novembro, dia da abertura da 16ª Conferência das Partes (COP 16) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que acontece até o dia 10 no balneário mexicano de Cancún.
Yuri Onodera, diretor do programa de Mudança Climática e Energia no capítulo japonês da Amigos da Terra, disse, no dia 1º, aos jornalistas, que “a decisão japonesa de abandonar o tratado de Kyoto mostra uma grave falta de reconhecimento de sua própria responsabilidade histórica e moral. E acrescentou que, “com esta posição, o Japão se isola do resto do mundo, e, ainda pior, este passo prejudica as negociações atuais e é uma séria a ameaça ao progresso necessário aqui, em Cancún”.
Yuri disse à IPS/TerraViva que o governo pode ter tomado esta decisão devido à “frustração em torno do processo” que seguem as principais economias emergentes em geral e a China em particular, quanto a não se comprometerem em reduzir suas emissões de gases-estufa. As declarações do primeiro-ministro também aconteceram em um contexto crescente de tensões entre as duas potências asiáticas.
“Especificamente com relação à China, o Japão tem uma disputa territorial. Também existe uma competição econômica, já que a China superou o Japão como segunda maior economia mundial”, destacou Yuri. Porém, este ativista, que junto com muitos outros fez campanha há 13 anos para forjar o Protocolo de Kyoto, ainda espera que Tóquio se comprometa com o combate ao aquecimento global.
“Tóquio reconhece seu lugar na comunidade internacional. Gostaria de mostrar um rosto positivo e se projetar como criador de consenso. Isto é verdadeiramente significativo para o Japão, para sua imagem pública e sua política externa. É uma questão de orgulho nacional e não gostaria que o vissem tratando deste tema sozinho. Muitas pessoas estarão observando se for considerado que o Japão não participa do processo”, acrescentou.
O governo sentiu que houve avanços significativos depois da COP 15, realizada há um ano em Copenhague. Se seu papel como criador de consenso seguiu o caminho equivocado, Tóquio pode ser visto como um obstáculo, o que não agradaria, e o primeiro-ministro poderia mudar sua política, afirmou Yuri.
Ele acredita que os Estados Unidos tomarão isso como um precedente e citem a retirada do Japão para justificar sua própria linha dura contra o Protocolo de Kyoto. “Este governo é diferente e não destruirá o processo abertamente. Realmente espero que Washington não o faça. A continuação do Protocolo de Kyoto é crucial para que os países em desenvolvimento se comprometam no processo”, destacou.
Ao ser perguntado por IPS/TerraViva se as declarações do primeiro-ministro japonês tiveram algum tipo de ressonância na política climática norte-americana, o negociador Jonathan Pershing respondeu que, como seu país não é signatário do Protocolo de Kyoto, este fato não seria comentado. Contudo, disse estar sabendo das “discussões prévias” sobre a oposição do Japão a uma continuação do tratado, sobre o qual Tóquio foi “bastante claro”, e disse que agora há dois caminhos: continuar com Kyoto, ou não. “Cada país tem direito a tomar sua própria decisão”, afirmou.
Yuri afirmou à IPS/TerraViva que “a Rússia também é uma preocupação neste sentido, já que deu seu apoio à segunda fase do Protocolo de Kyoto, com a condição de que também o façam as principais economias emergentes, e, ao mesmo tempo, também é flexível. O Japão está avançando na direção oposta e ficará isolado”, acrescentou.
As organizações não governamentais japonesas se comprometeram com políticas governamentais de todos os ministérios e mobilizaram o público para enfrentar o aquecimento global. “Os últimos problemas econômicos, entre eles quase 5% de desemprego, desviaram a atenção do governo” e deram lugar a elementos de linha dura, concluiu Jonathan.
Considera-se que a COP 16 é um teste crucial, no qual se pode restabelecer a credibilidade do processo multilateral das conversações climáticas, bem como a confiança dos países em desenvolvimento, segundo a organização Amigos da Terra. As nações pobres sofrem os impactos da mudança climática causada por países industrializados como o Japão. Apesar disto, Tóquio deixou muito claro as suas intenções nos primeiros dias da conferência em Cancún.
A Amigos da Terra Internacional reclama com urgência que o Japão reconsidere sua posição e deixe de paralisar as negociações sobre o clima. Todos os países ricos – incluído o Japão – deveriam acordar uma redução de pelo menos 40% em suas emissões até 2020, sem recorrer às compensações de carbono, e fazê-lo durante um segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto, explicou a organização.
(Por Darryl D’Monte, IPS, Envolverde, 3/12/2010)