Alguns dos grandes produtores de bovinos da América Latina trabalharão em equipe no ano que vem para quantificar as emissões de gases causadores do efeito estufa da atividade pecuária e propor opções de mitigação. A notícia surge quando tem início em Cancún, no México, a 16ª Conferência das Partes (COP 16) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que terminará em 10 de dezembro.
O projetado consórcio, integrado por cientistas de Argentina, Chile, Colômbia, República Dominicana e Uruguai, foi selecionado para receber financiamento do Fontagro (Fundo Regional de Tecnologia Agropecuária). Esta entidade, formada por 14 países latino-americanos mais a Espanha, convidou para a apresentação de projetos regionais que contribuam para criar capacidade de mitigação e adaptação à mudança climática e fortaleçam a segurança alimentar.
A proposta ganhadora se chama “Mudança climática e pecuária. Quantificação e opções de mitigação das emissões de metano e óxido nitroso de origem bovina em condições de pastagem”. Inicialmente será medido o metano com uma técnica clássica e outra mais elaborada, desenvolvida na Argentina, para compará-las, disse ao Terramérica a coordenadora do projeto, a engenheira agrônoma uruguaia Verónica Ciganda.
A América Latina libera apenas 7% das emissões mundiais de gases-estufa – como dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, entre outros – e se tomarmos apenas a América do Sul, onde estão alguns dos maiores países pecuaristas do mundo, a proporção cai para 5%. Porém, ao analisar a origem das emissões sul-americanas, vê-se que a maioria procede da atividade rural.
Na Argentina, a agropecuária emite 41% dos gases-estufa nacionais, no Brasil 56%, no Uruguai 78% e no Paraguai 97%, segundo estudo feito por pesquisadores do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (Inta), da Argentina. O metano, um poderoso gás-estufa, é gerado durante a digestão dos ruminantes, quando o alimento é fermentado, e são soltos na atmosfera por exalações e arrotos, e pela decomposição anaeróbica de seu esterco.
A fonte principal do óxido nitroso é a urina dos bovinos. Para medi-lo será usada uma técnica de câmaras de fluxo fechado nas quais se aplica urina com uma concentração de nitrogênio conhecida para depois medir as emissões deste gás. Embora a quantidade de óxido nitroso de origem animal seja menor do que a de metano, seu potencial de aquecimento é maior. O desafio da região é reduzir estas emissões mantendo a competitividade do setor agropecuário e, sobretudo, a produção de alimentos como carne e leite.
Concluída a fase de medições, serão estudadas as medidas para reduzir as emissões que contribuem para a mudança climática causadas pela pecuária, disse Verónica, que trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas Agropecuárias de seu país. Por exemplo, melhor balanceamento na dieta dos bovinos, melhoria no pasto, aperfeiçoamento genético das raças e espécies, e controle sanitário mais eficiente do curral.
“Existem pastagens que têm mais tanino e menos fibras, e isso é melhor para reduzir emissões de metano, mas é preciso ficar atento para que, ao baixar a produção de alguns gases, não aumente a de outros”, disse a especialista. A hipótese é que as emissões de óxido nitroso sejam baixas, disse Verónica, mas se os resultados das medições mostrarem maior incidência, também será preciso trabalhar sobre a dieta.
A pesquisa acontecerá em diferentes áreas de produção, tanto em currais como em campo aberto, onde a alimentação varia muito. Também será investigado como os diferentes tipos de forragem afetam na emissão de gases. O projeto permitirá testar uma nova e mais precisa metodologia de medição de emissões de metano, disse ao Terramérica o veterinário Guillermo Berra, encarregado do capítulo argentino.
Do Instituto de Patobiologia do Inta, onde trabalha, Guillermo implementou há três anos um equipamento de registro telemétrico de emissões de ruminantes que é instalado sobre cada animal escolhido para fornecer informação. Um dispositivo eletrônico, fixado por meio de arreios na região dorsal do animal, conectado a um sistema de cânulas desde o rúmen (primeira câmara do estômago dos ruminantes), onde um sensor de fluxo registra o volume exato de gás emitido. O sensor envia um sinal por telemetria que permite o registro das emissões via Internet em um computador.
O método foi testado em diferentes unidades de monitoramento do Inta e, a partir de 2011, começará a ser usado de forma sistemática. Guillermo destacou que os inventários de gases-estufa apresentados periodicamente pelos países-partes da Convenção sobre a Mudança Climática coletam “estimativas, não medições”. O projeto procurará uma medição concreta, fundamental para avançar para a redução da contaminação. “Para reduzir as emissões, é preciso começar a ter muito bem afinada a medição”, alertou o veterinário.
Para o professor Edgar Cárdenas, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da estatal Universidade da Colômbia, o projeto definirá uma linha-base decisória de negociação internacional para leite e carne. Até agora, disse, estas estimativas de emissões são imputadas aos países pecuaristas nos mercados internacionais e afetam suas exportações.
A América Latina não está incluída no Anexo I do Protocolo de Kyoto, a relação de nações desenvolvidas com compromissos quantitativos de redução de emissões. No entanto, o primeiro período de obrigações do Protocolo de Kyoto terminará em 2012, e nas negociações que acontecem em Cancún há uma crescente pressão do Norte para ampliar os compromissos de algumas das maiores nações em desenvolvimento, como o Brasil, segundo maior produtor e primeiro exportador de carne bovina do mundo.
Em toda a região são discutidas medidas de mitigação embora com muito cuidado para não prejudicar a produção, não provocar desestímulos nem perda nos currais, afirmou Guillermo. “É sumamente importante defender o critério de redução de emissões por unidade de produção, por exemplo, por quilo de carne ou litro de leite, porque se for exigida uma redução absoluta de emissões pode haver uma queda na produção”, alerta.
O projeto também visa a melhorar a posição dos países do consórcio no Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática, estabelecido pelas Nações Unidas para revisar e sintetizar a mais avançada ciência climática. Esse objetivo será cumprido com a quantificação das emissões de metano e óxido nitroso do pastoreio bovino e fixando opções para sua mitigação em cada um dos países. Para isso, além do financiamento do Fontagro, patrocinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, o projeto contará com a cooperação do governo da Nova Zelândia, informou Verónica.
(Por Marcela Valente, Envolverde/Terramérica, 28/11/2010)