Anuncia-se decreto com base no qual, cumprindo uma lei de 2002, a Prefeitura de São Paulo afinal vai cassar os alvarás de bares, restaurantes, lojas e outros estabelecimentos que deixarem de contratar empresas privadas para recolher seu lixo, se produzirem mais de 200 quilos (equivalentes a três sacos) por dia. Não há outra solução para as 4.147 empresas cadastradas como “grandes geradoras”, diz a Prefeitura, embora já haja mais de 5 mil com cadastro vencido e se estime que o total de grandes geradoras seja de mais de 100 mil (entre 1 milhão de empresas). Também órgãos públicos (com exceção de escolas) terão de se enquadrar. A decisão tem forte apoio das empresas que hoje coletam todo o lixo, já que, por receberem valores fixos (e não por tonelada), terão seu trabalho reduzido. E a Prefeitura acaba de prorrogar por um ano o contrato de varrição com cinco empresas, por R$ 437 milhões.
Também não há outra solução para a área de resíduos a não ser cobrar de quem os gera os custos de coleta e destinação. É assim em todos os lugares do mundo onde melhores soluções foram encontradas. São Paulo chegou a ensaiar um projeto nessa direção há alguns anos, criando uma taxa na administração Marta Suplicy – que acabou voltando atrás e dizendo que fora um grave erro político. Por essa e outras, a cidade continua sem solução para as 17 mil toneladas diárias de lixo que gera, com seus aterros esgotados e passando por usinas de triagem apenas 5% do lixo total, que tem algum aproveitamento. Mas a cidade, segundo a Sabesp, chega a despejar 400 toneladas de lixo por dia na Represa Billings.
Na verdade, é uma situação comum na maior parte das grandes cidades brasileiras, todas com seus aterros esgotados, sem novas soluções, pagando fortunas para transportar e depositar seu lixo a grandes distâncias. É assim em Belo Horizonte, em Curitiba, no Rio, no Recife (que paga R$ 1,2 milhão por mês por 1.700 toneladas diárias). Brasília não tem solução para o seu lixo, que em grande parte continua a ser depositado num lixão. Em Goiás, esgotou-se o prazo dado pelo Ministério Público para que 132 de seus 246 municípios apresentassem alternativas para os lixões onde depõem os seus resíduos.
Em São Paulo, restaurantes, bares e outros estabelecimentos comerciais já anunciam que vão cobrar de seus clientes os custos da contratação de empresas transportadoras do lixo. É justo que seja assim: o ônus, o custo, deve caber a quem o gera; não deve ser transferido para toda a sociedade, indiscriminadamente, em impostos ou taxas genéricos. E em quase todo o mundo o princípio é esse. Um dos países onde o sistema deu mais certo – inclusive porque vai até mais além – é a Alemanha, que criou o sistema Green Dot (Ponto Verde). Ele estabelece que os custos com os resíduos cabem a quem os gera, desde a indústria até o gerador domiciliar. Com base nele, implantou-se no país um sistema de coleta dupla: o poder público recolhe nas residências e nos estabelecimentos comerciais o chamado lixo orgânico e dá-lhe destinação (compostagem ou incineração); o gerador domiciliar ou comercial de lixo paga uma taxa proporcional ao volume da lata ou contêiner que utilize (10 litros, 20 litros, etc.). O chamado lixo seco (papel, papelão, latas, vidros, etc.) é separado à parte e recolhido pelo sistema Green Dot, que também lhe dá destinação (reutilização, reciclagem ou incineração). Grandes volumes exigem coletas especiais, pagas separadamente das taxas.
Com a introdução desse sistema, os produtores industriais daquilo que se pode transformar em lixo tiveram interesse em reduzir suas dimensões, seu peso e número – já que pagam ao Green Dot proporcionalmente. E com isso o volume de lixo seco na Alemanha se havia reduzido em 15% em oito anos, quando o autor destas linhas lá esteve documentando o sistema para uma série na TV brasileira. Não é pouco.
Em todos os países da Escandinávia vigoram sistemas semelhantes, sempre com o mesmo princípio: os custos da coleta e destinação cabem a quem os gera. Em alguns deles, entretanto, as regras são mais fortes, chegam a proibir a utilização de determinados materiais, para evitar o aumento do lixo. Mas as pressões industriais são sempre muito fortes, há avanços e recuos.
Onde as regras são mais consolidadas e avançadas, como na Suécia, há sistemas sofisticados de reciclagem até de veículos. Ali, o comprador de um veículo novo paga, nesse momento, uma taxa de reciclagem, pela qual recebe um certificado – que passa adiante no momento em que se desfaz do veículo. A taxa vai de mão em mão até o último proprietário, que julga não ter o veículo mais condições. Leva-o, então, a uma empresa de reciclagem autorizada e dela recebe o valor da taxa que acompanhou o veículo. A empresa recicladora, primeiro, recolhe todos os fluidos do veículo, destina-os a sistemas especiais de reciclagem. Em seguida, retira tudo o que ainda pode ser utilizado – vidros, pneus e outros materiais -, que revende, dando certificados de garantia.
A carcaça restante é recolhida por outra empresa, que a submete a prensagem e encaminha a uma terceira, que a pica e destina os materiais resultantes a siderúrgicas (para serem queimados em altos fornos) ou à substituição de brita, quando é o caso. A Suécia espera que no final desta década já esteja reciclando 100% dos veículos.
Soluções existem. Mas em quase todos os lugares no Brasil os administradores públicos fogem delas, por temerem a impopularidade com a cobrança de taxas específicas. Pensam eles que, diluído o custo por todos os contribuintes, sem identificá-lo, não haverá protesto. Mas é muito injusto. Favorece quem já pode mais e gera mais lixo – e ainda vai pagar menos impostos. Dificulta o controle das contas. E estimula a geração de mais resíduos, que não terão onde ser dispostos. Estimula a degradação urbana.
Washington Novaes é jornalista.
(O Estado de S.Paulo, EcoDebate, 29/11/2010)