A atual fronteira da obtenção do etanol está nas paredes celulares dos vegetais formadas por um polímero difícil de ser quebrado: a celulose.
Desenvolver meios economicamente viáveis para decompor a celulose é fundamental para o etanol de segunda geração, que poderá aumentar a produção brasileira do biocombustível sem ter que alterar a extensão das plantações.
Utilizar enzimas encontradas nos aparelhos digestivos de cupins e de animais ruminantes é um modo de decompor o polímero, assim como lançar mão de ácidos para provocar uma quebra química da estrutura.
Uma equipe do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), em Campinas (SP), optou por uma terceira rota para liberar açúcares da celulose: bombardeá-los com cargas elétricas geradas por um plasma, gás ionizado considerado o quarto estado da matéria.
O projeto, coordenado pelo pesquisador Marco Aurélio Pinheiro Lima, do CTBE, tem apoio da FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático.
A quebra é semelhante ao que ocorre na rota enzimática, na qual as enzimas mudam cargas elétricas de lugar, saturando uma ligação e provocando o seu rompimento. “Vamos tentar fazer isso só que utilizando uma descarga elétrica”, disse Lima à Agência FAPESP.
Após a quebra, surgem espaços que são preenchidos com pedaços das moléculas de água e o novo rearranjo forma os açúcares. Para dar certo, o processo deve ser controlado e as quebras executadas com cuidado para manter os açúcares intactos, pois são eles que darão origem ao etanol por meio da fermentação.
A pesquisa deve também revelar outros modos de se fazer álcool, podendo até mesmo pular a etapa da fermentação por meio de uma combinação de parâmetros até então desconhecida. “Quando se faz pesquisa é preciso estar aberto a descobertas imprevisíveis, pois os resultados podem levar a novos horizontes”, disse o pesquisador.
Algumas pistas para essa via de quebra da celulose vieram de estudos sobre o tratamento do câncer. Foi constatado nessas terapias que elétrons de baixa energia possuem uma força muito grande para quebrar o DNA de células cancerosas.
“Uma cadeia de DNA lembra muito os açúcares”, comparou Lima, ressaltando que os elétrons de baixa energia podem ser obtidos dentro de um plasma com baixo custo.
Para o projeto foi escolhido um plasma frio à pressão atmosférica, no lugar dos modelos de baixa pressão, os mais comuns em laboratório. O motivo é desenvolver um meio que apresente viabilidade econômica para ser aplicado no mercado.
“Nesse sentido, o plasma frio à pressão atmosférica é mais barato e não exige tantos recursos para operar, como o vácuo, por exemplo. Não podemos pensar em algo que seja usado somente no laboratório, pois poderá ser uma máquina que atuará em uma escala grande”, disse.
Mesmo assim, a equipe do CTBE também pretende estudar os efeitos do plasma de baixa pressão e do plasma em meio aquoso na quebra da celulose.
Os dados levantados ajudarão a obter uma série de conhecimentos básicos sobre o processo de dissociação desses polímeros e aprimorar processos para as biorrefinarias. “Essas serão as usinas do futuro: sempre coladas a uma indústria química que desenvolverá uma infinidade de produtos além do etanol e do açúcar”, frisou Lima.
O projeto poderá levar ao controle do ambiente de descarga de elétrons a ponto de o químico escolher resultados desejados visando a obtenção de moléculas de valor comercial mais interessante.
Outras biomassas
Os experimentos do Projeto Temático no CTBE também poderão ser aplicados em outras rotas de quebra da celulose ao dar pistas sobre como uma enzima ou um ácido atuam no processo.
Outra possibilidade é o surgimento de um processo misto que associe rotas diferentes para a obtenção do açúcar. Como a celulose tem uma estrutura fechada em pacotes, os elétrons poderiam, por exemplo, desempacotar o polímero e prepará-lo para um ataque enzimático ou químico.
Em todas essas perspectivas a pesquisa esbarra em dois obstáculos fundamentais: a obtenção do controle do processo e a viabilidade econômica da tecnologia a ser desenvolvida. Por esse motivo o plasma deve ser barato e de baixa energia, a ponto de compensar a produção do etanol.
“A obtenção do álcool celulósico é conhecida e chegou a ser usada na Segunda Guerra Mundial. Ele só não está no mercado até hoje por ser obtido por meio de um processo caro. Por conta disso, tentamos baratear essa tecnologia e desenvolver novas rotas”, disse Lima.
Apesar de estar voltado à cana-de-açúcar, o projeto poderá resultar em tecnologias para a obtenção de etanol a partir da celulose de outras espécies vegetais.
Com isso, estados brasileiros que estão longe das plantações de cana-de-açúcar poderão produzir seu etanol a partir de espécies vegetais de sua região e assim viabilizar o uso local do combustível. “Pretendemos desenvolver tecnologias que possam ser transferidas para outras biomassas de modo que o etanol se torne viável em todo o país”, afirmou Lima.
O pesquisador aponta que a pesquisa básica envolvida no Temático abrirá possibilidades que nem sequer são imaginadas. “Mesmo que as descobertas não resultem em um processo industrial, elas ensinarão muito sobre o modo como uma molécula é quebrada”, ressaltou.
(Por Fábio Reynol, Agência FAPESP, 22/11/2010)