A competitividade dos preços do etanol e do biodiesel frente aos combustíveis derivados de petróleo, comparada em pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, está relacionada à política de tributação dos combustíveis. Segundo o estudo, a carga tributária distorce os preços relativos dos derivados de petróleo, existindo atualmente um subsídio cruzado da gasolina em favor do óleo diesel, que impacta diretamente a competitividade dos biocombustíveis. A pesquisa mostra que os benefícios ambientais, sociais e econômico-estratégicos justificariam uma política de tributação diferenciada em favor do biocombustível.
O etanol, cuja cadeia produtiva se concentra nos estados do Sudeste e Nordeste, recebeu novo impulso com o surgimento dos carros “flex fuel”, em 2003, que levaram a expansão do setor produtivo para os estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. “Quando o preço é superior 70% em relação ao da gasolina, os consumidores tendem a consumir mais gasolina, ocorrendo o inverso quando o preço do etanol fica abaixo desse patamar”, diz o economista Diego Henrique Souza Ferrés, que realizou a pesquisa. “Nos últimos dez anos, o preço médio do etanol tem sistematicamente ficado abaixo do preço médio da gasolina, já ponderado pela razão de 70%, o que junto com a adição obrigatória do etanol a gasolina garante sua presença e competitividade no mercado nacional”.
O biodiesel, cujas principais fontes atuais são a soja e o sebo animal, tem recebido impulso por intermédio do Programa Nacional de Produção de Biodiesel (PNPB), iniciado em 2005, em que o governo federal adquire o combustível para cumprir a meta de adição ao diesel comum, hoje fixada em 5%. “Apesar do sucesso do ponto de vista de estímulo da oferta, o PNPB recebeu algumas críticas, especialmente devido aos preços do biodiesel terem se situado acima dos preços do diesel mineral desde o início do Programa”, aponta o economista. “Entretanto, o fato de a carga tributária sobre o diesel ser 40% inferior a gasolina compromete a competitividade do biodiesel, pois seu preço-teto passa a ser o preço subsidiado do diesel mineral. É este subsídio que dificulta o avanço do biocombustível”. O trabalho teve orientação do professor Durval Dourado Neto, da Esalq.
Para comparar os preços dos biocombustíveis brasileiros em relação aos valores pagos pela gasolina e o diesel mineral no mercado internacional, o pesquisador estimou os preços mínimos teóricos para o biodiesel e para o etanol a partir dos preços internacionais do óleo de soja e do açúcar nas principais bolsas de mercadorias do mundo, comparando-os aos preços internacionais do diesel mineral e da gasolina também negociados em bolsa. “O cálculo permitiu observar a competitividade em condições de livre mercado, sem a influência de impostos e subsídios”, conta Ferrés. “Entretanto, com base nos valores dos últimos dez anos, verificou-se que os biocombustíveis, levando-se em conta apenas os aspectos econômicos, não são viáveis em relação aos derivados de petróleo.”
Tributação
“É preciso observar que apesar de ainda não serem totalmente viáveis sob a ótica econômica, deve se considerar que o uso dos biocombustíveis tem externalidades e permite capturar uma série de benefícios intangíveis, que deveriam ser precificados e incorporados ao valor comercial destes produtos para atribuir um prêmio de mercado quando comparados aos derivados do petróleo, que apresentam externalidades negativas à sociedade e ao planeta”, diz o economista. “Segundo a EPA, Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, enquanto o etanol da cana-de-açúcar tem o potencial de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em aproximadamente 61%, o biodiesel de soja possibilita redução semelhante, de 57%.”
O benefício ambiental semelhante dos dois biocombustíveis justificaria para o biodiesel a existência de um “subsídio” proporcional ao que desfruta hoje a cadeia do etanol. “Teoricamente, o subsídio poderia assumir a forma de níveis de tributação semelhantes para o diesel mineral aos níveis praticados hoje para a gasolina”, explica o economista. “Entretanto, em razão dos impactos diretos sobre a atividade econômica e por constituir um importante componente inflacionário, uma alteração da estrutura de tributação do diesel poderia ter efeitos negativos sobre toda a economia, fazendo com que a medida seja de difícil aplicação.”
De acordo com Ferrés, o governo federal, por meio do PNPB e da política de adição obrigatória de biocombustível ao diesel comum, vem pagando pelo biodiesel um valor acima do preço do diesel mineral. “Esse preço corresponderia ao ‘prêmio’ de mercado pelos benefícios e externalidades gerados para a sociedade, que de outra forma também não seriam capturados pela economia de livre mercado”, destaca. “O que poderia ser mudado é a velocidade do aumento dos percentuais obrigatórios de adição.”
O economista lembra que a capacidade atual de produção de biodiesel no Brasil já é aproximadamente duas vezes maior do que a necessária para cumprir a meta de adição obrigatória de 5% ao diesel mineral. “Essa situação criaria condições para um aumento mais imediato da meta para 10%, que já é reivindicado por alguns setores da indústria”, observa.
(Por Júlio Bernardes, Agência USP de Notícias, Envolverde, 23/11/2010)