Ao impedir que as frentes frias atinjam o Interior, o fenômeno La Niña submeterá o Rio Grande do Sul, segundo meteorologistas, a um duplo verão. Os gráficos da chuva de outubro mostram números esperados para dezembro, e não há previsão de alento até o outono. Ao que tudo indica, um pampa tórrido desafiará o próximo governo do Estado.
A seca prevista para o verão está deixando marcas antecipadas no Rio Grande do Sul.
A chuva de outubro ficou abaixo do esperado em quase todo o Estado, e a expectativa do 8º Distrito de Meteorologia é de que a precipitação não supere um terço do normal este mês em várias regiões. Esse cenário deverá agravar os efeitos da falta de chuva prevista para o período de dezembro a fevereiro.
Segundo dados das estações meteorológicas do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) no Rio Grande do Sul, no mês passado a precipitação alcançou apenas 51% da média histórica em Porto Alegre, 38% em Santa Maria e não atingiu nem 20% em Santana do Livramento, Jaguarão e Chuí (veja mapas).
– Setembro ainda foi um mês chuvoso no Rio Grande do Sul. Mas em outubro já tivemos bem pouca chuva – atesta o meteorologista do 8º Distrito Flavio Varone.
Este mês, a secura aumentou. Varone aponta que em boa parte do Estado, principalmente no eixo formado por Sul, Campanha, Fronteira Oeste, Noroeste e Norte, o nível de precipitação registrado do dia 1º até sexta-feira somou apenas de 10% a 15% do esperado para novembro inteiro. Passo Fundo registrou 7% da média. Segundo ele, essa situação não deverá se alterar significativamente no restante do período.
– Na maior parte do Estado, a chuva deverá alcançar um terço do normal, ou nem isso, este mês – prevê o meteorologista.
Conforme a meteorologista Estael Sias, da Central de Meteorologia, o fato de o nível de precipitação já ter baixado significativamente agrava o quadro de preocupação com o verão porque a estação quente encontrará os gaúchos com níveis já mais baixos nos reservatórios de água.
– O normal seria termos menos chuva apenas a partir de dezembro – avalia Estael.
A razão para a aridez antecipada no Estado é a intensidade do fenômeno La Niña, o resfriamento da água do Oceano Pacífico. Segundo a meteorologista do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) Priscila Farias, La Niña se formou em julho, mas se manteve intensa até a primavera. Esse resfriamento tende a alterar os padrões da circulação atmosférica e aumentar a chuva no norte do país, mas retirar umidade da Região Sul.
Fenômeno traz também granizo
Uma das poucas exceções para o ressecamento atmosférico é a região de Vacaria, castigada recentemente por chuvas de granizo. O fenômeno La Niña também ajuda a explicar as sucessivas chuvaradas de pedras. O resfriamento do Pacífico deixa a atmosfera mais fria durante a primavera, o que facilita a formação de gelo no topo das nuvens de temporal – comuns nesta época do ano.
Regiões altas como Vacaria, a quase mil metros do nível do mar, estão mais sujeitas ao fenômeno por terem clima tipicamente mais frio e representarem um caminho mais curto dentro da nuvem até o solo.
– Essa proximidade com o solo faz com que o granizo mantenha suas características com mais facilidade do que se tivesse caído em um local mais quente e de altitude menor, onde provavelmente teria derretido sem se acumular ou formar as camadas de gelo que surpreenderam a todos – observa Estael.
As previsões meteorológicas indicam que poderá chover – até com alguma intensidade – em áreas isoladas do Estado. Mas será chuva rara e localizada, insuficiente para umedecer o tórrido verão gaúcho. A volta da água aos parâmetros históricos deverá ocorrer, conforme algumas das previsões, somente a partir do outono.
Os esforços em cinco anos
Confira o que foi feito e o que faltou nas áreas prioritárias desde a estiagem de 2005
- Açudes e barragens – O governo do Estado construiu 5,5 mil microaçudes, mas estima-se que o Estado necessite de 100 mil para enfrentar com tranquilidade a estiagem. As barragens de Jaguari e Taquarembó não entrarão em operação nos próximos meses.
- Abastecimento doméstico – Regiões como Erechim e Canguçu ainda são consideradas vulneráveis pela Corsan. A maior parte dos R$ 50 milhões investidos em consumo doméstico se concentram nas regiões de Gravataí, Cachoeirinha, Nova Petrópolis e Veranópolis.
- Defesa Civil – Na sexta-feira, foi inaugurada a 11ª regional da Defesa Civil, em Lajeado. Eram cinco, há cinco anos. Com a troca de governo, há risco de desmobilização. O Comitê Gestor, responsável pelo enfrentamento a eventos climáticos do governo Yeda, foi extinto na quarta-feira.
- Recursos Hídricos – O Plano Estadual de Recursos Hídricos, projeto que serviria de base à regulamentação do uso de mananciais, atrasou e encerrará o governo Yeda no papel. De 2007 a 2010, o orçamento destinado à irrigação foi de R$ 19 milhões anuais, número quase insignificante perto do R$ 1,7 bilhão necessários por ano.
(Por Marcelo Gonzatto, Zero Hora, 21/11/2010)