É preciso prestar atenção ao estudo que acaba de ser divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (Estado, 11/11), segundo o qual a indústria brasileira pode economizar 25% da energia que consome, a começar pela indústria siderúrgica, seguida pelos setores de cerâmica, química, papel e celulose e cimento.
É um trabalho na mesma direção do estudo feito em 2006 pela Unicamp, WWF e outras instituições, mostrando que o País pode viver tranquilamente com metade da energia que consome hoje: pode economizar 30% com conservação e eficiência energética (tal como fez no “apagão de 2001, sem nenhum prejuízo para o País); mais 10% com ganhos nas linhas de transmissão (que hoje perdem entre 15% e 17% da energia que transmitem); e mais 10% repotenciando geradores antigos de usinas, hoje com baixo rendimento, e a custos muitas vezes menores que o da construção de mais hidrelétricas.
Esse estudo está sendo revisto neste momento por um grupo no Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, coordenado pelo ex-ministro e ex-secretário José Goldemberg, que está preocupado com o processo de licenciamento de novas usinas na Amazônia, principalmente nas regiões dos Rios Teles Pires e Tapajós, que implicam problemas em terras indígenas, parques e áreas federais de conservação – sem falar no projeto de Belo Monte, que recebeu no próprio Ibama mais dois pareceres contrários ao início das obras.
Curiosamente, o planejamento federal no Brasil continua a trabalhar com a premissa de que o País, para crescer 7% ao ano nos próximos 12 anos, precisa dobrar seu consumo per capita de energia (Agência Brasil, 7/7). E para isso precisaria acrescentar mais 5,1 GW ao seu potencial energético a cada ano, até 2022. Planejamento provavelmente comandado pelo oligopólio das grandes construtoras de usinas, geradoras e distribuidoras de energia – levando em conta seus interesses específicos, não exatamente os de todo o País. Não por acaso, o governo federal inicia neste momento o leilão de mais dez hidrelétricas, com potência total de 3.820 MW, metade das quais nas bacias dos Rios Teles Pires e São Francisco e metade na do Parnaíba (Maranhão e Piauí). As hidrelétricas do Teles Pires serão altamente complicadas, por incluírem terras indígenas e parques nacionais, da mesma forma que as da bacia do Tapajós, que deverão vir logo a seguir.
Se ainda fosse pouco, o setor de energia está dando prioridade nos novos leilões a usinas termoelétricas, altamente poluidoras, sob o pretexto de poupar água nos reservatórios de hidrelétricas. Por essas e outras, o consumo médio de energia termoelétrica em setembro último chegou a 12,5 vezes mais que em setembro do ano passado (Folha de S.Paulo, 7/10). Tem mais: o governo federal dobrou o subsídio para uso de energia termoelétrica na Região Norte do País, que este ano vai para R$ 4 bilhões – distribuídos pelas contas de todos os consumidores no País, inclusive dos que eventualmente estejam lendo este artigo. Algo tão abstruso que o Tribunal de Contas da União já sentenciou que a Aneel não tem nenhum controle sobre o consumo real de combustível nas 301 termoelétricas da região (Folha de S.Paulo, 14/8) – enquanto destina a energia hidrelétrica de Tucuruí, muito mais barata, quase toda para os conglomerados de exportação de alumínio, com altíssimos subsídios (que também vão para a conta de todos os consumidores no País). Da mesma forma que provavelmente fará com a energia da vergonhosa Usina de Belo Monte. E por essas e outras a produção de energia termoelétrica passou de 5,6% do total em junho do ano passado para 7,8% em junho deste ano (idem, 7/7).
A iniciativa do estudo da Confederação Nacional da Indústria, por isso, é muito bem-vinda. Outro estudo, do IFC, que é órgão do Banco Mundial, mostrou há poucos dias que os edifícios comerciais e públicos no Brasil consomem 80% da energia total (reforçando a tese da possibilidade de redução enfatizada pela Unicamp/WWF). A economia de energia fica ainda mais decisiva se se atentar para números divulgados por este jornal (3/9): 54,8% da energia consumida no País não provém de fontes renováveis, só o petróleo e derivados respondem por 40% (hidrelétrica, 13,9%).
Também adquire importância excepcional iniciativa da Hidrelétrica de Itaipu de estimular e financiar a implantação de sistemas geradores de energia em pequenas propriedades rurais a partir do biogás derivado de dejetos animais (bois, porcos, frangos). Além de reduzirem seus gastos com o pagamento de energia da rede, principalmente nos horários de pico (quando ela é mais cara), os pequenos produtores podem colocar o excedente da produção de energia na rede estadual de distribuição e ser remunerados por isso. É um exemplo a ser seguido em todo o País.
A cada dia são mais alarmantes as notícias sobre desastres climáticos, intensificados pela emissão de gases que se concentram na atmosfera, bem como sobre a insustentabilidade dos atuais níveis de consumo de recursos no mundo. O relatório sobre “pegada de carbono” na China divulgado pelo WWF (Agência EFE, 16/11) diz que, se o mundo usasse recursos e gerasse resíduos como a China, “necessitaria de um planeta 1,2 vez maior que a Terra”. E nesse país “a construção e o transporte, associados ao avanço no nível de vida, contribuíram em grande medida para que as emissões de dióxido de carbono atingissem 54% do impacto ecológico nacional”. Já como a maior emissora de poluentes no mundo, a China compromete-se a reduzir sua “intensidade de carbono” (emissões totais divididas pelo PIB) entre 40% e 45% até 2020, calculada sobre 2005.
Lá, como em toda parte, o setor da energia é o maior responsável por emissões. Por isso o mundo terá de caminhar rapidamente para a redução do consumo de energia e para o uso de combustíveis renováveis e não poluentes. Não se deve perder tempo.
Washington Novaes é jornalista.
(O Estado de S.Paulo, EcoDebate, 22/11/2010)