Uma das funções mais importantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é coordenar o Sistema Nacional de Vigilância Toxicológica, regulamentando, analisando, controlando e fiscalizando produtos e serviços que envolvam risco a saúde, como os agrotóxicos.
A agência realiza constantemente avaliações toxicológicas para registrar e reavaliar moléculas já registradas, porém a retirada do mercado de substâncias consideradas nocivas à saúde humana não tem sido nem um pouco fácil.
Em 2008, a ANVISA colocou em reavaliação 14 ingredientes ativos de agrotóxicos, entre eles o endossulfan e o glifosato, entretanto várias liminares obtidas pelas empresas que comercializam estes produtos impediram, por quase um ano, a agência de realizar a reavaliação desses ingredientes ativos. Juntos, eles representam 1,4 % das 431 moléculas autorizadas para serem utilizadas como agrotóxicos no Brasil.
O glifosato, cujo consumo disparou no Brasil nos últimos anos, é utilizado no cultivo de soja transgênica. Estudos indicam que esta substância é um desregulador endócrino, tendo efeitos no sistema reprodutivo humano, além de ser carcinogênico.
Em agosto de 2010, a ANVISA conseguiu finalmente publicar uma resolução que determina o banimento gradual do ingrediente ativo endossulfan do Brasil, associando este agrotóxico, considerado extremante tóxico, a problemas reprodutivos e endócrinos em trabalhadores rurais e na população.
Mercado
Ao redor do mundo, o domínio das grandes empresas do setor de biotecnologias é extremamente concentrado, envolvendo o comércio de sementes (entre elas as geneticamente modificadas), fungicidas, herbicidas e inseticidas.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, em 2006, 85% do mercado brasileiro de agrotóxicos era dominado por seis grandes empresas (Figura). As mesmas dominavam 86% do mercado mundial em 2007, de acordo com estudo realizado por Phillips McDougall.
Dentre as consequências deste oligopólio está ausência de isenção no desenvolvimento de pesquisas toxicológicas sobre os princípios ativos dos agrotóxicos, enfatiza a advogada da ANVISA Letícia Rodrigues. Ela explica que é muito difícil encontrar, especialmente no Brasil, profissionais que trabalham de forma independente e frequentemente há tentativas de desqualificação do parecer técnico da agência sobre as restrições de uso dos agrotóxicos.
Enquanto os países europeus e até mesmo a China proíbem o uso de diversas substâncias, no Brasil elas ainda são permitidas, como dois tipos de organofosforados. O resultado é que elas continuam a ser produzidas por estes países e exportadas para o Brasil.
Um deles, o metamidofós, foi proibido na China e a partir de então a sua importação pelo Brasil aumentou. Atualmente há um indicativo de banimento pela ANVISA.
“Especialmente no caso de produtos obsoletos em outros países, há sempre o risco da situação ser judicializada no Brasil”, comentou Letícia sobre a pressão das empresas que desejam transferir o mercado de determinados produtos proibidos em alguns países e permitidos em outros.
“As empresas têm duplo padrão de produção em seu país de origem e em outros”, falou ela focando no caso da produção do benzeno pela BASF. Como na União Européia os trabalhadores não podem estar expostos a esta substância, porém em países em desenvolvimento sim, então a produção é deslocada.
Ela enfatiza que a pressão política sobre a ANVISA é enorme, principalmente vinda da bancada ruralista que já tentou aprovar vários projetos de lei para retirar a competência da ANVISA e do Ibama na aprovação das substâncias e deixar apenas com o Ministério da Agricultura.
“Este é um trabalho muito aquém do que o que o Estado deveria estar prestando...Não existe precaução, porque temos que provar tudo”, enfatizou Letícia relembrando um dos princípios mais importantes do Direito Ambiental Internacional.
Na questão ambiental, saúde, educação, tudo passa pela esfera dos interesses econômicos de poucos grupos e em como nossos representantes governamentais conduzirão as políticas em benefício da população e não na manipulação do que seria o interesse da sociedade.
A nossa função como coletividade ativa é ficar atenta e exigir atitudes responsáveis do poder público, que deve apoiar e incentivar iniciativas verdadeiramente sustentáveis pensando nos efeitos a longo prazo sobre a saúde das pessoas e também dos ecossistemas.
(Por Fernanda B. Müller, Instituto CarbonoBrasil, 23/11/2010)