Pesquisadores do Laboratório de Mutagênese Ambiental (Labmut) do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, da Uerj, constataram que, na Avenida Brasil e no Túnel Rebouças, o índice de partículas no ar que podem causar graves danos à saúde - até mesmo câncer - está muito acima do limite aceitável. A pesquisa, que ainda se encontra em andamento e tem o apoio da Faperj, aponta variações entre 9 e 23 no chamado índice de mutagenicidade registrado no túnel, pelo qual passam diariamente quase 153 mil veículos. O limite estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 2,5.
Pesquisadores envolvidos no trabalho usaram um equipamento que capta os poluentes no ar chamado de Amostrador de Grande Volume (AGV). Eles ainda colocaram na Avenida Brasil e no Rebouças plantas de uma espécie conhecida como coração-roxo, considerada muito resistente, para verificar como sofriam os efeitos da poluição. A que foi deixada dentro do túnel morreu em poucos dias.
A pesquisa começou a ser feita em 2008. Na Avenida Brasil, a qualidade do ar é monitorada na altura de Ramos. O AGV foi instalado no Ciep Leonel de Moura Brizola, na Rua Gerson Ferreira, por onde passam diariamente quase 200 mil veículos. O índice de mutagenicidade no local ficou entre 3 e 4, menor que o registrado no Rebouças, porém, dentro do túnel, as pessoas ficam menos tempo expostas aos poluentes.
Especialista não vê motivo para alarme
Apesar dos resultados estarem muito acima do recomendado pela OMS, especialistas dizem que não há motivo para pânico. Mas, segundo os pesquisadores, isso não significa que o carioca deva encarar com naturalidade a qualidade do ar que respira. Um estudo encomendado pela prefeitura à Coppe/UFRJ revela que os meios de transporte rodoviário são os maiores emissores de gases de efeito estufa da cidade, com 33% do total. Em seguida, vêm as emissões provenientes do lixo, com 25%, e a poluição industrial, com 10%. Nem todos os gases que provocam efeito estufa (como o gás carbônico) são nocivos aos humanos.
O professor e biólogo Israel Felzenszwalb, que participa da pesquisa da Uerj com outros especialistas, explica que as partículas detectadas são mutagênicas - podem causar câncer. A mutação de células é o fenômeno inicial que causa diversos tipos de câncer.
- Há muitos tipos de poluentes na atmosfera. Avaliamos apenas alguns, cerca de 10% dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, provenientes da queima de combustíveis, coletados na Avenida Brasil e no Túnel Rebouças - disse o especialista, que citou estudos da OMS sobre os danos causados pela poluição. - Partículas finas emitidas por veículos automotores provocam aproximadamente 3% das mortes ocorridas em todo o mundo.
O pesquisador destacou que o estudo permite chegar à conclusão que a saúde dos cariocas pode estar comprometida com a poluição provocada por veículos:
- Não temos o menor interesse em causar pânico, mas, sim, conscientizar a população e os governantes, que devem buscar programas e pesquisas que contribuam para a nossa qualidade de vida. O que fazemos não é uma previsão epidemiológica para os usuários do Túnel Rebouças e Avenida Brasil. Particularmente, não acho que isso possa ser realizado. Queremos, na verdade, divulgar o estudo aos que trabalham no túnel, a motoristas de ônibus e a motoqueiros. Evitar os caminhos não é uma solução. Engarrafamento leva ao estresse, que também causa problemas à saúde. Nossa primeira dica é usar o ar-condicionado no modo circuito fechado.
A pesquisadora Liz Almeida, da Divisão de Epidemiologia do Instituto Nacional do Câncer, afirma que não há solução a curto prazo nem motivo para alarme. Ela acredita que a população deve exigir investimentos em transportes públicos eficientes tanto em relação à capacidade de transportar passageiros quanto às suas emissões. Ela cita como exemplo a Dinamarca, que tem reduzido consideravelmente a poluição nos transportes.
- Devemos incentivar tecnologias menos poluentes e promover uma conscientização semelhante à feita para combater o fumo. O motivo para buscar a redução da fumaça de veículos é o mesmo, temos de evitar riscos de doenças cardiorrespiratórias e alguns tipos de câncer. Existem dados sobre isso. A solução não é parar, mas exigir do poder público o controle da emissão de gases e o estímulo ao transporte não poluente. O meio de transporte que leva muitas pessoas produz menos poluição e precisa ser priorizado - disse a especialista.
Outros estudos citados por Liz chegaram à conclusão que a poluição provoca doenças respiratórias sobretudo em crianças e idosos. Quem tem alguma enfermidade e vive em meio à poluição provocada por veículos corre riscos.
- A poluição encurta a vida. Em relação ao câncer de pulmão, de cada cem casos, nove ou oito podem ser atribuídos aos gases emitidos por veículos automotores - afirmou Liz, que criticou soluções individuais. - Fechar as janelas do carro é como colocar máscaras de gás. Não se trata de uma maneira de resolver definitivamente o problema.
(Por Cláudio Motta, O Globo, 26/11/2010)